Home LiteraturaAcadêmico/Jornalístico Crítica | A Noite Em Que a Marvel Fez o Mundo Chorar, de Eduardo da Silva Pereira

Crítica | A Noite Em Que a Marvel Fez o Mundo Chorar, de Eduardo da Silva Pereira

Um texto que faz chorar, mas não pelas razões certas...

por Ritter Fan
744 views

Quem lê ou leu quadrinhos com assiduidade certamente pode enumerar momentos marcantes e inesquecíveis em suas HQs preferidas, seja de qual editora for. No meu caso, o momento que mais me chocou e, em tenra idade, deixou-me realmente perturbado por muito tempo, aconteceu em O Espetacular Homem-Aranha #121, quando publicado pela segunda vez no Brasil, pela RGE, em Homem-Aranha #18, de junho de 1980. Nesta edição do Amigão da Vizinhança, Gerry Conway no roteiro e Gil Kane na arte mataram Gwendolyne “Gwen” Stacy, a bela e loiríssima namorada de Peter Parker na história intitulada A Noite Em Que Gwen Stacy Morreu.

No entanto, mais do que sua morte em si, o que realmente choca é como ela acontece. Afinal, apesar de arremessada da Ponte do Brooklyn pelo Duende Verde, o que realmente a mata é o momento exato em que o Aranha, lançando a teia para salvá-la, quebra seu pescoço quando a queda é bruscamente interrompida, algo que é indicado pela discreta onomatopeia “snap!” na cor branca ao lado da cabeça da jovem (o verbo to snap, em inglês, significa, neste caso “quebrar“). Arrisco dizer que nada tão cruel foi feito antes nos quadrinhos e tenho dificuldade de lembrar de algo mais insidiosamente cruel depois. Para todos os efeitos, foi um marco absoluto para as editoras mainstream, mesmo considerando a bagunça que se seguiu a isso em relação à personagem morta.

Escrevi os dois parágrafos acima para justificar algo muito prosaico, mas importante: quando, passeando por minha livraria favorita, vi o rosto choroso de Gwen Stacy na capa de um livro intitulado A Noite Em Que a Marvel Fez o Mundo Chorar, minha reação imediata foi adquiri-lo sem qualquer outra consideração entrando em minha cabeça no momento. Somente em casa parei para ver quem era o autor, ler a contracapa e as “orelhas” e, ato contínuo, devorar a obra inteira, de cabo a rabo, em uma uma sentada só.

No entanto, apesar do número acanhado de páginas e da inclusão de imagens, essa “uma sentada só” não foi fácil e eu só realmente consegui porque sou teimoso e por acaso tinha tempo livre. Na verdade, foi um esforço hercúleo “devorar” o livro escrito pelo cearense Eduardo da Silva Pereira e editorializado por Gonçalo Junior simplesmente porque A Noite Em Que a Marvel Fez o Mundo Chorar é, infelizmente, não mais do que uma ótima ideia demolida por um texto muito – mas muito – mal escrito, seja sob o prisma da concatenação de ideias, seja sob o prisma de gramática mesmo.

A pesquisa histórica do autor é muito boa, valendo especial destaque para a forma como ele articula os detalhes dos conflitos internos na editora sobre como abordar a vida amorosa de Peter Parker. Esse aspecto funciona no livro e merece comenda, mas, mesmo quando funciona, o texto é crivado de repetições, com parágrafos que falam a mesma coisa que duas páginas antes, só que de forma levemente diferente, dando incômodas impressões – mais do que apenas impressões, na verdade – de déjà vu e apontando para um trabalho de editoração pouco atento.

O problema macro vem com força quando o autor começa a tentar exprimir sua opinião sobre o ocorrido e, principalmente, sobre a importância dessa história para o mundo dos quadrinhos. Em seu arrazoado, ele derrapa diversas vezes, mostrando-se incapaz de bater o martelo ou mesmo de apontar, ainda que levemente, o caminho que talvez seja o de sua preferência. Ora vemos o texto concordar com Stan Lee na linha de que matar Gwen Stacy foi um erro, e ora ele eleva a decisão de Conway a algo corajoso, necessário mesmo para aquele momento editorial na Marvel Comics. Por diversas vezes me peguei lembrando do famoso personagem Múcio, criado por Jô Soares, que se recusa a assumir uma posição sequer, mantendo-se eternamente em cima do muro. Não saberia dizer se essa foi uma escolha deliberada do autor ou, apenas, outra demonstração de sua inabilidade em escrever o que pensa de maneira lógica e concatenada.

Além disso, em determinada altura do livro que, como já disse, é curtíssimo, o autor começa a abordar a recusa da editora mexicana à época da publicação original da história, em matar Gwen Stacy, levando as HQs do Aracnídeo, por lá, a ignorarem o ocorrido nos EUA, com linhas narrativas próprias que, inclusive, levaram à sexualização ainda mais exacerbada da personagem. Isso realmente aconteceu e seu valor como anedota e como prova do quão chocante foi a morte de Gwen Stacy é inegável, mas Eduardo da Silva Pereira transforma esse evento em seu capítulo próprio, detalhando algo que poderia ser abordado em apenas meia dúzia de parágrafos, deixando evidente que ele não tinha assunto realmente relevante para tratar.

E, por último, há os problemas do texto em si além das repetições não eliminadas pelo trabalho editorial. Vírgulas existem em profusão quando são desnecessárias e desaparecem quando sua presença é importante para a compreensão do sentido do texto. Além disso, o estilo narrativo oscila entre o formal e o informal, como se o texto tivesse sido escrito em dois momentos muito diferentes da vida do autor e jamais harmonizado. É como ler uma montanha russa tonal, no pior sentido da expressão.

Com isso, A Noite Em Que a Marvel Fez o Mundo Chorar é uma maravilhosa ideia sabotada por sua execução. Havia um livro potencialmente excelente em sua concepção que, infelizmente, se transformou em uma obra complicada de ler graças a um texto que precisava ser completamente repensando e reestruturado para ter a mínima chance de funcionar para além de uma curiosidade frustrante.

A Noite Em Que a Marvel Fez o Mundo Chorar (Brasil, 2022)
Autor: Eduardo da Silva Pereira
Editora: Editora Noir
Páginas: 144

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais