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Crítica | A Noite Devorou o Mundo

por Luiz Santiago
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Baseado no livro La Nuit a Dévoré Le Monde (2012), de Pit Agarmen — pseudônimo de Martin Page — este longa-metragem francês nos conta a história de Sam (Anders Danielsen Lie, extremamente simpático e segurando muito bem o filme nas costas), um escritor de 36 anos, solitário e anti-social, que se vê no meio de um apocalipse zumbi. Essas informações nos são cedidas logo no início da fita, onde vemos o personagem em uma festa no apartamento da ex-namorada Fanny (Sigrid Bouaziz) e se tornam muito importantes para entendermos Sam, algo a que nos agarramos fortemente, porque é a única parte do texto que contextualiza o personagem para o público, falando, mesmo que rapidamente, sobre sua vida, gostos e comportamentos diante de hostilidades.

Há uma pequena cena no início da aventura que dá o tom do que estava por vir. Sem estardalhaço, no meio da festa, em um mundo absolutamente normal, Sam vê alguém vomitando violentamente no banheiro, além de uma porta batendo de uma forma bastante peculiar… O espectador sabe que tem algo errado ali. Sabe que estes são alguns dos indícios da contaminação que tomará conta do lugar, terminado com Sam no apartamento, sozinho, em uma Paris infestada de zumbis.

A direção de Dominique Rocher mostra uma boa visão sobre a cartilha do gênero. O ato inicial traz a exploração básica do espaço do prédio, a neutralização do ambiente com o isolamento de uma casa com uma família zumbi, a obtenção de uma espingarda e a relação inicial com Alfred, o zumbizinho camarada muito bem interpretado por Denis Lavant. Embora tenha me incomodado o trato romantizado que o roteiro dá a essa criatura na reta final do filme, a “relação” prévia dele com Sam é elogiável, especialmente porque coloca em cena um ponto curioso da concepção desses zumbis, que podemos ver de perto: eles não fazem aqueles grunhidos típicos e isso tem um peso bem grande na psicologia do público.

Aliado à sábia exploração do silêncio pelo diretor, vemos Sam passar os dias com medo e tentando sobreviver da maneira mais aceitável possível. A composição de planos nessa fase é muito boa. A música vira um passatempo constante, mas isso não evita que o protagonista seja fortemente atacado pela solidão, que aos poucos faz com que tenha alucinações. Ou será que não? Enquanto toda a primeira parte da obra se estrutura de modo ágil e sem caprichos, beneficiada por boas ideias do roteiro e pela linha quase passiva de sobrevivência de Sam, a segunda parte vem com uma quebra pouco importante. Em tese, essa interferência deveria ser boa, mas o sequenciamento dos fatos não nos permite acessar as emoções pretendidas pelo texto, logo, não nos chocamos com o final. E “chocar” ou talvez “emocionar” formam as tentativas dessa camada do texto. É por isso que o que vem depois já não impressiona tanto o público.

À parte a excelente sequência de tensão no prédio, nas últimas cenas do filme (me lembrou uma soberba história do Senhor Milagre chamada The Paranoid Pill) e um pouco da retomada do espírito do primeiro bloco, o encerramento de A Noite Devorou o Mundo não consegue nos trazer de volta para a obra. A perspectiva para o futuro do personagem é um ponto curioso, mas a bagunça no ritmo, do meio para frente da trama, cobra o seu alto preço no parcial esvaziamento de algo que começou muito bem, mas se perdeu no caminho. Ainda assim, o filme é um exemplar bastante válido no meio das histórias de zumbi e com certeza deve constar na lista dos simpáticos ao gênero. Não existem inovações definitivas na película, mas o tratamento diferenciado para alguns aspectos desses monstros (com boa maquiagem, embora nada tão assustador) é algo que merece ser visto.   

A Noite Devorou o Mundo (La nuit a dévoré le monde) — França, 2018
Direção: Dominique Rocher
Roteiro: Jérémie Guez, Guillaume Lemans, Dominique Rocher (baseado na obra de Pit Agarmen)
Elenco: Anders Danielsen Lie, Golshifteh Farahani, Denis Lavant, Sigrid Bouaziz, David Kammenos
Duração: 93 min.

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