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Crítica | A Mundana (1948)

por Ritter Fan
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A Mundana, tradução injusta para um título original com duplo significado, é um filme raramente lembrado na excelente filmografia de Billy Wilder. Considerando a escalação de Marlene Dietrich no papel de uma cantora de cabaré com conexões com nazistas em uma Berlim pós-guerra para contracenar com Jean Arthur, retirada da aposentadoria para o papel por insistência de Wilder e que vive uma congressista parte de uma comissão enviada para lá para investigar o estado de espírito das tropas americanas, diria que a obra precisa ser resgatada e trazida novamente para os holofotes.

Produzida em um momento que alia curiosidade mórbida pela capital alemã completamente destruída imediatamente depois do final da guerra com a vontade dos americanos de reviver a indústria cinematográfica de lá, Wilder, que já se encontrava em franca colaboração com as Forças Armadas dos EUA, teve ampla liberdade de acesso, podendo inclusive filmar em locação na cidade arrasada, especialmente no antigo lado soviético, inegavelmente o mais interessante em termos arquitetônicos. Surpreende, porém, o fato de A Mundana ser uma comédia que inclusive usa um menino que desenha suásticas em todo lugar e que claramente sofreu lavagem cerebral nazista como desculpa para momentos humorísticos. Talvez fosse muito cedo para isso, ainda que a história em si, que envolve a manipulação de Erika Von Schluetow (Dietrich), que se envolve com o Capitão John Pringle (o sem graça John Lund, que tem a grande vantagem de pelo menos não atrapalhar o destaque dado à dupla feminina, vou ser sincero), do exército americano, para capturar um fugitivo nazista, tenha contornos sérios, fazendo o longa flutuar bastante entre uma comédia romântica rasgada e um drama histórico realmente interessante.

Jean Arthur, no papel de Phoebe Frost, é, sob diversos aspectos, a prototípica “loira burra”, mas nunca de maneira deselegante, que acha, do fundo do coração, um absurdo completo soldados americanos correrem atrás de rabos de saia alemães por todos os lados, frequentarem boates clandestinas e livremente comprarem mercadorias no mercado negro (que fica ao ar livre no lugar mais óbvio possível, próximo ao que sobrou do Reichstag. Diante de sua indignação, porém, é que ela se “disfarça” de alemã para viver por algumas horas essa vida de assediada e descobre a profundidade desse poço, não demorando a se envolver com Pringle e com Von Schluetow em um triângulo amoroso que pode ser tudo, menos corriqueiro. Ver Dietrich e Frost competir por Lund, com Dietrich novamente vivendo a irresistível femme fatale e Lund a desajeitada e inocente congressista sob as câmeras de Wilder é uma diversão só, mesmo quando lentamente a narrativa trafega por águas mais sérias e densas (mas não tanto).

Willder, como teve que trabalhar em dois momentos – em locação em Berlin para capturar as imagens gerais e no estúdio na Califórnia para filmar os atores – faz muito uso de sobreposições com o uso de retroprojeção, o que empresta aquele ar típico de obras carregas dessa característica, como grande parte da filmografia de Alfred Hitchcock. Mas, como no caso do Mestre do Suspense, Wilder é cuidadoso e perfeccionista e a fusão de primeiro e segundo planos é excelente, criando um longa que carrega em sua infraestrutura uma carga histórica a cada fotograma. Em determinados momentos, há até algum exagero nesse aspecto, com a comissão parlamentar fazendo turismo pela cidade, com direito à explicações didáticas sobre o que vemos em tela, mas, mesmo nesses momentos, há toda uma lógica por trás que justifica o uso desse artifício.

Outro cuidado que Wilder tem ao longo de toda a duração do longa, que chega próxima de duas horas, é manter o equilíbrio entre o cômico e o dramático, lenta, mas compassadamente começando com um humor mais presente, mais evidente (como o momento estranho da suástica que mencionei) que vai aos poucos abrindo espaço para um enfoque mais puramente dramático, somente para encerrar com uma divertida nota cômica que se encaixa muito bem na história e fornece o fechamento que nos lembra novamente que A Mundana é, apesar de tudo, uma dramédia romântica.

Com uma dupla feminina imbatível, ambientação que inevitavelmente acende a chama da curiosidade e uma história que oscila exemplarmente entre gêneros, A Mundana pode não ser um Wilder muito conhecido ou até mesmo festejado, talvez por ser o longa imediatamente anterior ao irretocável Crepúsculo dos Deuses, não sei, mas ele certamente merece atenção. Afinal, temos que convir que esse grande cineasta não só não costuma errar, como ele raramente colocou nas telonas um filme menos do que memorável.

A Mundana (A Foreign Affair – EUA, 1948)
Direção: Billy Wilder
Roteiro: Charles Brackett, Billy Wilder, Richard L. Breen (baseado em adaptação de Robert Harari de uma história de David Shaw)
Elenco: Jean Arthur, Marlene Dietrich, John Lund, Millard Mitchell, Peter von Zerneck, Stanley Prager, William Murphy, Raymond Bond, Boyd Davis, Robert Malcolm, Charles Meredith, Michael Raffetto, Damian O’Flynn, Frank Fenton, James Larmore, Gordon Jones, Friedrich Hollaender
Duração: 116 min.

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