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Crítica | A Musa (1999)

por Leonardo Campos
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Ela é uma grande conselheira. James Cameron vai ao seu encontro e questiona a possibilidade de fazer sucesso com Titanic 2. A resposta é imediata: “você deve ficar distante da água”. Martin Scorsese também têm dúvidas, bem como Rob Reiner. Todos eles estão aos pés da musa Sarah, interpretada pela radiante Sharon Stone. Os cineastas, em participações brevíssimas, mas muito especiais, reforçam as estruturas de A Musa, comédia dramática dirigida e escrita por Albert Brooks, um filme sem grandes arroubos estéticos, tampouco reviravoltas mirabolantes e magnéticas, daqueles da nos fazer ficar vidrados na tela, sem conseguir desviar o olhar por um instante sequer. A linearidade, a singeleza e a simplicidade são os ingredientes que guiam esta narrativa feita por encomenda para quem se envolve com metalinguagem e diálogos inteligentes.

Brooks rege o seu elenco com atuações niveladas, sem grandes destaques. O tema é a boa e velha falta de criatividade, o bloqueio criativo que já acometeu outros tantos personagens acossados pelos prazos e limites de uma profissão pressionada pelo tempo e ritmo na produtividade. Ao longo de seus 97 minutos, A Musa nos apresenta Steven Phillips (Albert Brooks), um roteirista premiado que enfrenta uma profunda crise de escrita e autoestima, principalmente depois que é desalojado dos estúdios da Paramount, considerado improdutivo por seu diretor executivo. Casado e com família, ele precisa arranjar uma maneira de mudar o rumo das coisas, até que no encontro com Jack (Jeff Bridges), outro roteirista, homem que emplaca um sucesso após o outro, apresenta-lhe Sarah, a musa inspiradora vindo direto do Olimpo.

Trajada pelos figurinos de Betsy Cox, a musa em questão é exigente. Uma mulher de gostos caros, conhecida por inspirar de tal maneira que alguns realizadores conseguiram retomar as suas carreiras, mergulhadas na ditadura da cultura do entretenimento que aliena e diverte, mas apenas o público, pois nos bastidores dos processos de realização, inferniza a vida de quem precisa produzir, reciclar, etc. Tal como já sabemos, essa é a postura de qualquer produção cultural industrial, ditada pelo ritmo do capitalismo. Quanto mais se produz, melhor. Nem sempre pela qualidade, mas pela quantidade do que será ofertada para plateias que tal como zumbis, precisam de alimentação constante para não surtar diante da realidade opressora. Isso não é novidade e Albert Brooks tem consciência. O que ele faz é flertar, mais uma vez, com o tema.

E faz bem. A Musa é uma narrativa construída com base no humor, mas sem a escatologia ou histrionismo da comédia física que também é interessante em alguns casos, mas funciona pelo riso fácil, em detrimento do texto. Aqui o que importa é o diálogo, as rubricas do roteiro, a direção leve e a ausência de um tom pretensioso demais diante de algo que o realizador tão bem sabe, é reciclagem temática. Guiado pelas sugestões homeopáticas de sua musa, Steven Phillips precisa ter paciência nesta consultoria. Ela o ilumina, mas parcimoniosamente. Liga na madrugada fazendo exigências, quer comida do melhor tipo, na hospedagem no melhor hotel. O roteirista, num colapso financeiro, começa a ter outra crise, desta vez, no casamento, haja vista a sua esposa Laura (Andie MacDowell), desconfiada de um suposto caso extraconjugal.

Captados pela direção de fotografia de Thomas E. Ackerman, os personagens da comédia dramática oscilam entre o brilho de uma iluminação contemplativa e o tom opaco nos momentos de desânimo. Sharon Stone, captada em seus melhores ângulos, exala uma sensualidade contida, pulsante, mais brilhante por conta do carisma de seu personagem e de seu talento enquanto atriz. Aqui ela inspira os cineastas e nos inspira, enquanto espectadores. Com trilha sonora assinada por Elton John, A Musa peca no ritmo, mas não estraga o processo. Para uma história com um pouco mais que uma hora e meia, esperamos uma dinâmica mais empolgante, mas Albert Brooks parece ter orientado o editor Peter Teschner a manter uma sequenciação de fatos dramaticamente válidos, mas levemente letárgicos, algo que pode causar impaciência.

Tal como a fotografia, o design de produção de Dina Lipton revela muito sobre os personagens. A maioria das cenas ganham execução em cenários já prontos, apenas reajustados, como quartos de hotel e fachadas externas de pontos conhecidos da cultura cinematográfica hollywoodiana, ponto de partida da crítica realizada por Albert Brooks, cineasta, dramaturgo e ator que não pode fugir das ressonâncias de Woody Allen em seu modo de executar o próprio texto. Há bastante do realizador novaiorquino em A Musa, seja no estilo visual ou nas estratégias de desempenho dramático do roteirista Steven Phillips. Ele, um homem com 17 filmes no currículo, encontra-se alijado do cenário cultural que teve as suas contribuições, mas agora o oprime. Será com a sua esposa e os novos negócios que as coisas ganharão rumos diferentes.

Ao tropeçar no próprio sucesso, o roteirista perceberá que a sua musa tão cara funciona, mas ela “ilumina” a sua vida por outras vias inesperadas. O mistério diante da personagem enigmática é um dos melhores pontos. Seria mesmo uma enviada de Zeus, musa inspiradora pronta para a transformação em seu esquema criativo? Ou a musa nada mais é que uma paciente com transtorno de personalidade, fugitiva, numa existência “diaspórica”, numa fuga dos psicanalistas que pretendem mantê-la aprisionada? Mas afinal, ela inspira ou tudo é apenas um delírio coletivo de pessoas envolvidas nos esquemas ilusórios da indústria cinematográfica, a usina dos sonhos que desde os eventos mais remotos do século XX, ajudou o coletivo a suportar a dura existência numa sociedade solapada pelas pressões do capitalismo? Fica a reflexão.

A Musa (The Muse) – EUA, 1999
Direção: Albert Brooks
Roteiro: Albert Brooks
Elenco: Albert Brooks, Andie MacDowell, Jeff Bridges, Sharon Stone, Martin Scorsese, James Cameron
Duração: 102 min.

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