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Crítica | A Invasora (2007)

A violência do instinto materno.

por Rafael Lima
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Os anos 2000 viram uma interessante tendência surgir dentro do cinema de terror francês, em uma onda de produções que foi batizada pelos críticos como New French Extremity. Essas produções francesas comandadas em sua grande maioria por diretores estreantes se destacavam pelo uso de uma violência gráfica (e algumas vezes sexual) bastante acentuada, mas que usavam esse grafismo como um veículo para discussões sociais, psicológicas e filosóficas. Muitos desses longas-metragens alcançaram grande destaque internacional, como Alta Tensão (2003),de Alejandre Aja; Eles (2006), de David Moreau e Xavier Palud; Mártires (2008), de Pascal Laugier, entre outros. Mas provavelmente, um dos filmes mais populares dessa tendência que permeou os anos 2000 foi A Invasora (À l’intérieur, no original), sangrento Home Invasion lançado no ano de 2007, e comandado pela dupla de diretores Alexandre Bustillo e Julien Maury.

Na trama, Sarah (Alysson Paradis)  é uma mulher que ainda sofre o luto pela morte do marido em um trágico acidente de trânsito, tendo se afastado da maioria de seus amigos e familiares. Estando prestes a dar à luz, ela passa a noite de Natal sozinha, planejando ir para o hospital na manhã seguinte para ganhar o filho que está esperando. Mas quando uma misteriosa mulher (Béatrice Dalle) passa a rondar a sua residência, Sarah se vê mergulhada em um pesadelo, que vai forçá-la a lutar pela própria vida e pela vida da criança em seu ventre quando a estranha invade a sua casa com intenções assassinas.

Com roteiro escrito pela dupla de diretores, A Invasora parte de uma premissa extremamente simples e direta; uma maníaca homicida persegue uma mulher grávida que está sozinha em casa na noite de Natal. Mas Bustillo e Maury usam essa simplicidade ao seu favor, ao fazer do 1º ato um enervante exercício de suspense, construindo de forma crescente e sem pressa a ameaça em torno da personagem título, desde o momento em que a misteriosa mulher surge batendo na porta pela primeira vez até ela finalmente invadir a residência. Não que o texto tente criar qualquer ilusão que a personagem da invasora tenha outras intenções que não sejam hostis, mas o grau de periculosidade da vilã vai sendo descortinado de forma bem inteligente pelo roteiro, valendo-se inclusive de mais de um modo da profissão da protagonista como fotógrafa para isso.

Passado o 1º ato, A Invasora passa a articular a tensão da antecipação, já que potenciais salvadores passam a entrar na casa da protagonista (como a mãe de Sarah, e uma dupla de policiais com um prisioneiro a tiracolo); com o choque provocado por uma violência gráfica bastante explícita. A dupla de diretores tem absoluta consciência que estão contando uma história onde o choque tem grande importância; e não apenas o choque visual do Gore por si só, mas também o agravante gerado por boa parte da violência presente no filme ser praticada contra uma mulher grávida. 

Naturalmente, a figura da gestante sempre é pensada culturalmente como uma figura a ser protegida, mas o longa-metragem subverte isso desde o primeiro plano, quando vemos os violentos efeitos de um acidente de carro sobre um bebê no ventre da mãe. A Invasora o tempo todo subverte e tensiona essa expectativa de proteção à figura da mulher grávida, ao submeter Sarah aos mais variados tipos de ferimentos em suas tentativas de sobreviver a mulher homicida com a tesoura. Não me parece coincidência, portanto, que o primeiro dos muitos ferimentos que a protagonista sofre durante a ação principal do filme seja uma perfuração no umbigo mostrada em um angustiante plano detalhe.

O que chama a atenção tanto no roteiro quanto nas escolhas estéticas dos diretores é que a violência não está presente somente como motor da narrativa e valor de choque, mas como um elo que serve para espelhar Sarah e a vilã. Claro, existem oposições também, algumas bem básicas proporcionadas pela direção de arte, como o fato de Sarah surgir com um figurino branco enquanto a Invasora veste roupas negras. Mas antes de os créditos finais subirem, as duas principais personagens estão cobertas de sangue, tanto delas próprias quanto de outras pessoas, e é assustador constatar que essa violência é impulsionada por sentimentos maternos, mesmo que terrivelmente distorcidos no caso da antagonista. Tais paralelos se tornam óbvios durante o 3º ato, quando as motivações da assassina são reveladas, mas são levados às últimas consequências no trágico desfecho, onde amor maternal e violência insana unem as duas mulheres de forma bizarra. 

Não poderia encerrar esse texto sem falar do excelente trabalho da dupla de protagonistas: Béatrice Dalle e Alysson Paradis. Dalle como a personagem título surge absolutamente ameaçadora em tela, conseguindo transitar com desenvoltura entre os momentos de maior frieza de sua antagonista com os seus rompantes de descontrole que a tornam ao mesmo tempo mais perigosa e mais humanizada. Paradis por sua vez, constrói com bastante competência o arco de Sarah, em uma atuação que dá credibilidade as lutas e ao desespero da personagem.

A Invasora é um Home Invasion intenso, com atuações fortes de sua dupla principal, e uma direção muito elegante de Alexandre Bustillo e Julien Maury, em um trabalho de estreia exemplar. Trata-se do tipo de filme que deixa o público tenso na ponta da cadeira até o desfecho, em uma experiência que com certeza pode soar incômoda em diversos momentos, mas que prende a nossa atenção até o desfecho encharcado de sangue. 

A Invasora (À l’intérieur) – França, 2007
Direção: Alexandre Bustillo e Julien Maury
Roteiro: Alexandre Bustillo, Julien Maury
Elenco: Béatrice Dalle, Alysson Paradis, Nathalie Roussel, François-Regis Marchasson, Jean-Baptiste Tabourin, Dominique Frot, Claude Lulé, Aymen Saidi, Nicolas Duvauchelle
Duração: 83 Minutos

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