Conhecida por filmes de terror, produções bizarras e alguns dramas do cinema independente, a produtora A24 se tornou um símbolo de qualidade ou, no mínimo, de liberdade criativa, estourando a sua bolha para atingir o mainstream com um catálogo cada vez maior de filmes ousados e autorais. No meio desse sucesso todo, obras infantis e familiares não fizeram exatamente parte do direcionamento da produtora, razão pela qual A Lenda de Ochi aparece como uma surpresa entre seus lançamentos. Encabeçada pelo cineasta Isaiah Saxon, em seu primeiro longa-metragem, a obra acompanha a jornada de Yuri (Helena Zengel), uma garotinha que vive em uma vila isolada com uma comunidade que caça criaturas mitológicas conhecidas como Ochi, quando, de surpresa, acaba descobrindo um bebê Ochi machucado, decidindo ajudá-lo a encontrar sua família.
Com fantoches, animatrônicos e pinturas matte, a produção usa e esbanja efeitos práticos, trazendo um estilo antiquado e charmoso para a construção visual. O estilo fica claro já na abertura do filme, com uma caçada à noite na floresta em que os Ochi precisam fugir para um lado, enquanto a criaturinha menor pula entre árvores para o outro, separando-se da sua família. O cuidado com os cenários e com os fantoches é magistral, com uma abordagem nostálgica que lembra O Cristal Encantado ou então A História Sem Fim, mas também com shots que parecem tirados de um filme do Wes Anderson, em planos divertidos em que tudo parece uma maquete ganhando vida, comportamentos excêntricos de alguns personagens, em especial Maxim, o pai de Yuri, interpretado por um expressivo Willem Dafoe, e uma certa estética de videoclipe.
É tudo muito, muito bonito, apesar de achar que algumas pessoas acostumadas com computação gráfica irão torcer o nariz para a “simplicidade” dos efeitos práticos e da fotografia artesanal. Vale até pontuar que o filme usa CGI, mas apenas para pincelar determinadas cenas. Toda essa vibe, esses ângulos diferentes, os cenários vivos, as paisagens multicoloridas e o sentimento tátil do filme dão o tom de uma aventura de fantasia infantil que saiu do túnel do tempo com seus elementos clássicos. Até aquela inocência dos anos 80, à la Steven Spielberg, recebe um tratamento do roteiro, apesar de Saxon se aventurar por trilhas densas e alguns recortes bizarros que fazem jus à A24, como o fato de Yuri começar a falar a língua musical dos Ochi.
Infelizmente, a narrativa não é tão bem construída quanto os conceitos visuais. O início da produção é particularmente notável, começando com a caçada, depois com dinâmicas familiares disfuncionais, e logo após o encontro entre Yuri e o bebê Ochi, mas quando a jornada dos dois efetivamente se inicia, Saxon tem um desenvolvimento frágil em blocos que soam vazios, trechos pouco imaginativos e um ritmo até moroso mesmo na curta duração da fita. O ar de familiaridade de um conto sobre humanos e monstros se entendendo através da amizade de uma criança e uma criatura não é novidade, mas também não é o problema intrínseco da narrativa, que decepciona mais pela falta de imaginação durante as partes da aventura (todas bem monótonas, se ainda simpáticas), que não complementam a qualidade estética da produção.
O clímax é representativo desse problema, não necessariamente só de uma ausência de substância, até porque o tema principal sobre abandono familiar é bonito e bem fechado dramaticamente, mas sim de uma visão, mais uma vez, apurada para o design das cenas, só que sem a criatividade na construção da aventura em si, que termina de maneira pouco memorável, quase vazia de imaginação. A impressão que fica é que Isaiah Saxon sabe como resgatar elementos clássicos de histórias dessa ordem, além de se mostrar um feiticeiro (junto do restante da equipe criativa) em termos de uma construção de fantasia prática e analógica, mas faltou o mesmo tato para tornar a narrativa envolvente, para transformar o cenário em momentos de aventura realmente de tirar o fôlego e com personagens melhores (tirando Yuri e Maxim, não gosto do restante do elenco, principalmente o subutilizado Finn Wolfhard). É uma pena que o gostinho da forma não teve uma narrativa que preenchesse a produção, mas A Lenda de Ochi ainda é um filme que deslumbra, que mostra uma magia quase esquecida da Sétima Arte, e que tem um conto familiar que encanta a audiência.
A Lenda de Ochi (The Legend of Ochi) | EUA, 29 de maio de 2025
Direção: Isaiah Saxon
Roteiro: Isaiah Saxon
Elenco: Helena Zengel, Finn Wolfhard, Emily Watson, Willem Dafoe
Duração: 95 min.
