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Crítica | A Idade Dourada – 1ª Temporada

O baile de uma sociedade americana

por Davi Lima
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Idade Dourada

idade dourada
Você queria ter sido convidada (para o baile final da temporada)? – mordomo Jack Treacher
Creio que sim. E você? – criada Bridget
Talvez sejamos um dia. Afinal, estamos nos EUA. – mordomo Jack Treacher

Depois de Downton Abbey, o criador e escritor Julian Fellowes se viu como um intelectual iluminista do século XVIII, um influencer cultural na América dos costumes britânicos que difundiu na sua série. O projeto de A Idade Dourada é transcultural, na medida em que o “showrunner” inglês recorre à época americana do final do século XIX para mostrar o quanto de europeu os EUA preservou nesse período de boom econômico. Ao mesmo tempo em que evidencia a história estadunidense semelhante àquela que o público deslumbrado com a inglesa Downton Abbey não enxergava. Por isso, assistir o trabalho de Julian na HBO ganha mais pompa com investimento na produção, visando reconstruções oitocentistas e mais desafios em se tornar singular no contexto nova-iorquino.

Como é estilo do criador, Downton Abbey se iniciava com o fato histórico do Titanic, enquanto A Idade Dourada se sustenta com as consequências econômicas e tecnológicas pós Guerra de Secessão. Esses pontos históricos são importantes porque delinea bastante o conflito básico da série de Nova Iorque: classes de riqueza. Julian, como um estrangeiro, busca definir o diferencial naquilo que conhece bem: tramas familiares. Juntando esses dois fatores, classes e famílias, a primeira temporada se desenha como um jogo de conquista pelo espaço do baile. Numa mesma rua, a 61 em Manhattan, existe toda a direção da trama, seja o iniciar, seja o cessar. Não adiantava inserir ficcionalmente a figura real da senhora Astor, socialite da época, a chegada da Cruz Vermelha aos EUA, com Clara Barton, ou mostrar parte da Estátua da Liberdade na praça sem a nossa inserção em lugar diferente que não sejam terras britânicas que o autor está acostumado.

A graça de séries que buscam o retrato histórico como entretenimento é a mistura do real com a ficção. E como Julian engrena seu projeto como uma degustação para os americanos do que ele havia mostrado no Reino Unido, essa primeira temporada tem uma preocupação muito mais introdutória do que é essa Idade Dourada, intitulada por Mark Twain sobre o tempo industrial da série, do que entender as minúcias sociais. É possível perceber que as histórias dos empregados não são tão fortes como alguns espectadores se acostumaram com Downton Abbey. Tudo ainda ainda são princípios, como uma empregada com dúvidas, uma com problemas com sua mãe e um chefe de cozinha francês que reflete algumas migrações americanas surpreendentes. O foco da história é que puxa o conceito-título da série, quanto à política corrupta que Twain vai flagrar e as novas mudanças tecnológicas, com as ferrovias, o mercado especulativo e a eletricidade de Thomas Edison.

A família Russell chega na rua 61 para se incluir na aristocracia nova iorquina, mas eles pertencem aos novos ricos, os que não herdam respeito, mas  enriquecem com trabalho e empresas. É interessante observar como a Idade Dourada, com uma onda progressista de pensamento e novas inclusões sociais, retoma características europeias, inglesas e francesas. Os diretores dos 9 episódios Michael Egler e Salli Richardson encontram maneiras nos primeiros episódios para cadenciar a série na montagem com intuito de proporcionar aos espectadores o deslumbramento da arquitetura europeia, ao som da trilha sonora dos irmãos Gregson Williams. A família Russell faz um castelo num ambiente urbano, se vangloriando de um chefe francês na cozinha e pinturas de retrato romântico da senhora da casa chamada Bertha Russell (Carrie Coon). Esse detalhamento de costumes, arquitetura e tradições é posto no roteiro de Julien, até mesmo quando os mordomos de duas casas trocam ideias de como preparar a mesa de um jeito inglês ou americano.

É nessas fusões culturais entre americanos e ingleses que Julien entende ser o necessário para a série, e acaba tornando A Idade Dourada mais uma paisagem para o conflito de senhoras ricas e um Sr. George Russell (Morgan Spector) demonstrando seu caráter no matrimônio e nos negócios das ferrovias. A história de Marian (Louisa Jacobson) e Peggy (Denée Benton), as personagens jovens que nos servem para adentrar a este novo mundo nova iorquino, entram no ciclo do baile, que dura uma noite para se aprender sobre as ganâncias aristocráticas de Manhattan. De uma maneira clássica, sem acidez, Julien busca tirar o amor romântico e as facilidades dos negros pós Guerra de Secessão. Ao mesmo tempo que existe algo muito específico historicamente, o criador mantém seu estilo britânico e conservador de abordar uma explosão social e econômica que anos depois iria ruir em depressões sequenciais.

Para uma primeira temporada, há uma indecisão dentro do projeto da HBO ao trabalhar com o público uma nova Downton Abbey na América ou utilizar do conhecimento de Julien para mostrar a cultura americana como insurgente num período de grandes mudanças. Cadenciar o início da série para mostrar o palácio Russell, que parece europeu, ou acelerar a trama da metade para o fim com intuito de ser objetivo na metáfora do baile como grande campo de batalha aristocrático? Apesar da qualidade de se acompanhar a narrativa de Julian Fellowes, especialmente com uma direção de fotografia dentro do formato HBO que aumenta o escopo de tudo, ainda assim a rua 61, no abrir e no fechar do baile, precisa de mais impacto dramático para não depender das conexões de tramas transculturais e históricas com a finalidade de agradar aos órfãos de Downton Abbey.

A Idade Dourada – 1ª Temporada (The Gilded Age – EUA, 21 de março de 2022)
Criação: Julian Fellowes
Direção: Michael Engler, Salli Richardson-Whitfield
Roteiro: Julian Fellowes
Elenco: Carrie Coon, Morgan Spector, Louisa Jacobson, Denée Benton, Taissa Farmiga, Harry Richardson, Blake Ritson, Thomas Cocquerel, Simon Jones, Jack Gilpin, Cynthia Nixon, Christine Baranski, Ben Ahlers, Celia Keenan-Bolger, Debra Monk, Kelli O’Hara, Taylor Richardson, Kristine Nielsen, Patrick Page, Douglas Sills, Michael Cerveris, Kelley Curran, Audra McDonald, Jeanne Tripplehorn, Claybourne Elder, Amy Forsyth, Katie Finneran, Ward Horton, Donna Murphy, Zuzanna Szadkowski, Erin Wilhelmi, Nathan Lane, William Ryall, Ashlie Atkinson, Linda Emond, Rebecca Haden, Sullivan Jones, John Sanders, John Douglas Thompson
Duração: 487 min. (9 episódios)

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