Home FilmesCríticas Crítica | A Mulher Rei

Crítica | A Mulher Rei

Uma irmandade feroz.

por Kevin Rick
7,5K views

Épicos históricos sobre guerreiros lutando contra a opressão de grandes inimigos é uma vertente cinematográfica divertida, não? Do senso de escopo até a representação visual de um período longínquo, e da intensidade das batalhas até a nossa torcida pelos combatentes, existem tantas qualidades de espetáculo revolucionário em obras desse calibre que é difícil não ficar animado quando uma produção como A Mulher Rei é anunciada.

Dirigida por Gina Prince-Bythewood, a obra é inspirada nas guerreiras Agojie, um grupo de mulheres do antigo reino de Daomé, na África Ocidental, com a história sendo centrada no século 19, quando o perigo tomava forma tanto nos mercadores de escravos europeus quanto nos conflitos entre os impérios locais. Acompanhamos a obra majoritariamente da perspectiva de Nanisca (Viola Davis), a general/líder das Agojie, e também de Nawi (Thuso Mbedu), uma moça do reino que é oferecida pelo seu pai ao rei Ghezo (John Boyega) para trabalhar no palácio, onde se torna uma recruta das Agojie.

Apesar do orçamento tímido de “apenas” cinquenta milhões de dólares, o longa segue os passos de blockbusters históricos como Coração Valente Gladiador, unindo ação e encanto com cenografias meticulosas e vividas, especialmente na representação colorida do reino de Daomé; partituras grandiosas da trilha sonora; e um design de produção detalhista e tátil com figurinos, armas e retratos culturais. Vejo alguns problemas, como na estranheza do uso de efeitos especiais para grandes paisagens e em como alguns cortes nas cenas de luta para evitar violência gráfica são atrapalhados, seja no excesso de composições fechadas da cineasta, seja em algumas capturas pouco precisas da coreografia (em sua maioria ótimas, vale ressaltar), mas nada realmente inconveniente ou negativo demais.

A produção é, sem dúvidas, visualmente majestosa. Os cenários respiram e nada soa artificial, sendo que a imersão é enfatizada pelo trabalho do elenco e da cineasta. Prince-Bythewood traz uma imponência para suas guerreiras, algo apresentado logo na primeira cena da obra, com as atrizes assumindo feições e trabalhos corporais com ferocidade e audácia. Como esperado, Viola Davis é um espetáculo à parte, chamando atenção tanto para suas habilidades de luta quanto seu talento com olhares, encarando personagens com fúria palpável e comando, assim como ternura e choque, quando preciso. A mulher é fenomenal e um domínio de atenção sempre que pisa em cena. Lashana Lynch também merece louvores pelo carisma e suavidade que interpreta a divertida Izogie.

Outro aspecto imersivo está no cuidado da obra com costumes culturais, especialmente os rituais de dança. No entanto, contextualmente falando, A Mulher Rei é uma produção cheia de imprecisões históricas, principalmente no que tange o papel real das Agojie na perpetuação do comércio de escravos. Confesso, porém, que não ligo para fidelidade histórica. Não estamos vendo um documentário, vale lembrar.

O roteiro de Dana Stevens e Maria Bello se aproveita do grupo de guerreiras que existiu para criar uma narrativa de temas universais como comunidade, unidade e honra, com linhas temáticas de cunho feminista e críticas ao racismo histórico de colonizadores. E, bem, o quão legal é ver amazonas reais lutando por liberdade em um épico histórico, ein? Para quem continua aborrecido com as imprecisões históricas, vale ressaltar que Coração Valente Gladiador são exemplares de grandes produções cheias de inconsistências fáticas.

Meus problemas com A Mulher Rei são de ordem narrativa. À medida que a história avança, vemos menos o arco de Nanisca para ganhar o título que dá nome ao filme, e acompanhamos mais a trajetória de Nawi para se tornar uma Agojie. A personagem é dramaticamente interessante em sua petulância, passado trágico e personalidade forte, também com ótima interpretação de Thuso Mbedu, mas a jovem acaba se tornando a protagonista por grandes pedaços do filme. O roteiro até mesmo ganha camadas de coming of age, incluindo um romance bobo e desenvolvimentos melodramáticos que desaguam em uma reviravolta previsível e desnecessária.

A Mulher Rei funciona melhor quando é um estudo de personagem de Nanisca, seu trabalho como general, sua trajetória ao trono e as batalhas que deve enfrentar, seja nos combates, nos conflitos geopolíticos ou na tensão do palácio com o comércio de escravos. Aliás, mesmo que o roteiro mude questões históricas, seria bacana ter visto um aprofundamento temático e ético na complexidade moral de vender seu próprio povo. Ainda assim, a historinha da jovem recruta é carismática, e o trabalho imersivo da produção junto da simpatia do elenco presenteia o público com um belo entretenimento épico e de ação sobre irmandade, sacrifício, honra e liberdade.

A Mulher Rei (The Woman King) – EUA, 22 de setembro de 2022
Direção: Gina Prince-Bythewood
Roteiro: Maria Bello, Dana Stevens
Elenco: Viola Davis, Thuso Mbedu, Lashana Lynch, Sheila Atim, John Boyega
Duração: 135 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais