Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | A Liga Extraordinária – Século: 1910 (Vol. 3 – Parte Um)

Crítica | A Liga Extraordinária – Século: 1910 (Vol. 3 – Parte Um)

por Ritter Fan
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Depois de sua briga com a DC Comics (e com praticamente toda a indústria mainstream do entretenimento), Alan Moore finalmente lançou, em 2009, o terceiro volume propriamente dito de A Liga Extraordinária. Afinal de contas, diferente do que muitos pensam, Black Dossier não é o terceiro volume, mas apenas uma maneira que Moore encontrou de cumprir seu contrato com a DC sem efetivamente impulsionar o cânone da Liga.

Mas pensem aqui comigo por um momento: se Black Dossier é fruto de um trabalho feito com “má vontade” por Alan Moore e o resultado foi algo brilhante e inesquecível como comentei em minha crítica anterior, o que esperar então de Século: 1910, a primeira parte do terceiro volume da saga de Mina Murray e Allan Quatermain? Ora, simplesmente algo estupendo, melhor ainda do que tudo o que veio antes, não é mesmo?

Infelizmente, porém, para minha profunda decepção, Século: 1910 é um trabalho menor de Moore, algo pouquíssimo marcante que mexe deliberadamente com a mitologia dos personagens que criou e acrescenta outros extremamente desinteressantes e forçados, além de ser vítima da sua própria erudição e hermetismo. Heresia falar isso de uma obra de Alan Moore? Talvez. Mas Século: 1910 não cumpre nem de longe a difícil tarefa de se comparar com suas obras anteriores dentro desse universo e funciona muito mais como uma história de origem para Janni Dakkar, filha do Capitão Nemo, do que para qualquer outra coisa.

Muitos provavelmente reclamarão desse meu comentário dizendo que Século: 1910 é apenas um primeiro capítulo de uma trilogia que forma o Volume 3, mas essa não é uma afirmativa completamente correta. Minha escolha por criticar cada um dos volumes separadamente segue a postura do próprio Alan Moore e de Kevin O’Neill, que lançaram a obra em volumes separados, estanques, entre 2009 e 2012. Faço a crítica da maneira como a obra foi lançada, nada mais, nada menos e, dessa maneira, a conclusão de que Século: 1910 fracassa é, para mim, quase inevitável. Só que há que se ter em mente uma coisa quando escrevo “fracassa”. Trata-se de um termo relativo e não absoluto, pois comparo Século: 1910 com o que veio antes e é nessa comparação que 1910 naufraga.

E a razão é muito simples: os fascinantes Mina Murray e Allan Quatermain têm suas personalidades apagadas ou reduzidas ao mínimo e têm que dividir o palco com personagens literários completamente obscuros que provavelmente 90% dos leitores – mesmo os mais eruditos – nunca ouviram falar, como o detetive do sobrenatural Thomas Carnacki (pinçado das obras de William Hope Hodgson) e o ladrão A.J. Raffles (da séries de contos de E.W. Hornung). O desconhecimento geral desses personagens nem é o maior dos problemas. O ponto nodal repousa mesmo no fato de que suas personalidades não são quase desenvolvidas e eles têm, portanto, a profundidade narrativa de uma poça d’água.

Mas não são só esses quatro que formam a nova Liga de Murray. Há o destaque do grupo, Orlando, personagem andrógino imortal inspirado pelo romance Orlando: Uma Biografia, da brilhante Virginia Woolf. É nesse ponto que vemos o brilhantismo de Moore no roteiro e de O’Neill, pois Orlando rouba todas as cenas em que aparece com suas referências a diversos momentos históricos em que participou (vale especial destaque à hilária e breve menção à Guerra de Troia). Além disso, é interessante ver a relação dele com os demais personagens da Liga, que o consideram um excêntrico e não acreditam em uma palavra do que fala (ou, pelo menos, têm dúvidas). No entanto, Orlando é tão destacado na narrativa que Murray e Quatermain, especialmente o último, quase não têm função alguma, de certa forma lembrando o miolo de A Liga Extraordinária – Vol. 2.

Acontece que o grande foco mesmo é em Janni Dakkar, filha do moribundo Capitão Nemo que, quando o pai lhe pede que tome seu manto, ela foge desesperadamente para o East End londrino. Lá, ela vive uma vida de empregada doméstica de um bar/prostíbulo, apesar dos pedidos de Ishmael para ela voltar para a ilha do pai e comandar o Nautilus. Trata-se, muito claramente, de uma história de origem que Moore usaria mais tarde nas histórias solo de Janni, mas que parece completamente desconexa do restante da narrativa, que aborda a investigação da Liga sobre uma alegada vindoura hecatombe sobrenatural que acometerá Londres.

Com isso, a narrativa é fragmentada em duas partes simultâneas, mas distintas. As aventuras da Liga que, não fosse por Orlando, induziria facilmente o leitor ao sono e a ótima, mas previsível história de Janni. Há claro, no meio disso tudo, muito uso de personagens literários (e também não literários) que não mencionei acima, como Jack, o Estripador, Simon Iff (criado pelo “mago” Aleister Crowley), Oliver Haddo, uma caricatura do próprio Crowley, criado por Somerset Maugham e até o viajante do tempo Andrew Norton, personagem criado em 1997 por David McKean, amigo de Alan Moore (o que explica seu uso na graphic novel). Mas tudo parece muito corrido e, em última análise, sem propósito.

A arte de O’Neill continua marcante, ainda que, em Século: 1910, ele tenha sido menos ousado em sua transição de quadros. Mas seus desenhos dos personagens mais importantes, como Orlando e Janni, são fascinantes e prenderão o leitor a cada página, inclusive com o surgimento do redesenhado – e bélico – Nautilus no clímax da obra.

Como começo do terceiro volume, 1910 é até interessante. Como herdeiro de A Liga Extraordinária, porém, o trabalho de Moore empalidece completamente. Continua sendo uma leitura excitante, mas nada comparado com o que veio antes.

A Liga Extraordinária – Século: 1910 (The League of Extraordinary Gentlemen – Century: 1910)
Roteiro: Alan Moore
Arte: Kevin O’Neill
Cores: Benedict Dimagmaliw
Letras: Bill Oakley
Publicação original: Top Shelf Productions (EUA) e Knockabout Comics (Reino Unido), em maio de 2009 (uma edição)
Publicação no Brasil: Devir, 2010
Páginas: 96 (edição brasileira)

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