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Crítica | A Mulher na Janela

por Kevin Rick
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Baseado no livro homônimoA Mulher na Janela é um filme com um pedigree completamente absurdo, desde o elenco composto por Amy Adams, Gary Oldman, Julianne Moore, Anthony Mackie, até a equipe criativa por trás das câmeras com o diretor Joe Wright (O Destino de uma Nação, Orgulho e Preconceito), o roteirista/dramaturgo Tracy Letts e o cinematógrafo Bruno Delbonnel (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, Harry Potter e o Enigma do Príncipe). É o tipo de filme que já nasce com expectativas altíssimas, mas, infelizmente, a aguardada adaptação é um grande suspense psicológico desordenado, provavelmente com culpa parcial nas várias refilmagens que a película recebeu .

A premissa da fita acontece em torno de Anna Fox (Adams), uma psicóloga agorafóbica que passa seus dias espiando os vizinhos e misturando álcool e remédios para anestesiar seus traumas. O filme continua a caminhada contemporânea de thriller doméstico e suspense com uma protagonista feminina que vem crescendo no meio literário/cinematográfico, como, por exemplo, o sensacional Garota Exemplar e o bem menos sensacional A Garota no Trem, mas é, acima de tudo, influenciado por suspenses psicológicos dos anos 50/60, em especial Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock.

A direção de Joe Wright assume por completo a homage a Hitchcock, e falo a título de influência e não comparação, mas o cineasta se prova um grande amador no sentido de encontrar uma identidade própria e trazer uma unidade coesa à sua decupagem. O estilo manda em A Mulher na Janela, e a obra é realmente deslumbrante e estilosa, desde os shots que acompanham a casa, levemente me lembrando Roma nos planos que acompanham a personagem de uma certa distância e prezam pela demonstração geral da ambientação contida, além da cinematografia estonteante, com uma paleta de cores diversa que preenche um sentimento onírico, até fantasioso na obra. Infelizmente, a direção não se aproveita disso e se perde tentar muitas abordagens de gênero, não se aprofundando em nada.

Isso é melhor visto em como Wright pega o voyeurismo e o joga pela janela (he, he). A obra tem pouquíssimas sequências de Anna realmente bisbilhotando seus vizinhos, e mesmo quando eles existem, Wright peca na construção da observação como meio de criar suspense, dúvida ou paranoia. Muito pelo contrário, há uma transposição risível da dificuldade de Anna em tirar fotos ou olhar pela janela sem ser descoberta. Essas situações realmente me tiraram do filme, pois destroem por completo o sentimento de curiosidade que é envolvida pela investigação doméstica.  E eu acho que a direção de Wright se torna ainda mais estranha ao tentar amarrar esse voyeurismo mal trabalhado com o espaço contido da casa.

Muitas vezes senti que o diretor tenta “dirigir demais” nas sequências residenciais, como os vários shots desnecessários da escadaria ou a pegada teatral quando os personagens estão no mesmo recinto. A tentativa de criar tensão se perde na beleza da cinematografia e na falta de uma trilha sonora que acompanhe o suspense, e tudo fica bastante deslocado no filme e em seus excessos visuais. Wright coloca em evidência os vícios aqui e ali, toca na doença com algumas cenas de receio de sair da casa e utiliza uma horrorosa narração em diálogo da protagonista com seu marido ao longo da obra, culminando em um curto flashback. Mas ao final não se compromete com nenhuma abordagem. Existem muitos caminhos, mas nada é colocado em evidência por muito tempo nas lentes pretensiosas de Wright.

Em muitos momentos me peguei questionando qual é o propósito dessa direção? Porque o diretor não aproveita sua maior influência do voyeurismo, não mergulha no suspense, assume um insólito teatralismo quando os personagens estão juntos e raramente demonstra um olhar intimista para o drama psicológico de Anna. Numa nota positiva, acredito que o delírio proposto no primeiro ato funciona bem, com muitos planos próximos de Anna e a já dita bela cinematografia, e a Amy Adams é poderosa em transpor a derrocada mental da personagem com pequenos risos e olhares infinitos, mas à medida que a trama avança, o ritmo acelera e aos poucos foge desse aspecto onírico da casa como um todo, resultando em outro problema da obra: a montagem.

