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Crítica | A Múmia (2017)

por Guilherme Coral
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estrelas 2

Um dos maiores problemas em se trabalhar com grandes universos compartilhados no cinema é construir um enredo que se sustente por conta própria, enquanto faz ligações com um cenário maior. Podemos citar bons exemplos de obras que acertaram nesse quesito, como Capitão América: O Soldado Invernal, dentre outros da Marvel, e o recente Mulher-Maravilha. No meio desse mutirão da nova moda de Hollywood, porém, tivemos algumas verdadeiras bagunças, longa-metragens que não sabiam se trabalhavam sua própria história ou introduziam incontáveis personagens para empreitadas futuras, como é o caso de Homem de Ferro 2Batman vs. Superman. Evidente que o sucesso desses filmes acabaria motivando outros estúdios a fazer o mesmo – eis que surge o Dark Universe da Universal.

Via de regra, criar um universo compartilhado utilizando os icônicos monstros do cinema e literatura é o resgate de um conceito existente desde a primeira metade do século XX, com o universo de monstros da Universal com personagens como O Lobisomem Frankenstein já tendo se encontrado em filmes previamente. Anos depois, vivenciamos a primeira tentativa de reviver essa ideia, já dentro da moda recente de universos assim. A intenção era que Drácula: A História Nunca ContadaFrankenstein: Entre Anjos e Demônios fizessem parte dessa empreitada. A qualidade (ou ausência dela) desses filmes, porém, falou por si próprio, fazendo com que a Universal adiasse seu projeto, que, agora, em 2017, ganha sua primeira entrada oficial, com direito a um nome, Dark Universe sendo exibido logo após o do estúdio. Muito cai sobre os ombros de A Múmia, portanto, o mais novo reboot da franquia após nada menos do que nove filmes só da Universal, desde 1932 – figura, portanto, mais que estabelecida no imaginário popular.

David Koepp, Christopher McQuarrie e Dylan Kussman, que assinam o roteiro, buscam trazer algo diferente. Fugimos da primeira metade do século XX e nos vemos nos tempos atuais. A obra tem início nos contando a história da múmia em questão, a filha do faraó que fizera um pacto com Set, mas que acabara sendo mumificada viva e enterrada longe do Egito. Terminado tal conto, que funciona como prólogo da obra, partimos para o Iraque, onde encontramos Nick Morton (Tom Cruise), membro do exército americano que busca enriquecer por meio de relíquias encontradas ali na Mesopotâmia. O que não esperava, contudo, era descobrir uma antiga tumba contendo um ser milenar, que seria despertada em razão dos descuidos de Morton, ao lado da arqueóloga, Jenny (Annabelle Wallis). Juntos, eles, agora, precisam arranjar uma forma de impedir Ahmanet (Sofia Boutella), antes que seja tarde.

Começarei por um dos pontos que sempre me incomodam quando se trata de filmes retratando o antigo egípcio: não vemos sequer um negro nessa civilização. Se estivéssemos falando de um filme da década de 1930, isso poderia até ser perdoado, mas estamos em 2017 e parece que todos acreditam que só existia a dinastia Ptolomaica no antigo Egito. Considerando que é dito, em certo ponto do filme, que Ahmanet tem mais de 5.000 anos, isso gera uma profunda inconsistência, visto que ela, teoricamente, precederia tal dinastia por alguns milênios. Evidente que a popularidade de Cleópatra influencia tal retratação, mas esse novo reboot perdeu a oportunidade de inovar e trazer uma múmia negra, algo ainda não visto nos filmes anteriores.

