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Crítica | A Morte de Stálin: Uma Verdadeira História… Soviética

por Luiz Santiago
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Publicada na França pela Dargaud, entre 2010 (Tomo 1: Agonia) e 2012 (Tomo 2: Funeral), A Morte de Stálin: Uma Verdadeira História… Soviética é uma minissérie que imagina, de maneira muito coerente e historicamente precisa (mesmo as discrepâncias feitas para uma melhor adequação, na ficção, mostram-se orgânicas dentro da proposta, fazendo sentido em relação ao momento e às pessoas envolvidas) os bastidores do Kremlin entre fevereiro e dezembro de 1953, tendo como grande marco as discussões ministeriais e burocráticas dos dirigentes do Partido Comunista da União Soviética, após a morte de Josef Vissariónovitch Stálin, em 5 de março de 1953, aos 74 anos.

Escrita por Fabien Nury e desenhada por Thierry Robin, com cores de Lorien Aureyre, a obra não é uma comédia, como talvez pensem os leitores que levam em conta apenas a adaptação do enredo para o cinema, feita por Armando Iannucci. A ideia dos autores aqui foi justamente trabalhar, no campo da ficção histórica, a disputa de poder no alto escalão do governo soviético, em um momento de grande crise. Sem exagerar no tom “documental” exigido pelo tema, o roteiro é lúcido, crítico e não se entrega às afetações simplistas e mudança de eventos históricos para destacar algo que todo mundo condena, mas tem gente que ainda não descobriu isso: o assassinato de milhões de pessoas durante todo o governo de Stálin, assim como o envio de outros milhares para Gulags espalhados por todo o país. O autor, no entanto, não faz disso uma coluna de pensamento raso, do tipo frase-feita para painéis de rede social: “olha, o comunismo stalinista matou milhões e enviou milhões para gulags! Entenderam?“. A obra realmente discute esses eventos, ao melhor modo de crônica política.

Partindo de algo muito simples, como um concerto de Mozart tocado ao vivo na rádio de Moscou, o texto de Nury retrata o nível de alienação, dominação populacional, vigilância (um A Vida dos Outros aumentado) e medo imposto que existia naquela sociedade. De forma hábil, o autor estabelece os papéis do alto escalão político da URSS e só então começa a ironizar, criticar e expor as disputas pelos maiores cargos, não deixando de abordar, no processo, os assassinatos em massa comandados pelo regime e aprovados pelo ditador comunista; a privação de liberdade dos cidadãos, a miséria de parte da população, a censura na arte e na vida provada e todos os outros horrores que uma ditadura como esta podem trazer.

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O funeral.

Ganham destaque na obra Lavrenti Beria, que foi Comissário de Assuntos Internos (NKVD), um dos mais temidos e grandes executores do Grande Expurgo; Georgi Malenkov, secretário do Comitê Central; Viatcheslav Molotov, diplomata e confidente de Stálin; e, claro, a peça aparentemente vencida do jogo, Nikita Khrushchov, que se tornaria o Secretário-Geral do Partido, ou seja, que governaria a URSS como consequência dos eventos que vemos na minissérie (ele assumiu o cargo em setembro de 1953, seguindo até outubro de 1964, quando foi afastado devido à sua “insistência em ações reformistas“). Para cada um desses, temos algumas páginas de destaque, mostrando suas intenções e como manipulavam amigos e “pessoas neutras” para conseguirem se impor nesta “nova Era” do país.

O ótimo trabalho de diagramação de páginas, feito por Thierry Robin, permite que a crônica oferecida pelo roteiro dê ao leitor visões de conjunto que expõem tudo aquilo que as palavras não davam conta, mas que as pessoas pensavam e queriam que acontecesse. Expressões faciais de indivíduos em segundo plano, gestos e até mesmo a forma de colocá-los em cena, escolhendo-se muito bem os ângulos para destacar a hierarquia, são formas inteligentes que o artista usou para representar os eventos em torno da morte de Stálin.

Com uma bem medida dose de humor, alguma precisão histórica (até onde isso é necessário, para uma obra com esse intento) e instigante maneira de imaginar as ações dos filhos e dos homens mais próximos do ditador, A Morte de Stálin é um excelente exercício de especulação e entendimento histórico, uma reconstrução válida e que mais uma vez nos mostra o quão problemática é a estrutura de um governo baseado em um “grande e único salvador“, o tipo que se faz crescer e temer ao exterminar ou isolar seus inimigos, tendo o Exército ao seu lado e a população inteira como um grande palco de testes para suas ações político-econômicas e ideológicas. No fim das contas, a minissérie não deixa de ser também um aviso para nós. E um convite para olharmos com atenção os políticos e os sistemas de nosso tempo.

La Mort de Staline – Une Histoire Vraie… Soviétique, Tome 1 : Agonie / Tome 2 : Funérailles (França, 2010 e 2012)
Editora original: Dargaud
Roteiro: Fabien Nury
Arte: Thierry Robin
Cores: Lorien Aureyre
120 páginas

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