O título de A Grande Viagem da Sua Vida é irônico, porque o que sentimos ao longo desse maldito filme é que a viagem nunca vai acabar de tão grande que é. O cineasta Kogonada vinha de uma trajetória marcada por filmes delicados e reflexivos, em que a sua direção cuidadosa e a arquitetura do espaço construíam a emoção com uma cadência minimalista. Obras como Columbus e After Yang tinham essa virtude de uma sutileza que fazia com que o olhar, o silêncio e as pausas falassem mais alto do que a exposição. Justamente por isso, A Grande Viagem da Sua Vida soa como uma enorme decepção. É como se o diretor tivesse abdicado de sua marca mais preciosa em troca de uma narrativa barulhenta, repetitiva e artificialmente melodramática.
O filme aposta em uma jornada alegórica: dois personagens (vividos por Colin Farrell e Margot Robbie) seguem um GPS do destino e atravessam uma série de portas que os transportam a momentos de seus passados, numa tentativa de revisitar traumas, frustrações e amores que moldaram suas vidas. Na teoria, a proposta é interessante e carregada de simbolismo, mas a execução aqui destrói qualquer chance de profundidade. O que poderia ser uma experiência poética se transforma em um desfile de blocos narrativos repetitivos, em que cada novo “mundo” parece ecoar o anterior, sem novidade ou progressão dramática.
Pesa contra o filme a total falta de sutileza. Tudo é dito em diálogos expositivos e mastigados até a exaustão. Não há espaço para o espectador sentir ou interpretar: cada sentimento é explicado, cada trauma é narrado em voz alta, cada emoção é empurrada goela abaixo. O resultado é um melodrama de vitrine, em que as lágrimas dos personagens parecem coreografadas não por verdade interna, mas por um roteiro ansioso em nos convencer da importância daquilo que estamos vendo. É o cinema da redundância, em que tudo é falado duas ou três vezes para garantir que a mensagem não se perca.
Isso é ainda mais frustrante porque Farrell e Robbie são atores talentosos, capazes de trabalhar em registro íntimo, mas aqui estão abandonados por um texto que os obriga a transbordar emoção de maneira histriônica. Não há química entre os dois, e a relação que supostamente nasce dessa jornada surge de modo repentino e sem organicidade. O resultado é um casal antipático que não sustenta o peso da história.
Visualmente, o filme até oferece alguns respiros. Kogonada continua sendo um diretor com apuro estético: os cenários fantasiosos têm momentos de beleza, com enquadramentos bem compostos, paletas de cores evocativas e uma fotografia que, isoladamente, até remete ao lirismo da premissa. Mas esses momentos plásticos não são suficientes para sustentar a narrativa. As imagens, por mais bonitas que sejam, estão a serviço de um esquema narrativo cansado, e acabam soando como vitrines vazias e ocas. O ritmo também é muito problemático. O filme é longo sem necessidade e repetitivo em seus blocos de “desenvolvimento” dos protagonistas. Cada nova porta atravessada não traz uma descoberta, apenas mais do mesmo. O espectador logo entende a mecânica e, a partir daí, é conduzido por uma sucessão de variações mínimas.
No fim, A Grande Viagem da Sua Vida é um melodrama apelativo, que confunde intensidade com excesso e confissão com exposição. Ao invés de emocionar, exaure e marreta sentimentalismo barato. Ao invés de iluminar traumas e amores, repete fórmulas batidas. Ao invés de convidar o espectador a sentir, insiste em dizer o tempo inteiro o que deve ser sentido. É um filme que naufraga nas próprias ambições, transformando um diretor conhecido por sua delicadeza em refém de uma narrativa carregada de exposição e de superficialidades. Entre portas e metáforas, o que resta é um corredor de repetições e uma poesia sem alma.
A Grande Viagem da Sua Vida (A Big Bold Beautiful Journey) – EUA, 2025
Direção: Kogonada
Roteiro: Seth Reiss
Elenco: Margot Robbie, Colin Farrell, Kevin Kline, Phoebe Waller-Bridge, Lily Rabe, Jodie Turner-Smith, Billy Magnussen, Sarah Gadon
Duração: 109 min.
