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Crítica | A História de Qiu Ju

por Rodrigo Pereira
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Para quem é familiarizado com os filmes de Zhang Yimou, algumas características já são esperadas ao assistir suas obras. Ainda que haja mudanças ao longo de sua carreira, o uso constante das cores para contar a história e a centralidade da figura feminina, especialmente a questão da opressão, estão presentes em grande parte de sua filmografia. Em A História de Qiu Ju, entretanto, vemos algumas diferenças na forma escolhida pelo diretor para sua narrativa.

Ainda que a protagonista seja uma mulher, mantendo parte do que estamos acostumados ao seu cinema, o problema que move Qiu Ju (Gong Li) não diz respeito exclusivamente a ela, mas à honra de sua família e ao país. Seu marido, Wan Qinglai (Liu Peiqi), sai machucado na virilha de uma briga que teve com Wan Shantang (Lei Kesheng), o chefe da vila onde moram, e ela está disposta a ir até às últimas consequências para provar que seu companheiro foi a vítima da confusão. A partir daí, vemos uma grávida Qiu Ju e sua incansável peregrinação atrás da justiça, ou talvez do resultado que ela deseja independente da decisão judicial, começando desde mediadores do governo até níveis mais altos da jurisdição chinesa. 

É interessante perceber como a forma utilizada por Yimou para esta obra se aproxima do neorrealismo italiano. Ao longo de pouco mais de 90 minutos, alteramos entre cenários do interior rural chinês dos anos 90, meios mais urbanos e a maior cidade da região, sempre acompanhando Qiu Jiu. Nunca satisfeita com os resultados das instâncias mediadoras, mesmo considerando culpado e penalizando financeiramente o chefe da aldeia  desde a primeira decisão, a jovem começa a avançar em direção à cidade e vai enfrentando dificuldades que qualquer cidadão chinês da época enfrentaria. A burocracia demasiada, que a fazem percorrer longas distâncias para, depois de muito tempo, descobrir que poderia ter ido direto a um determinado local resolver seu problema. A dificuldade de deslocamento do interior para regiões mais urbanas, quase sempre realizado a pé ou com veículos precários em estradas de terra. O alto custo de tudo conforme avança em sua jornada, revelando a desigualdade econômica entre moradores do interior e da cidade.

O filme, em determinado momento, mostra-se quase um estudo da sociedade chinesa da década de 1990 e as inúmeras contradições presentes naquele país que já adentrava a quarta década comandado pelo Partido Comunista Chinês. Além da constante presença de personagens do governo, estejam eles trajados como tal ou não, a já citada desigualdade entre quem mora no campo e no concreto chama atenção. A sempre excelente Gong Li talvez seja quem mais contribui para essa percepção. Seu olhar meio perdido meio assustado sempre que vai até os centros urbanos junto de Meizi (Liuchun Yang), sua igualmente assustada cunhada, suas roupas claramente sem intenção de combinarem ou de possuírem elegância e seu andar vagaroso do interior ao contrário da rapidez dos moradores da cidade são elementos que explicitam o interesse do diretor em focar nas diferenças entre as duas Chinas existentes naquele período histórico.

Após uma longa e incansável jornada, que Qiu Ju mantém mesmo após represálias de seu marido, muito provavelmente por seu orgulho, o desenrolar final da trama segue para um caminho trágico. Sua insistência cega em desconfiar de toda e qualquer decisão das autoridades, mesmo após ter tido ganho de causa diversas vezes, faz com que a personagem termine a projeção claramente arrependida de levar tudo às últimas consequências e finaliza aquele episódio prejudicando quem, no final, não se negou a ajudá-la. Às vezes, mesmo estando com a razão, deve-se saber quando levar algo adiante e quando é hora de parar.

A História de Qiu Ju (Qiu Ju da guan si) – China, Hong Kong, 1992
Direção: Zhang Yimou
Roteiro: Liu Heng, Yuan Bin Chen
Elenco: Gong Li, Liu Peiqi, Liuchun Yang, Lei Kesheng, Ge Zhijun
Duração: 100 min.

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