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Crítica | A Mulher do Lado

por Luiz Santiago
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estrelas 4

François Truffaut foi um mestre em dissecar a complexidade do amor em seus mais diversos níveis, do modo mais acidental, como visto em Um Só Pecado, até o trágico e quase premeditado reencontro, onde um homem e uma mulher são reunidos por um “cruel destino”, que acaba interrompendo a possível felicidade de ambos e delineando o caminho da tragédia que se dará ao cabo de um amor destrutivo e, estranhamente, necessário para eles.

Logo nos primeiros minutos do filme o espectador percebe que o drama não terminará de forma ‘agradável’. Uma narradora, Madame Odile Jouve (Véronique Silver em um papel sério e muito bem interpretado) nos introduz o ambiente geral da história. Bernard (Gérard Depardieu) vive feliz com a esposa e o filho pequeno, numa vizinhança tranquila próxima ao clube de tênis de Madame Jouve. Essa paz inicial é rompida quando o casal Bauchard muda-se para casa ao lado. Mathilde Bauchard (Fanny Ardant) e Bernard possuem um complicado relacionamento pregresso e todas as emoções positivas e negativas desse passado voltam com intensidade, invadindo a  vida que cada um construiu após a separação.

Através de uma montagem em fades, pensada como uma forma de atribuir à passagem do tempo um significado mais sólido, vemos justificada a força dos sentimentos dos protagonistas, mesmo que não os vejamos tanto tempo juntos em cena (o filme tem 1h40 e é marcado por muito mais coisas além dos encontros extraconjugais de Bernard e Mathilde), um caminho técnico que é temperado por outro gênero cinematográfico, o suspense, mostrado para o público tanto na forma sutil e cheia de “pistas lúgubres” que o roteiro traz, como na preparação um pouco assustadora que a trilha sonora de Georges Delerue (presente em algumas obras de Truffaut desde Atirem no Pianista) imprime a determinadas sequências.

Dentro desses múltiplos aspectos sombrios — visto também através da fotografia mais escura –, é natural que o espectador espere um lancinante ponto de ruptura, mas ele não vem de imediato. O diretor nos faz acompanhar a já dita necessidade destrutiva que o casal nutre e nos familiariza com a postura de Bernard, o indivíduo mais explosivo e, na prática, o menos violento da relação; e de Mathilde, a suposta pacífica sofredora que toma a atitude de pôr um fim definitivo a um sofrimento que não é só dela, assumindo a verdadeira personificação da coragem, premeditação e força que faltavam ao ex-parceiro.

Em alguns momentos, os conflitos paralelos distraem o espectador e desaceleram o ritmo geral da fita, mas este é apenas um detalhe em todo o texto. A boa construção dos personagens e o cuidadoso trabalho de apresentação dos cenários dramáticos superam as maiores falhas, fazendo o filme prosseguir sem maiores dificuldades ou falhas. O final, com a esperada tragédia, demarca um território bastante caro a Truffaut, onde a morte (cujo significado alcança um nível incomparável em O Quarto Verde) e o amor, tema central de sua filmografia desde Os Pivetes (1957), se entrelaçam em um ato de gozo e assassinato passional, o definitivo casamento entre amor e morte que, para o diretor, era o “indiscutível fato” da relação entre os seres humanos e seus mais íntimos sentimentos.

A Mulher do Lado (La femme d’à côté) — França, 1981
Direção: François Truffaut
Roteiro: François Truffaut, Suzanne Schiffman, Jean Aurel
Elenco: Gérard Depardieu, Fanny Ardant, Henri Garcin, Michèle Baumgartner, Roger Van Hool, Véronique Silver, Philippe Morier-Genoud, Nicole Vauthier, Muriel Combe, Olivier Becquaert
Duração: 106 min.

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