Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | A Grande Travessia (Asterix)

Crítica | A Grande Travessia (Asterix)

por Ritter Fan
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No 22º álbum da série,  René Goscinny e Albert Uderzo enviam Asterix, Obelix e Idéiafix para a América, onde eles chegam antes mesmo que os Vikings em uma história simples, mas muito bem trabalhada. Nela, a aldeia fica sem peixes razoavelmente frescos depois que uma greve faz com que os carregamentos vindos de Lutécia para Ordenalfabetix não cheguem mais. Como ele se recusa a pescar e Panoramix precisa de peixe como um dos infinitos ingredientes para a poção mágica, eis que cabe à dupla de guerreiros e mais o minúsculo cachorrinho saírem com o barco de Veteranix para pescarem.

Óbvio que uma tempestade faz tudo dar muito errado e eles acabam perdidos no meio do Oceano Atlântico, com fome e sede, tendo com alento apenas um encontro casual com os pobres piratas bem no dia do aniversário do capitão, o que resulta em Obelix levando todo o lauto banquete que a tripulação preparou para a data. Na verdade, tudo não, pois o grande gaulês de cabelo ruivo deixa uma linguiça para os piratas refestelarem-se e, ainda por cima, não afunda o navio. Que generosidade!!!

Mas é lógico que a comida não dá nem para um dia e os três, desesperados, tendo que racionar uma mísera maça, acabam avistando terra e chegando no que eles acham ser a Gália. Asterix é o primeiro a desconfiar que há algo errado nessa história, porém, o que é confirmado com Obelix achando perus – ou “gluglus” – no lugar de javalis, que ele sugere comer recheados, não tenham dúvida, e até mesmo um urso enorme (que serve de recheio…). E, no lugar de romanos, eles encontram gregos, trácios, egípcios ou algum outro povo qualquer dominado pelos romanos que imitam o som dos perus, usam flechas e, ainda por cima, disfarçam-se com penas como os “gluglus”…

Goscinny usa humor bem leve no álbum, mas com um timing cômico impagável, além de ótimas piadas sobre os EUA e também sobre os Vikings que acabam chegando por lá no terço final, achando que Asterix e Obelix são nativos dessa terra misteriosa (só Ideiafix e o Dogue Alemão gigantesco – ou Great Dane/Grande Dinamarquês – dos Viking é que sabem a verdade por conseguirem se comunicar em “cachorrês”). Tudo funciona muito bem, com Uderzo deliciando-se nas caricaturas dos nativos americanos e dos Vikings – que, de certa forma, eles já haviam encontrando em Asterix e os Normandos – valendo destaque para os desenhos feitos pelos nativos e para as “estrelas” que ele vêem a cada pancada que levam dos gauleses, para os balões de diálogos dos Vikings cheios de ø e å e as sensacionalmente hilárias sessões de mímica de Asterix e Obelix tentando se fazer entender.

Outro ponto de destaque é a relação beligerante entre Asterix e Obelix. Ou melhor mais beligerante. Desentendimentos e brigas entre os dois é constante nos álbuns, mas, aqui, elas são mais frequentes e mais divertidas, por serem ocasionadas pela fome que Obelix sente, pela incompreensão de instruções básicas por parte de Obelix (como o “jogue a rede!” logo no começo) e pela forma como Obelix insiste em dizer que estão na Gália, só que apenas um pouco diferente (por vezes, ele parece o Vincent Vega no clássico diálogo das “pequenas diferenças” que abre Pulp Fiction).

Se existe um defeito no álbum é que a permanência dos irredutíveis gauleses na América é muito breve, terminando de maneira abrupta quando eles se deparam com a chegada dos Vikings e são “capturados” e levados de volta como prova de que os desbravadores dos mares teriam mesmo chegado ao “Mundo Novo”. Não que esse retorno da trinca para a Europa – especificamente para algum lugar perto do que hoje é a Dinamarca pelas duas sensacionais menções a Hamlet que Goscinny (e também Uderzo, pois o famoso crânio aparece!), claro, não se furta em fazer – seja ruim, pois está muito longe disso, mas creio que havia mais espaço para a exploração de aspectos do futuro EUA com a permanência deles por lá, mesmo que junto dos Vikings, por mais tempo.

A Grande Travessia é, porém, um álbum acridoce, já que ele é o penúltimo publicado com Goscinny vivo, já que o fantástico escritor morreria dois anos depois, em 1977 (Asterix entre os Belgas, o último álbum que ele roteirizou, foi publicado postumamente em 1979). Mesmo assim, a jornada que ele faz Asterix e Obelix empreenderem é mais um ponto alto de sua brilhante carreira, contribuindo para colocar sua criação no panteão das obras-primas da Nona Arte.

A Grande Travessia (La Grande Traversée, França – 1975)
Roteiro: René Goscinny
Arte: Albert Uderzo
Editora original: Dargaud
Editoras no Brasil: Editora Record (em formato encadernado)
Páginas: 48

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