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Crítica | A Garota Dinamarquesa

por Lucas Nascimento
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estrelas 3,5

Junto com o romance Carol, A Garota Dinamarquesa é o longa que explora questões da sexualidade e identidade em um período passado, mas que permanecem tão controversas quanto décadas atrás. No novo filme de Tom Hooper, o assunto é ainda mais delicado por abordar a transexualidade, tomando como base a história real da primeira cirurgia transgênica da História.

A trama nos transporta para a Dinamarca de 1926 e logo nos apresenta ao casal de pintores Einar e Gerda Wegener (Eddie Redmayne e Alicia Vikander). Ele é um bem-sucedido pintor de paisagens, enquanto ela luta para se destacar na área de retratos. Quando uma colega acaba desmarcando uma sessão, Gerda pede que seu marido vista roupas femininas a fim de completar uma pintura, o que acaba despertando em Einar aquela que ele descobre ser sua real identidade: Lili.

É uma história ousada para qualquer época, e o roteiro de Lucinda Coxon, adaptando aqui o livro de David Ebershoff, é bem sucinto ao comportar toda a transformação e redescobrimento do protagonista. A relação de Einar/Lili com Gerda é a mais bem trabalhada aqui, já que a pintora evidentemente não se sente confortável com a repentina mudança na vida seu marido, mas não deixa de se divertir com o início da “brincadeira” ou pelo fato de que Lili é a modelo responsável pro alavancar sua reputação no meio artístico.

Infelizmente, Coxon apenas flerta com temais mais complexos. É fascinante ver Lili falando através dos lábios de Einar. Mas o texto acaba em uma série de repetições cíclicas, como o fato de Einar abandonar e trazer novamente Lili em dois momentos distintos que levam ao mesmo território dramático. A passagem da protagonistas por hospitais e médicos que o diagnosticam como esquizofrênico ou outras formas de insanidade também merecia uma atenção mais construtiva, além de servirem como meros obstáculos para a jornada de Lili – mesmo com ordem para internação, os médicos hostis acabam sendo esquecidos pela narrativa.

Por trás das câmeras, temos o retorno de Tom Hooper após 3 anos sem se aventurar no cinema, seguindo sua carreira elogiada de O Discurso do Rei e Os Miseráveis. Novamente com seus modismos e marcas visuais, como o enquadramento desproporcional ou o uso chamativo da lente grande angular. Felizmente, Hooper e o diretor de fotografia Danny Cohen revelam-se mais contidos aqui, evitando vícios que – especialmente em sua adaptação musical de Victor Hugo – seriam apenas estilo, desviando a atenção da história. Aqui, os desfoques e enquadramentos um tanto mais opressivos revelam-se apropriados para o drama da protagonista, e Hooper é bem sucedido ao filmar com delicadeza o toque das mãos no tecido de um vestido ou de uma meia, acertando na catarse do personagem. Aqui e ali Hooper acaba apelando para uma glamourização excessiva, auxiliado pela carregada trilha sonora de Alexandre Desplat, mas não prejudica a construção realizada.

Hooper também é habilidoso na reconstrução de época, e sua equipe recria a cidade de Copenhague com fidelidade e verossimilhança, muitas vezes como se tivesse saído diretamente de uma pintura naturalista (os enquadramentos de Hooper ajudam nesse efeito). O figurino evidentemente tem uma função clara na trama, podendo até mesmo ser rotulado como o incidente incitante, e Paco Delgado faz jus à sua indicação ao Oscar, tanto pela representatividade da época até as diferenças estéticas entre Lili e Gerda.

Seria um longa desastroso caso a escalação principal mostra-se errônea, e o que Eddie Redmayne realiza aqui nos torna incapaz de enxergar qualquer outro ator no papel. É uma performance dificílima que requer a construção de duas facetas diferentes, e Redmayne acerta ao trazer uma voz trêmula e tímida logo quando conhecemos Einar, e que logo vai ganhando mais identidade e até confiança em suas cenas como Lili. Mesmo que sejam personalidades diferentes, o trabalho do ator evidencia que há de fato uma mulher presa no corpo de um homem. Caso já não tivesse levado o Oscar ano passado por seu retrato de Stephen Hawking em A Teoria de Tudo e que Leonardo DiCaprio não estivesse no posto de favorito com seu trabalho em O Regresso, Redmayne seria o candidato a ser derrotado na cerimônia deste ano. É sua melhor performance até agora.

E não podemos nos esquecer de Alicia Vikander. A atriz sueca que teve um ano incrível em Hollywood, passando da ficção científica Ex Machina: Instinto Artificial até a divertida comédia de espionagem O Agente da U.N.C.L.E. e agora prepara-se para ganhar seu primeiro Oscar no papel de Gerda. É uma performance que abraça o drama e a complexada reação de Gerda, que sente-se profundamente magoada com a ideia de perder seu marido, mas determinada em ajudá-lo a enfim revelar seu verdadeiro Eu. Por tal motivo, as cenas em que Gerda e Lili contracenam são as mais interessantes e complicadas, em um nível dramático.

A Garota Dinamarquesa representa uma história poderosa e que merece ser redescoberta e conhecido por todos, ainda que o longa de Tom Hooper tivesse o potencial para explorar ainda mais elementos sobre o nebuloso passado da transexualidade. Uma bela obra, mas o grande trunfo está em seu impecável elenco.

A Garota Dinamarquesa (The Danish Girl, EUA – 2015)

Direção: Tom Hooper
Roteiro: Lucinda Coxon
Elenco: Eddie Redmayne, Alicia Vikander, Ben Whishaw, Amber Heard, Matthias Schoenaerts, Sebastian Koch, Sophie Kennedy Clark.
Duração:  119 min

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