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Crítica | A Gravata (1957)

por Luiz Santiago
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Para quem chegou à filmografia de Alejandro Jodorowsky por obras de sua maturidade como A Dança da Realidade e Poesia Sem Fim, sabe, por exposição artística e narração do próprio diretor, que ele sempre foi movido por uma incontrolável ânsia de fazer arte de uma maneira diferente dos demais profissionais ao seu redor. Uma forma libertadora, questionadora, talvez incômoda e aglutinadora de diversas outras artes. Desde o princípio, sua visão de como a loucura e a existência deveriam ser expostas na tela extravasava qualquer convencionalidade.

Nascido em Tocopilla, no Chile, Jodorowsky chegou à juventude experimentando poesia, marionetes e um rápido trabalho como palhaço, em um circo. Esse seu lado artístico o levou à França em 1953, onde estudou mímica com Marcel Marceau e realizou projetos na área, o que o levou a aconhecer artistas como Maurice Chevalier, Roland Topor e Fernando Arrabal, criando, com os dois últimos, o Moviment Panique, no ano de 1962 (uma das performances do movimento geraria o curta Teatro Sem Fim, de 1965, o segundo filme do diretor).

A Gravata (1957) foi o curta-metragem de estreia de Jodorowsky e se baseou em uma das partes de As Cabeças Trocadas, do escritor Thomas Mann. Sem nenhuma experiência no cinema, o jovem cineasta transformou uma ideia de aparência surrealista em um filme estranhamente divertido sobre a importância da identidade e também sobre amores, desejos e convivência. A tiracolo, vinha uma inquietante e ao mesmo tempo fascinante ideia: e se nós pudéssemos ser outra pessoa? Viver com o rosto — e a vida — de alguém de nossa escolha? À primeira vista, os vinte minutos de A Gravata são apenas um exercício mudo sobre uma garota que vende cabeças. Contudo, além da simplicidade do cenário e da visível inexperiente direção, existe um bom tema paralelo para ser discutido, baseando-se no destino dos personagens.

Em dado momento, a história ganha ares de horror ou de intrigante mistura desse gênero com a mímica (elemento muito forte em todos os pequenos episódios do curta). Mesmo sem uma única palavra emitida, o roteiro desenvolve os personagens a partir de suas expressões dóceis, agressivas ou insanas, cada uma das cabeças sendo um tipo diferente de pessoa que, desprezada, julgada ou desgostosa de sua vida atual, acham que a tomada de outra cabeça em seu corpo resolveria todos os problemas. Em última instância, podemos pensar que numa sociedade de adaptações e aparências, essa troca que A Gravata faz de forma física é, na verdade, a matéria-prima da nossa socialização. Essa troca de rosto, essa “visão de outra pessoa” que assumimos vez ou outra é — feliz ou infelizmente? — um dos muitos caminhos da difícil arte de conviver em sociedade.

Considerado perdido por quase 50 anos, uma cópia deste primeiro filme de Jodorowsky foi encontrada em um porão na Alemanha, em 2006, sendo rapidamente restaurado e, um ano depois, lançado em home video, numa compilação especial da obra do artista. Uma pérola há muito tempo escondida de um diretor que desde os seus primeiros passos quebrava o tradicional e olhava os mistérios da existência pelo ângulo mais íntimo e etéreo possível.

A Gravata (La Cravate) — França, 1957
Direção: Alejandro Jodorowsky
Roteiro: Alejandro Jodorowsky
Elenco: Alejandro Jodorowsky, Denise Brossot, Rolande Polya, Saul Gilbert, Raymond Devos, Jean-Marie Proslier, Margot Loyola, Michel Orphelin, Jean Claude Sergent, François Perrot
Duração: 20 min.

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