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Crítica | A Lei dos Fortes (1928)

Um macrocosmo sobre a corrupção de um país.

por César Barzine
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É sabido que foi na década de 1930 que os filmes de gângsteres atingiram seu auge no cinema americano, compondo, ao lado dos musicais e westerns, o imaginário em torno de um cinema renovado pela introdução do som e a consolidação desses gêneros em cena. O desespero e o niilismo causados pela primeira fase da Crise de 29 acentuaram essa presença dos filmes de gângsteres neste imaginário, gerando obras cuja base eram a desilusão, a marginalidade e o desnorteamento. No entanto, antes mesmo do crash da bolsa de valores em 29 e da chegada do som, um filme já marcava presença como clássico deste gênero, tendo seu valor reconhecido ao ser um dos três indicados ao prêmio de melhor filme na primeira edição do Oscar. A Lei dos Fortes é o prelúdio dos trabalhos que viriam a seguir, sendo ele, em pleno cinema mudo, um belo exemplar do gênero que marcaria os primeiros anos do cinema sonoro em Hollywood.

A primeira sequência já escancara o cerne do longa: o embate armado entre o delegado James McQuigg e o mafioso Nick Scarsi. Em 1928 os EUA ainda viviam sob a Lei Seca, o que abriu margem para o surgimento de grandes nomes do crime organizado, dos quais Scarsi ocupa espaço na ficção. E é neste obscuro cenário de criminalidade que está a moral de A Lei dos Fortes: aqui, o mal não apenas dá as caras, como também domina toda a esfera social, triunfando sobre a legalidade e da moral. Este triunfo é a lei dos fortes apresentada no título, em que o poder do submundo corrompe também o poder público daquilo que deveria ser movido somente pela honra e o zelo às instituições. No entanto, o que acontece no decorrer da narrativa é o uso que Scarsi faz dessa sua força para manipular o poder jurídico e político e, assim, conservar seus negócios criminosos.

Diante dessa corrupção generalizada que há em torno das instituições, a produção apresenta a única figura que é capaz de manter a sua integridade: o indivíduo. No caso, McQuigg, que tenta veementemente prender Scarsi, mas cuja energia e idealismo são ofuscados pelos grupos de interesse à sua volta. Neste universo de A Lei dos Fortes, os confrontos não se dão, em essência, por tiros ou brigas físicas; apesar de ainda ser um filme de ação e ter cenas desse tipo, o conflito aqui acaba sendo centrado na capacidade de manusear ou resistir aos aparelhos que cobrem aquelas pessoas em disputa. E é por isso que a produção de Lewis Milestone entrou para a primeira lista de indicados ao Oscar, por ir além de um mero filme de gângster, tornando-se um retrato sobre a condição social e moral decadente daquela sociedade antes mesmo dos eventos de 1929. 

O longa é, então, um tratado pessimista sobre uma América amargurada em problemas sistêmicos que são reflexos de disfunções dos próprios indivíduos. É sobre uma nação que aspira o desenvolvimento moral através de uma norma restritiva como a Lei Seca, mas que, dentro dessa mesma diretriz, degenera os próprios agentes sociais que fazem parte desse desenvolvimento. Scarsi possui influência no Estado, o que garante sua segurança perante a Lei. Seu poder é tão grande que consegue fazer com que McQuigg seja transferido a um distrito distante da sua área de atuação, da qual possa não incomodá-lo mais. Porém, apesar dessa mudança ocorrida, por ironia do destino, ambos acabam se reencontrando num outro caso criminal, que é quando o irmão de Scarsi atropela uma mulher no atual distrito em que McQuigg trabalha, ressuscitando a necessidade do velho criminoso usar do seu poder ilegítimo e aumentando o atrito dele não com a Justiça, que já está deteriorada, e sim com McQuigg.

Este que, cujo trabalho, acaba virando uma obsessão concentrada neste caso, chegando a ele próprio se deteriorar parcialmente nesta ânsia de prender seu grande inimigo. “Estou cansado da Lei“, diz ele a Scarsi, num clímax do terceiro ato. Estaria, em meio a isso, McQuigg ou a Lei perdendo sua legitimidade? Marie, por um tempo companheira do tal irmão de Scarsi, afirma ao delegado que ele e seu antigo cunhado são iguais, e que este primeiro não pensa nos outros ao seu redor. Um exagero nivelá-los, a todo momento a superioridade de McQuigg se mantém evidente — pois ainda estamos falando de uma luta do bem contra o mal. E para além dessa dualidade central e das instituições públicas expostas aqui, há também o chamativo trabalho da mídia, que se apresenta aqui, de maneira meio jocosa, quase como moscas atrás de fezes. Dois repórteres permanecem na delegacia atrás do próximo acontecimento para transformarem em espetáculo; quando um deles exige algo de McQuigg para terem uma “história”, o delegado sugere “Iniciem outra campanha antitabaco“.

Em termos técnicos, pouca coisa chama atenção em A Lei dos Fortes. Há dois belos planos praticamente iguais com profundidade de foco enquadrados embaixo de uma mesa que mostram um quadro mais amplo do espaço em questão — um salão de festa no primeiro ato. A música é funcional, variando no humor e sendo bastante atraente no final, quando é tocada uma conhecida sinfonia serena, dando certo brilho para o final da obra. Há de se destacar negativamente apenas um momento mal pensado, em que armas se sobrepõem a chapéus no colo de homens numa igreja — um artifício extremamente pobre para deixar claro um indício de ambiguidade moral que nada agrega à sequência ou ao filme.

The Racket (EUA, 1928)
Direção: Lewis Milestone
Roteiro: Del Andrews, Tom Miranda (roteiro), Harry Behn (roteiro não creditado), Bartlett Cormack (peça e roteiro)
Elenco: Thomas Meighan, Louis Wolheim, Marie Prevost, G. Pat Collins, Henry Sedley, George E. Stone, Sam De Grasse
Duração: 84 minutos.

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