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Crítica | A Lei do Desejo

Um desejo possessivo e violento.

por Luiz Santiago
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A experiência um tanto difícil de Pedro Almodóvar com o produtor Andrés Vicente Gómez (especialmente no que se referia ao estilo, aos elementos visuais) durante as filmagens de Matador (1985), fez com que o diretor e seu irmão Agustín fundassem, em 1986, a produtora El Deseo, através da qual Almodóvar realizou todos os seus filmes a partir de então. O primeiro longa da produtora foi A Lei do Desejo (1987), que conseguiu levar o nome de Almodóvar para diversos lugares do mundo, pois a temática explorada pelo roteiro era uma novidade em uma película de distribuição internacional (apesar do baixo orçamento), o que tornou a obra um verdadeiro escândalo por onde foi exibido, e serviu de impulso definitivo para a carreira de Antonio Banderas.

Almodóvar se projeta de maneira interessante em Pablo Quintero (Eusebio Poncela), que é um bem-sucedido cineasta e também diretor de teatro, aproveitando a boa recepção de seu último trabalho nas telonas, Os Paradigmas do Mexilhão. As primeiras cenas do filme utilizam as trivialidades de uma noite de estreia para nos mostrar Quintero confraternizando, usando drogas, algo bastante comum para os personagens de Almodóvar, onde o vício está enraizado no comportamento das pessoas. O fotógrafo Ángel Luis Fernández, que trabalhou com o diretor de Labirinto de Paixões até aqui, cumpre muito bem as exigências estéticas típicas do Universo almodovariano, com cores e estampas em contraste e expostas em grande variedade, definindo atmosferas somadas a ótimas escolhas de canções (com destaque para Ne Me Quitte Pas, na voz de Maysa) e a um interessantíssimo conflito entre fé e descrença.

O espectador pode fazer uma análise de intenções ou de características íntimas desses indivíduos através da cor de suas roupas no decorrer do filme; através das cores do ambiente em que majoritariamente aparecem ou através dos ângulos bastante particulares que o diretor escolheu para filmá-los. Sim, é o básico esperado daquilo que temos em obras de grandes cineastas, mas são coisas tão fortes e tão dignas de nota num Almodóvar, que não podemos nos furtar a citação. Num primeiro momento, o diretor procura estabelecer tudo aquilo que seus personagens possuem ou vivem. Seus amores, seu estilo de vida, seus sonhos. O texto mostra o quanto o desejo, a vontade de conquistar ou “possuir” algo está presente no discurso de cada um, e é nesse ponto que uma linha é traçada e as perguntas são feitas: o que cada uma dessas pessoas fazem para conseguir aquilo que querem? E não menos importante: em que consiste esse desejo?

A primeira pergunta está, obviamente, ligada ao possessivo e progressivamente violento Antonio Benítez (Banderas), que é quem veste a carapuça daquilo que o filme nos convida a pensar, a inconsequência do desejo e como isso pode influenciar ou afetar pessoas e relações ao redor. Seu desequilíbrio emocional o leva à psicopatia, ao crime, matando o interesse amoroso de Quintero, o jovem Juan (Miguel Molina), único personagem que tentou aprender a abrir mão daquilo que desejava. Já a segunda pergunta pode ser aplicada aos dois irmãos da história: a Quintero, por terminar se entregando a um desejo destrutivo no presente; e a Tina (Carmen Maura), por ter se entregue a um desejo destrutivo no passado, causando ela própria uma grande ruptura e carregando para toda a vida as marcas dessa sua entrega. Aliás, há um momento muito importante aqui, quando Pablo pergunta se a decisão de transição de gênero foi dela ou do pai, e Tina responde quase constrangedoramente que “não importava“. O significado que isso sugere é terrível e poderoso, lembrando-me imediatamente o dilema da protagonista de Em Um Ano de 13 Luas (1978).

Almodóvar cria uma realidade onde a arte (teatro, cinema) e as drogas servem de escape rápido para vidas vazias, completadas com prazeres momentâneos que, em pouco tempo, são finalizados pelos mais diversos motivos. Nenhum personagem aqui é santo. Eles alimentam coisas ruins para si e para os outros e chegam a um momento de suas vidas em que até as coisas mais simples tornam-se ameaçadores, explosivas, mortíferas. O desejo desenfreado e alimentado vai tirando das pessoas aquilo que elas mais gostam de ter ou fazer, inclusive o próprio desejo. O ato final de Antonio e a máquina de escrever que explode, quando arremessada para baixo, são exemplos disso. Uma lei dura, impiedosa, que julga a todos os incautos que orbitam a sua esfera de gozo e alegrias. Não há moralismo no melodrama, mas a impressão geral é que a vida está punindo essas pessoas por se permitirem certos excessos. E por terem tido o azar de encontrar um extremo explorador dessa seara em suas vidas.

A Lei do Desejo (La ley del deseo) — Espanha, 1987
Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar
Elenco: Eusebio Poncela, Carmen Maura, Antonio Banderas, Miguel Molina, Fernando Guillén, Manuela Velasco, Nacho Martínez, Bibiana Fernández, Helga Liné, Germán Cobos, Fernando Guillén Cuervo, Marta Fernández Muro, Lupe Barrado, Alfonso Vallejo, Maruchi León, José Manuel Bello, Agustín Almodóvar, Rossy de Palma, Angie Gray, Victoria Abril, Fabio McNamara
Duração: 102 min.

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