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Crítica | A Morte Fez um Ovo

por Luiz Santiago
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A maior parte da carreira do diretor Giulio Questi foi desenvolvida na televisão ou em curtas-metragens. Seus projetos mais relevantes foram dirigidos entre 1967 e 1972, e resumem-se em três filmes: Django Vem Para Matar (um western spaghetti misturado com terror), Arcana e o presente A Morte Fez um Ovo, que é um giallo surrealista/experimental ou, mais acertadamente, um anti-giallo. É muito interessante ver esse tipo de abordagem no gênero antes de Mario Bava chutar verdadeiramente a porta do estilo, burlado, mudando e refigurando as regras com o seu Cinco Bonecas Para a Lua de Agosto, de 1970.

Mas enquanto Bava manteve o cerne do estilo em evidência, mudando (por fatores não única ou primordialmente artísticos, vale dizer) a forma com que apresentava os acontecimentos, Questi fez aqui uma verdadeira negação do estilo, o que torna a obra precisamente impossível de se enquadrar em um gênero só e claramente dá suporte àqueles que não a consideram um giallo. Motivo de sobra para essa não-classificação é o que não falta, convenhamos.

No roteiro de Questi e Franco Arcalli temos uma quase impossível sinopse. O que podemos dizer é que Marco (Jean-Louis Trintignant), Anna (Gina Lollobrigida) e Gabrielle (Ewa Aulin) estão no centro das atenções do texto, formando um estranho triângulo amoroso que gerenciam uma granja automatizada, que realizava experimentos laboratoriais para conseguir algum tipo de grande milagre na criação e venda de frangos. Essa é a base para os acontecimentos e, transversalmente, entramos em contato com um fetiche  que abraçará o lado giallo da narrativa, à medida que os experimentos na grande abrem a possibilidade para alguns segundos de pensamento sobre bioética e automatização do trabalho, temas em voga no momento em que o filme foi realizado e que são relevantes para o nosso mundo até hoje.

Mas não há aqui nem uma entrega ou desenvolvimento direto da história (se é que existe algo de verdade para se desenvolver). O longa encadeia um período específico de tempo na vida do protagonista onde a estranha luta dele e de seus pares burgueses procuram manter a pompa e circunstância enquanto buscam o lucro e manter as aparências a qualquer custo (na sequência horrenda do resultado do experimento em laboratório, me lembrei um pouco de Okja). Já nas camadas paralelas vemos as ações individuais traírem cada um desses personagens. Todos aqui representam um papel social e todos são reais criminosos, cada um “especializado” em um tipo de crime, o que poderia ser algo muito interessante se o roteiro desenvolvesse esse lado da trama, mas isso não acontece. Montagem com cortes abruptos e trilha sonora de cunho minimalista e experimental guiam a obra inteira, reafirmando os problemas desses indivíduos e ressaltando toda a influência desse ambiente que não chegamos a conhecer por completo.

Sem um real desenvolvimento dos personagens e uma história que não se preocupa em dar um sentido maior à sua visão vanguardista, A Morte Fez um Ovo termina sendo um filme interessante apenas por conta desse seu caráter anti-giallo, onde práticas e elementos do gênero se fazem presentes, mas não são nem de longe o assunto principal em pauta. O elenco é ótimo e a ideia das discussões sugeridas é aplaudível, mas tudo fica apenas na sugestão, enquanto o diretor segue com o seu balé de estranhezas soltas, trazendo a morte para o lugar menos esperado. Um filme no mínimo peculiar.

A Morte Fez um Ovo (La Morte Ha Fatto L’uovo / Plucked / Death Laid an Egg) — Itália, França, 1968
Direção: Giulio Questi
Roteiro: Giulio Questi, Franco Arcalli
Elenco: Gina Lollobrigida, Jean-Louis Trintignant, Ewa Aulin, Jean Sobieski, Renato Romano, Vittorio André, Giulio Donnini, Biagio Pelligra, Cleofe Del Cile, Monica Millesi, Ugo Adinolfi, Conrad Andersen, Aldo Bonamano, Rina De Filippo, Livio Ferraro, Mario Guizzardi, Margherita Horowitz, Barbara Pignaton, Giuliano Raffaelli, Jean Rougeul, Giancarlo Sisti, Ludmil Trifonof, Angelo Casadei, Alessandro Tedeschi
Duração: 86 min.

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