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Crítica | A Máquina do Destino – 1ª Temporada

Qual é seu potencial?

por Ritter Fan
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Em um mundo ideal não limitado por questões socioeconômicas, a perseguição do potencial humano deveria ser a principal força motriz de cada um de nós, aquilo que efetivamente nos faz levantar da cama todos os dias. E não falo, aqui, no potencial idealizado, como escrever um livro e imortalizar-se por meio de palavras ou inventar algo capaz de mudar a face da Terra ou comandar um país, levando-o a um futuro brilhante. Falo de coisas bem mais frugais e atingíveis no cotidiano, como trabalhar naquilo que gosta e contribuir positivamente para a comunidade, formar jovens, constituir família e assim por diante.

A Máquina do Destino, série do Apple TV+ baseado em romance homônimo de M.O. Walsh, publicado em 2020, propõe-se a estudar a questão do potencial humano ao inserir uma misteriosa máquina batizada de Morpho que, conforme ela afirma, prevê o “potencial de vida” de cada um que utilizá-la, no seio de uma pequena comunidade dos Estados Unidos. Aparecendo do nada em um mercado local, a máquina cumpre sua função ao entregar cartões azuis com o mínimo possível de palavras em letras prateadas para cada um que depositar moedas e inserir algumas informações requeridas. O resultado, claro, é a mudança completa do comportamento de todos ali que passam a perseguir o potencial revelado sem parar para pensar no que as às vezes crípticas inscrições podem significar.

O que é a máquina, de onde ela veio e quem a criou são perguntas que ficam propositalmente no ar, pois as respostas, muito sinceramente, não importam. O que é realmente relevante é o efeito das supostas previsões em relação a todos que ali vivem, começando pelo professor de história Dusty (Chris O’Dowd), essencialmente o protagonista, que, mesmo inicialmente relutante em usar a máquina, imediatamente percebe o quanto ela passa a influenciar todos ao seu redor, com ele mesmo passando a ficar obcecado por ela a ponto de arrumar qualquer desculpa para inseri-la no contexto das aulas que dá.

Da mesma maneira, para nós, espectadores, o que interessa é a discussão de cunho filosófico que a série abre com sua premissa diferente e inegavelmente interessante: se soubéssemos de nosso verdadeiro potencial, será que mudaríamos nosso comportamento em sua perseguição? A questão, claro, pode ser reduzida a uma luta do comodismo contra o inconformismo, o que inevitavelmente perpassa a discussão sobre o que exatamente é ser feliz. Os mais jovens, que ainda tem a maior parte da vida pela frente, fica a pressão cotidiana de alcançar a realização profissional, algo que, muitas vezes, atropela qualquer chance de eles realmente viverem e, claro, serem felizes ao longo desse processo. Os mais velhos, com a maior parte da vida em seu passado, fica a dúvida sobre o significado do que eles fizeram e o que eles ainda podem fazer para talvez compensar aquela impressão de eles pouco efetivamente realizaram. Nessa equação, os cartões azuis são elementos caóticos, daqueles que sacodem o status quo de cada um de maneiras diferentes, especialmente considerando que o que está escrito muitas vezes exige algum grau de interpretação, como é o caso de “Professor/Assobiador” que Dusty ganha ou, mais ainda, “Realeza” que Cass (Gabrielle Dennis), sua esposa, recebe.

Não pretendo abordar, aqui, as linhas narrativas de cada personagem, pois eles são muitos e muito variados, com o seio da família de Dusty ficando no centro das atenções de grande parte da temporada, incluindo aí Trina (Djouliet Amara), a filha adolescente deles que recentemente perdeu seu namorado em um acidente automobilístico, Izzy (Crystal R. Fox), mãe de Cass e prefeita da cidade e Giorgio (Josh Segarra), dono de um surrealmente brega restaurante italiano, melhor amigo de Dusty e, de quebra, apaixonado por Cass. Afinal de contas, o que encanta é a forma como as diversas situações são aos poucos desenvolvidas e o que os cartões catalisam, com muito pouco texto didático e expositivo nos roteiros, o que é um alívio tremendo, com David West Read, que desenvolveu a série, fazendo de tudo para estabelecer ligações orgânicas e fluidas dentro da narrativa mesmo que isso signifique alçar personagens antes apenas de fundo à categoria de relevantes em momentos adiantados da temporada, como são os casos de Beau Kovac (Aaron Roman Weiner) e de Hana (Ally Maki).

A Máquina do Destino é uma daquelas séries que justifica a criação da categoria “melhor elenco” em premiações variadas, pois não só há uma diversidade enorme de atores e atrizes das mais diversas etnias e idades, como todos funcionam em perfeita harmonia no contexto das relações humanas da temporada, com os roteiros esmerando-se em abrir espaço de destaque para quase todos eles. Claro que nem todas as histórias são igualmente interessantes e nem todas elas se sustentam bem ao longo dos 10 episódios – a diretora motoqueira da escola tem função narrativa única, assim como os pais de Dusty são usados exclusivamente na base do alívio cômico e eu pessoalmente acho que o drama de Trina é cansativo e não muito interessante -, mas o coração da série bate forte e de maneira constante, fazendo-nos pensar se sermos o que e quem somos neste momento é suficiente ou se podemos/devemos/queremos ser mais ou alguma outra coisa completamente diferente, que pode não ser necessariamente “mais” ou “menos”.

A Máquina do Destino – 1ª Temporada (The Big Door Prize – EUA, 29 de março a 17 de maio de 2023)
Desenvolvimento: David West Read (baseado em romance de M.O. Walsh)
Direção: Anu Valia, Molly McGlynn, Todd Biermann, Jenée LaMarque, Declan Lowney
Roteiro: David West Read, Sarah Walker, Craig Rowin, Corinne Stikeman, Amanda Rosenberg, Dian Qi
Elenco: Chris O’Dowd, Gabrielle Dennis, Patrick Kerr, Damon Gupton, Josh Segarra, Christian Adam, Sammy Fourlas, Djouliet Amara, Ally Maki, Crystal R. Fox, Jim Meskimen, Deirdre O’Connell, Aaron Roman Weiner
Duração: 315 min. (10 episódios)

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