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Crítica | “A Mulher do Fim do Mundo” – Elza Soares

por Handerson Ornelas
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Daria minha vida a quem me desse o tempo.”

É exatamente essa frase que fica perambulando pela cabeça do ouvinte após escutar A Mulher do Fim do Mundo, novo trabalho de Elza Soares, primeiro desde 2008. E o resultado é impressionante: a cantora hoje aos seus 78 anos de idade, mesmo com a saúde debilitada, conta com a ajuda de uma equipe de peso da MPB atual pra lançar o que pode ser chamado de um dos melhores álbuns da música brasileira nos últimos anos.

Quando eu me refiro a lista de peso estou falando sério: Kiko Dinucci, Marcelo Cabral, Rodrigo Campos, Guilherme Kastrup, Felipe Roseno, os grupos Bixiga 70 e Quadril, além das belíssimas composições poéticas de Romulo Froes… ufa! Todo o time de artistas conseguem convergir uma força extraordinária em ajuda a cantora, que constroi um disco impecável e que cai como uma luva pra seu timbre e interpretação. E esta entrega uma performance extremamente marcante, onde possui plena noção das limitações de sua voz atualmente, mas que não deixa a desejar em nenhum momento.

A voz isolada de Elza abrindo o álbum no medley de Coração do Mar e a faixa homônima mostra uma característica que tomaria todo o trabalho: a emoção. Através do excelente arranjo de cordas, da letra magnífica e do típico “samba trágico” (raro de ser visto atualmente) Elza canta sobre o tempo, responsável por levar seus carnavais, por deixar suas lembranças na avenida. Se trata de Elza implorando pra impor sua voz (Eu quero cantarEu vou cantar, me deixem cantar até o fim) e culminando em uma interpretação emocionante no lamento da voz da cantora.

Pra contrapor o clima emotivo e trágico da faixa anterior, o disco aposta na letra cômica de Maria da Vila Matilde, que aborda a violência doméstica de maneira surpreendente, através de um samba animado, com bom humor, construindo a imagem de uma mulher forte. Em seguida vemos Luz Vermelha, a faixa mais “rockeira” com suas potentes guitarras, que usa uma letra abstrata pra mostrar diversas decadências da sociedade. A erótica Pra Fuder surge como um samba dançante, onde Elza canta sobre sexo por cima de um arranjo e harmonia ESPETACULARES, progredindo a cada entrada de instrumento, alcançando seu ápice na aparição dos metais do Bixiga 70.

Benedita e Dança com um clima experimental lembram o já clássico Encarnado de Juçara Marçal (que conta com vários membros da banda). É interessante aqui a troca de influências entre a velha e a nova guarda. Elza, que já influenciou tantos artistas, agora pega certas influências destes. Já Firmeza traz o molejo e o estilo carioca ao álbum, faixa divertida de se ouvir e fácil de se deixar levar. O Canal leva um clima acústico e experimental, enquanto as batidas de origem africana embalam mais uma excelente letra, dessa vez sobre um tema bastante comentado  atualmente: a crise hídrica.

Fica para o medley Solto/ Comigo a tarefa de fechar o álbum, e mais uma vez aqui a emoção bate. Principalmente devido a interpretação marcante de Elza por cima da bela sinfonia tocada. E assim como começa, o disco se fecha com a linda voz a cappella e isolada da cantora nos versos mais simples e belos: “Levo minha mãe comigo/ Pois deu-me seu próprio ser”. Elza e um dream team espetacular criaram um disco impecável, emotivo e denso, que aborda temas urbanos pesados como violência doméstica, drogas, transsexualidade, prostituição, vida e morte. A cantora prova que quando se trata de música, o tempo é eterno. Prova que cantar, definitivamente, se trata de algo que ela ama. Sim, ela é a mulher do fim do mundo.

Aumenta!: O disco inteiro
Diminui!: Não cometa tal pecado
Minha canção preferida: Mulher do Fim do Mundo

A Mulher do Fim do Mundo
Artista: Elza Soares
País: Brasil
Lançamento: 1 de outubro de 2015
Selo: Natura Musical
Estilo: Samba, MPB, Soul

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