Em um ciclo iniciado no fim dos anos 1950, que durou até o fim dos anos 1960, a produtora britânica Hammer esteve a frente de uma série de filmes que trouxe de volta para os holofotes diversos monstros que ficaram famosos principalmente devido à produção de terror da Universal nos anos 1930, mas agora com abordagens mais sangrentas, psicológicas, e em alguns casos, até eróticas. A Górgona foi uma tentativa da Hammer de tentar criar seu próprio monstro, já que, até então, os grandes sucessos do estúdio vinham dessas criaturas célebres do gênero, como Drácula, Frankenstein, A Múmia, O Fantasma da ópera, entre outros. O resultado é um filme esteticamente lindo, e altamente pessimista, comandado por Terence Fisher, diretor que dirigiu alguns dos maiores sucessos do estúdio.
A trama, escrita a quatro mãos por John Gilling e J. Llewellyn Devine, se passa no começo do século vinte, onde em um pequeno vilarejo alemão, uma série de mortes inexplicáveis vem acontecendo nos últimos cinco anos. Com um detalhe que as autoridades ocultam da população, os corpos das vítimas são transformados em pedra. Quando uma jovem se torna a última vítima desse estranho fenômeno, seu namorado comete suicídio. O chefe de polícia Kanof (Patrick Troughton), com a ajuda do misterioso médico da cidade, o Dr. Namaroff (Peter Cushing), aproveita a tragédia para jogar a culpa da morte da garota sobre o namorado morto. Mas o pai do rapaz, o Professor Jules Heinz (Michael Goodliffe) não acredita nisso, e começa uma investigação por conta própria para limpar o nome Do filho.
O roteiro de Llewellyn e Devine mantém o público interessado sobre os rumos da história desde o começo, ao utilizar-se bem do recurso do falso protagonista, já que após sermos convencidos de que acompanharemos a luta do Professor Heinz para limpar o nome do filho, o velho acaba se tornando vítima da Górgona (Prudence Hyman). É aí que entra em cena o filho mais velho de Heinz, Paul (Richard Pasco), que, com a ajuda de seu professor de faculdade, Karl Meister (Christopher Lee), tenta desvendar as misteriosas circunstâncias envolvendo a morte de seu pai.
Embora o horror gótico típico da Hammer esteja presente, o filme visualmente e narrativamente também adota uma interessante atmosfera de fantasia, dando ares de contos de fada para este conto de terror. Também é curioso perceber como neste filme a mulher é figura central da narrativa, e não apenas um troféu a ser resgatado ou um joguete nas disputas entre herói e vilão, que era o padrão de outras produções da Hammer no gênero. O roteiro coloca todos os homens mostrando-se obcecados por figuras femininas, e logo sendo vulneráveis a elas. Essa obsessão pode partir do ódio, neste caso, à Górgona do título, ou uma obsessão de amor, já que tanto o mocinho da história, como o vilão vivido por Peter Cushing não se mostram apenas apaixonados, mas obcecados pela bela Carla (Barbara Shelley), enfermeira de Namaroff.
O longa-metragem possui o padrão Hammer de qualidade no que diz respeito ao visual. Os cenários do filme são lindos e bebem direto da arquitetura gótica. Lugares como a casa da família Heinz, o consultório do Dr. Namaroff, e o castelo abandonado frequentado pela personagem-título, evocam um clima sombrio e melancólico. A fotografia de Michael Reed é soberba e exala elegância. Um plano em especial chamou bastante minha atenção, que é o que o personagem de Christopher Lee surge na soleira da porta da casa dos Heinz, plano muito semelhante ao de O Exorcista, quando o Padre Merrin se apresenta à porta da família McNeil. Em ambos os filmes, vemos uma figura na penumbra que aparenta ser ameaçadora, mas que, na verdade, pode ser a única salvação.
A obra, por outro lado, envelheceu bastante tecnicamente. As cobras na cabeça da criatura são nitidamente fantoches, tirando muito da ameaça que a criatura possui quando sua presença é apenas sugerida ou vista de longe. Além disso, há Uma cena de chuva particularmente artificial, pois basicamente se vê os hidrantes trabalhando quando a água começa a cair. Devo dizer que o trabalho de maquiagem e cabelo para o personagem de Christopher Lee também não é o melhor que eu já vi em um projeto da Hammer.
Mas ainda assim, vale a pena conferir este filme pouco conhecido de Terence Fisher. É um filme que vai agradar todos que gostam de um bom horror gótico, e que equilibra bem os arquétipos conhecidos dos filmes de terror da Hammer com uma visão um pouco diferente de seus pares sobre a figura feminina.
A Górgona (The Gorgon) – Reino Unido. 1964
Direção: Terence Fisher
Roteiro: John Gilling, J. Llewellyn Devine
Elenco: Christopher Lee, Peter Cushing, Richard Pasco, Barbara Shelley, Michael Goodliffe, Patrick Troughton, Joseph O’Conor, Prudence Hyman, Jack Watson, Redmond Phillips, Jeremy Longhurst, Toni Gilpin, Joyce Hemson, Alister Williamson, Michael Peake
Duração: 83 Minutos