Home FilmesCríticas Crítica | A Imagem que Falta

Crítica | A Imagem que Falta

por Ritter Fan
440 views

estrelas 5

Uma imagem pode mesmo valer mais do que mil palavras. Mas o que acontece quando essa imagem não existe?

E qual é a imagem que falta nesse fascinante documentário auto-biográfico do cambojano Rithy Panh? Bom, na verdade, nenhuma, pois sua inteligência ao conjurar imagens usando bonecos de argila e imagens de arquivo sobre o horripilante massacre cometido pelo Khmer Vermelho em seu país entre 1975 e 1979, é contundente e doloroso como um soco no estômago. Mas a imagem que o diretor – e vítima do regime comunista de Pol Pot e seus aliados – substitui com seus bonecos é a imagem que nunca foi filmada pelo genocida Partido de Kampuchea: a verdade sobre as execuções em massa, trabalhos forçados, escravidão e fome que dizimaram um terço da população local.

Os bonecos de argila, esculpidos com extremo cuidado, são impressionantemente detalhados e, ao longo de toda a projeção, usados para contar a história do diretor e de sua família durante o tempo em que passaram em vários campos de trabalhos forçados pelo Camboja, comendo lesmas e ratos para sobreviver enquanto os militares se refestelavam a poucos metros com comida abundante. Afinal de contas, como o próprio – e excelente narrador (Randal Douc) – deixa claro, a fome é um instrumento de dominação, de controle.

Aqueles que, como eu, achavam que os bonecos seria de alguma maneira animados, talvez com stop-motion, terão uma surpresa. Não há movimentação alguma, a não ser breve sobreposições de alguns bonecos em imagens reais de arquivo. De resto, são só os bonecos imóveis. Mas “só” é uma palavra que engana e até injustamente diminui esse incrível trabalho. Para começar, os bonecos, do tamanho da palma de uma mão, são vívidos e únicos, ao ponto de ser possível identificar rostos diferentes em cada um deles. Depois, a precisa fotografia de Prum Mesa, com câmeras colocadas de forma tal a dar vida às pequenas estatuetas, nos  faz, em determinados momentos, até mesmo esquecer que estamos vendo imagens paradas.

A narração de Randal Douc – toda em francês – é um capítulo a parte. Com uma voz doce e calma, ele conta capítulos da vida do diretor sem se alterar, sem fazer julgamentos, sem usar adjetivos fortes. Mas ele ao mesmo tempo não é passivo. Há uma entonação em seu trabalho que empresta gravidade ao que conta. É palpável sua tristeza ao, por exemplo, contar o episódio da mãe que, com fome, rouba comida somente para ver seu filho de nove anos delatá-la aos militares, ser arrastada para a floresta e nunca mais voltar. Há raiva toda vez que a imagem do sorridente Pol Pot aparece. Há até um forte grau de culpa quando ele começa a narrar sobre a incapacidade do diretor em fazer mais do que um filme (na verdade, o diretor fez vários) para impedir que o passado seja esquecido.

A ironia de A Imagem que Falta é justamente criar imagens com a terra – argila – que bebeu tanto sangue derramado do povo. É mostrar sem raiva. É registrar para não deixar que esqueçam do que aconteceu. É um poema que grita para o futuro e não com o passado.

Uma imagem vale mais do que mil palavras, mas os bonecos de argila estáticos de Rithy Panh berram aos quatro ventos para que os horrores não se repitam.

A Imagem que Falta (L’Image Manquante, Camboja/França – 2013)
Direção: Rithy Panh
Roteiro: Rithy Panh, Christophe Bataille
Elenco:  Randal Douc (narrador)
Duração: 92 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais