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Crítica | A Fortaleza Escondida

por Luiz Santiago
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O primeiro filme de Akira Kurosawa a mostrar uma jornada perigosa por um território inimigo foi Os Homens Que Pisaram na Cauda do Tigre (1945), obra adaptada de uma peça kabuki e que conta a história do irmão-inimigo de um Xogum, que atravessa uma fronteira hostil ao lado de alguns servos fiéis. Em A Fortaleza escondida (1958), o diretor e seus três roteiristas nos contam uma história que tem basicamente o mesmo princípio. Nessa trama, temos dois camponeses que retornam para suas casas após uma nada louvável participação na guerra. Miseráveis, eles acabam encontrando um tesouro pertencente ao clã dos Akizuki e, após conhecerem o general Rokurota, ajudam-no a transportar todo o tesouro — os camponeses não fazem ideia de que o verdadeiro objetivo da expedição é fazer passar a princesa Yuki pelas terras inimigas até chegar ao seu clã de origem.

Desde o início do filme, Kurosawa tem o cuidado de apresentar duas vertentes narrativas para a história: a dos camponeses Tahei (Minoru Chiaki) e Matashichi (Kamatari Fujiwara) e a de Rokurota (Toshiro Mifune) e a princesa Yuki (Misa Uehara). Em torno dessas duas vertentes, uma cômica e outra trágica, pequenas histórias apresentam os personagens que gerarão os conflitos de roteiro, além das nuances dramáticas mais marcantes. Não é preciso muito tempo de exibição para perceber que se trata de uma obra épica, onde todos os elementos são mostrados com grandeza e grande rigor técnico, da fotografia à música, a começar pelo formato de tela que Kurosawa usava pela primeira vez, o TohoScope (versão da Toho para o Cinemascope), onde tem-se uma visão privilegiada de toda a paisagem, algo que o fotógrafo Kazuo Yamazaki captura muito bem. O filme causa desde o início um forte impacto visual no espectador, algo que é melhorado à medida que a história avança.

É sabido que A Fortaleza Escondida foi uma das grandes referências de George Lucas para a realização da saga Star Wars. É claro que a referência mais imediata é a dos camponeses que brigam o tempo inteiro, apesar de serem amigos. A similaridade com os androides R2D2 e C-3PO vem logo à mente, e é impossível não achar referências dessa relação entre as obras dos dois realizadores. Da mesma forma, é possível ver as referências que o diretor americano fez do filme japonês, transformando de maneira bastante inteligente os personagens de caráter mais cultural em algo “crível” para o mundo americano daquela época.

Outras comparações imediatas também podem ser feitas, como a equivalência da personagem da princesa Yuki e da princesa Leia; os dois grupos de samurais (“bandidos” e “mocinhos”) encarnam o que seriam os Sith e os Jedi; a exploração minuciosa das grandes paisagens na tela lembram as muitas visões de ambientes desolados ou panorâmicas de tirar o fôlego em planetas como Endor, Dantooine e Coruscant, além, é claro, de focos mais precisos como os povoados e ambientações específicas como a habitação dos Ewoks ou a sede do Parlamento e do Conselho Jedi.

Não é de se espantar que A Fortaleza Escondida tenha sido um estrondoso sucesso de bilheteria, tanto no Japão quanto fora dele. Kurosawa vinha de uma sequência de dramas ou reflexões mais densas como EscândaloO IdiotaViverAnatomia do Medo e Ralé além de suas representações do Japão medieval, que até o momento tinham sido inegavelmente complexas. Mesmo existindo um ponto cômico em Os Sete Samurais, com o personagem de Toshiro Mifune, o filme ainda se configurava uma complexa reflexão sobre as ações e alma dos que lutam em uma guerra, ou seja, nada próximo a um filme leve e descontraído ou de fácil entretenimento. Já A Fortaleza Escondida foi uma espécie de suspiro livre de Kurosawa, um longa declaradamente comercial. O melhor mais alto nível de filme comercial que se possa pensar.

O fato é que a trama do filme não é fechada ao momento histórico que representa. Assistindo à obra décadas depois, o espectador terá apenas a ambientação no Japão medieval como referência de tempo, mas pela vivacidade com que as coisas são mostradas e pela engenhosidade de construção do roteiro temos um filme de aventura leve e cômico que pode ser apreciado por todos, em qualquer época. Sobre a produção, o próprio Kurosawa declarou, em entrevista:

Nada de teorias complicadas; só quis fazer um filme que fosse cem por cento divertido com suspense e humor… O relato foi se estruturando assim: cada manhã eu propunha uma situação que deixava o samurai e a princesa sem saída.  Então, os outros três roteiristas faziam esforços desesperados para encontrarem uma saída para essa situação, como se fossem eles mesmos que deveriam escapar.

Mesmo sendo o longa mais leve de Kurosawa em 13 anos (desde Os Homens Que Pisaram na Cauda do Tigre), A Fortaleza Escondida não foi tecnicamente fácil de ser realizado. Um elenco gigantesco e uma grande variedade de cenários compõem a película, mostrando que além de influenciar diretores futuros, Kurosawa também foi influenciado ou homenageou outros diretores aqui. A presença da dinâmica de John Ford é perceptível, especialmente quando se trata do elemento cômico numa estrutura mais séria e da ideia de que é preciso viver para aprender — pensamento que seria recorrente nos filmes do diretor japonês. Além disso, há uma bela referência à cena da Escadaria de Odessa de O Encouraçado Potemkin, quando os trabalhadores descem correndo a escadaria contra os soldados, pisoteando pessoas, caindo e tropeçando pelo caminho.

A fase final da obra apresenta uma distanciada e tímida irregularidade no fechamento das ideias, principalmente a conclusão dos fatos após a retomada do poder pela princesa Yukie em seu clã. Esse é realmente um ponto reticente da obra, o que faz com que o término não seja arrebatador, como se esperava de uma obra desse imenso porte. Todavia, tudo o que foi visto em seu desenvolvimento é de tamanha qualidade, que é impossível classificar o filme com uma nota menor que a nota máxima. A Fortaleza Escondida pode não constar em muitas listas de filmes favoritos de Kurosawa para um grande número de cinéfilos, mas certamente é um daqueles filmes cativantes e antológicos que conquistam a maior parte dos espectadores à primeira vista e que deram inúmeros frutos por cinematografias ao redor do mundo. Uma obra digna de um mestre.

A Fortaleza Escondida (Kakushi-toride no san-akunin) – Japão, 1958
Direção: Akira Kurosawa
Roteiro: Akira Kurosawa, Ryûzô Kikushima, Hideo Oguni, Shinobu Hashimoto
Elenco: Toshirô Mifune, Minoru Chiaki, Kamatari Fujiwara, Susumu Fujita, Takashi Shimura, Misa Uehara, Eiko Miyoshi, Toshiko Higuchi, Yû Fujiki, Yoshio Tsuchiya, Kuninori Kôdô
Duração: 139 min.

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