A edição dita o ritmo de uma película, e pode ser dito que A Mulher na Janela é lenta e tediosa no início – eu até gostei dessa cadência em certa medida -, mas o principal problema reside em como a montagem tem um teor súbito, no pior sentido da palavra, já que não há organicidade narrativa para os conflitos. Não irei adentrar com detalhes para não proporcionar spoilers, mas a montagem da obra tem um caráter imediatista, onde a narrativa pula de uma sequência para outra sem uma construção de cena ou de momentos com naturalidade – por isso Wright tem dificuldade em escalonar qualquer nível de suspense. Num minuto A Mulher na Janela é um filme de investigação, e logo depois de drama recluso, parte para o mistério raso e então avança para a teatralidade, sem nada bem elaborado. É uma experiência estranhíssima em relação às costuras de gêneros, no qual tudo soa exagerado e/ou incompleto.

Este tom de excesso é também resultado do roteiro, muito em parte pelo background teatral do roteirista Tracy Letts, em que a exposição, principalmente nos diálogos, retira qualquer nível de sutileza na caracterização dos personagens. Gary Oldman tem pouco tempo de tela, e quando aparece sua interpretação é hiperbólica, cheia de gritos e raiva; e o mesmo pode ser dito de David (Wyatt Russell), o inquilino de Anna, que vai de colega a possível assassino de uma cena a outra, sem ambiguidade; além do núcleo familiar com Anthony Mackie que não recebe nenhum cuidado dramatúrgico para que a audiência sinta qualquer tipo de emoção em torno do trauma de Anna. Julianne Moore é o charme e mistério em pessoa, enquanto Brian Tyree Henry exala carisma no raso investigador Little, mas nenhum dos personagens tem tempo suficiente de tela para deixar impacto, trazendo a problemática de como o filme não abre espaço ou constrói bons diálogos para o elenco secundário trabalhar seus personagens.

Quando o clímax chega, ele é tão surpreendente quanto cômico, pois como não há desenvolvimento de tensão ao longo da obra, o impacto é diluído de forma mecânica, e recebe o mesmo tratamento instantâneo do resto da fita. É quase como se os blocos de A Mulher na Janela fossem um “produto pronto”, um desfecho que é até interessante, mas que não receberam um desenvolvimento anterior, lentamente perdendo o espectador na desordem de tom. O curioso é que eu até gosto da direção estilosa no desfecho, com uma pegada de horror clássico, até meio slasher, mas continua sendo mais uma escolha aleatória do filme, que não faz qualquer sentido pensando no que foi – e realmente não foi – desenvolvido anteriormente.

Diferentemente da óbvia influência de Janela Indiscreta, o filme dirigido por Joe Wright não aprofunda-se na observação, nem assume os problemas ordinários do livro como temática principal do arco psicológico de Anna. A obra também propõe suspense psicológico, drama íntimo, investigação e desconfiança da realidade, além da bizarra pegada teatral, em uma direção presunçosa e aleatória que atira para várias abordagens sem construir algo minimamente interessante em nenhuma. Uma verdadeira salada, A Mulher na Janela é um filme para ver e esquecer.

A Mulher na Janela (The Woman in the Window) – EUA, 14 de maio de 2021
Direção: Joe Wright
Roteiro: Tracy Letts (baseado no livro homônimo de A. J. Finn)
Elenco: Amy Adams, Gary Oldman, Anthony Mackie, Fred Hechinger, Wyatt Russell, Brian Tyree Henry, Jennifer Jason Leigh, Julianne Moore, Jeanine Serralles, Mariah Bozeman, Liza Colón-Zayas, Anna Cameron, Ben Davis, Tracy Letts
Duração: 100 min.

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