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Crítica | A Morte do Cinema e do Meu Pai Também

por Michel Gutwilen
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A experiência com A Morte do Cinema e do Meu Pai Também, em uma primeira camada mais óbvia, remete ao filme Close-Up, uma vez que ficção e documentário são misturados. Uma possível tangente mais interessante que pode servir de referencial para esta obra é o texto crítico de Ismail Xavier diante de Um Filme para Nick. Neste projeto, o cineasta Wim Wenders filmou os últimos dias do também diretor Nicholas Ray, que estava doente. Xavier aponta para a desafiadora ambiguidade da obra, que permeia entre encenação e a espontaneidade. Ela seria como um projeto de laboratório no qual já se sabe que Ray irá morrer. Existe uma camada paradoxal no aparecimento deste homem, pois ele é tanto “índice de morte” quanto “preservação de uma dinâmica viva”.

Neste filme israelense, o que existe é um cineasta (Dani Rosenberg) tentando, a todo custo, criar uma narrativa em cima do real. Cabe dizer que na realidade, ele iria dirigir um filme, A Noite de Fuga. Na trama, uma família que mora em Tel Aviv fugiria, diante da ameaça de um bombardeamento iraniano. O pai do diretor na vida real, Natan, interpretaria o protagonista. No entanto, um grande imprevisto surge para a continuação dessa história, uma vez que há a pioria da metástase de Natan e sua consequente morte. 

Só que Rosenberg não desiste, então, como não pode continuar aquela primeira narrativa, já que o final não fora gravado, é a partir do improviso que surge uma nova obra. O resultado disso é A Morte do Cinema e do Meu Pai Também, que é justamente a reencenação da tentativa de fazer A Noite de Fuga, só que com Rosenberg escolhendo alguém para interpretar a si mesmo e um outro homem para ser seu pai. Assim, Rosenberg vira Assef e Natan vira Yoel. Só que, além disso, imagens da relação real entre Rosenberg e seu doente pai vão surgindo. Como a cereja deste bolo metalinguístico, a mãe de Rosenberg no mundo real interpreta a mãe de Assef. Caso tenha ficado confuso, em tese, há 3 camadas: trechos encenados de A Noite de Fuga; a encenação do processo de produção A Noite de Fuga; e imagens reais de Rosenberg e seu pai.

Dito isso, evidentemente que para infinitos lados pode ir o debate sobre esta obra. Um dos pontos mais interessante aqui, e o que afasta de outros exemplos como Jogo de Cena e Close-Up, é que não se trata somente da encenação de um evento real, mas da própria produção de um filme. Rosenberg não quer fazer só eternizar a figura de seu pai, mas também revelar as próprias dificuldades e imprevisibilidades no fazer artístico. Diante disso, existe uma evidente tensão entre um certo narcisismo do diretor quanto um altruísmo diante da figura de seu pai. 

Porém, muitas vezes, o lado de A Morte do Cinema e do Meu Pai Também que parece falar mais forte é a morte do Cinema. São tantas ficcionalizações em cima de ficcionalizações que demonstram que Rosenberg está mais interessado em realizar um exercício formal através da extrapolação de uma linha fina entre dois (ou três) mundos do que de fato explorar uma certa eternidade da imagem de seu pai. Falo isso menos como um julgamento ao diretor e mais no sentido de ser essa a impressão que sua obra passa.

A questão da “representação” parece ser também uma das principais que Rosenberg quer abordar, através de uma saturação deste esquema. Afinal, o que é possível tirar da encenação de um evento tão doloroso quanto a morte de um pai? Este é um filme terapia para o diretor ou apenas o resultado de um improviso de um cineasta determinado? Se não é a imagem do seu pai que está sendo registrada na câmera, mas de alguém representando ele, estaria seu espírito sendo mantido? Ou o espírito só pode se conectar a partir de uma compatibilidade com a imagem do real? Existe algum resquício da imagem real no meio de tanta encenação? São tantas questões trazidas que, infelizmente, uma crítica no contexto de um festival de cinema só pode ajudar a fazê-las surgir como uma fagulha na mente do espectador, mas sem tempo e maturação o suficiente para respondê-las.

A Morte do Cinema e do Meu Pai Também (מותו של הקולנוע ושל אבא שלי גם / The Death of Cinema and My Father Too) — Israel, França, 2020
Direção: Dani Rosenberg
Roteiro: Dani Rosenberg
Elenco: Marek Rozenbaum, Roni Kuban
Duração: 100 min.

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