Não que Sofia Boutella não tenha se saído muito bem no papel. Ela é, sem dúvidas, o melhor aspecto do filme, com um olhar penetrante que empresta uma distinguível fúria à antagonista. O trabalho de maquiagem também chama a atenção, sendo original e demonstrando bastante atenção a detalhes, como suas unhas e as próprias bandagens que a envolvem. De fato, o filme confia nesse retrato da criatura e logo dispensa a computação gráfica de sua forma decrépita, favorecendo o trabalho da atriz. Claro que precisamos atentar à cópia descarada das tatuagens de seu rosto, que, na cara de pau, mimetizam aquelas utilizadas em Jayla, de Star Trek: Sem Fronteiras – basta ver como as linhas descem quase pelos mesmos lugares. Pode ser coincidência? Claro, mas em se tratando exatamente da mesma atriz, diria que não.

Infelizmente, nem todos os aspectos do filme funcionam tão bem quanto a múmia do título. O primeiro desses sendo o próprio roteiro. Como falado anteriormente, havia o grande risco do texto demonstrar uma preocupação maior em estabelecer o universo compartilhado do que desenvolver sua história em si e é justamente isso o que acontece. Tudo que envolve esses personagens não diretamente ligados à múmia soa desconexo da trama principal a tal ponto que sentimos como se assistíssemos dois filmes em um só, com sequências inteiramente dispensáveis e que não acrescentam absolutamente nada à trama principal. Elas abrem terreno para o estabelecimento de filmes futuros? Claro, mas ao custo de dilatar a narrativa, torná-la cansativa e fragmentada. Dentro desses trechos “extras”, conhecemos o dr. Henry Jekyll, interpretado por Russell Crowe, que nos traz uma abordagem realmente assustadora do personagem, mas que simplesmente não combina com o restante da obra.

No meio disso tudo, temos Tom Cruise em seu papel padrão de filme de ação, sem trazer nada de novo e até demonstrando certo cansaço, sem realmente se dedicar da mesma maneira que vemos na franquia Missão: Impossível, por exemplo. Existe a tentativa de inserir doses de humor ao longo da narrativa, especialmente através da personalidade do protagonista, mas o roteiro parece não saber se decidir em qual atmosfera focar. O resultado é um filme sem identidade, que transita por gêneros sem se firmar em nenhum deles – não temos nem um filme de terror, nem um de aventura e sim um híbrido defeituoso dos dois.

Uma das características que contribui para essa grande confusão é a necessidade de realizar algo grandioso, exagerado, garantindo poderes descomunais à antagonista, mas que somente são utilizados brevemente, sem nenhuma explicação. A fotografia, excessivamente escura em determinados pontos, também não ajuda, desvalorizando todo o trabalho de maquiagem e desenho de produção, visto que não conseguimos enxergar quase nada. Quando colocamos os óculos 3D, tudo piora, escurecendo mais ainda a imagem, sem trazer nenhuma diferença visível além disso. A cereja no topo do bolo são os cortes excessivos e a irritante câmera tremida que preenchem as sequências de ação, nos fazendo torcer para que elas terminem de uma vez, para que, enfim, voltemos a entender o que acontece diante de nossos olhos.

São tais elementos que nos fazem perder as esperanças desse Dark Universe da Universal. A produtora, que há tantos anos, introduzira o primeiro efetivo universo compartilhado dos cinemas, parece querer atirar para todos os lados, sem acertar nenhum alvo. Ao decidir focar mais nos elementos externos do que aqueles essenciais à qualidade do filme em si, tudo acaba virando uma enorme bagunça, trazendo-nos uma narrativa cansativa, que faz parecer com que a obra tenha mais de três horas, embora conte com menos do que duas. Dito isso, é bastante possível que a empreitada do estúdio tenha morrido logo na sua primeira entrada. O tempo dirá se eles largarão o osso mais uma vez ou não.

A Múmia (The Mummy) — EUA, 2017
Direção:
 Alex Kurtzman
Roteiro: David Koepp, Christopher McQuarrie, Dylan Kussman
Elenco: Tom Cruise, Sofia Boutella, Annabelle Wallis, Russell Crowe, Jake Johnson, Courtney B. Vance, Marwan Kenzari, Simon Atherton
Duração: 110 min.

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