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Crítica | A Obra do Século

por Guilherme Coral
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estrelas 4

A Guerra Fria teve seu fim há mais de vinte anos, deixou para trás como legado a corrida armamentista e espacial, além, é claro, de algumas repúblicas socialistas, que perderam sua grande irmã, a URSS. O que pouco, ou quase nada, é nos mostrado são os impactos dessa dissolução na vida de centenas de milhares de pessoas. Adeus, Lenin! seria um exemplo de obra cinematográfica com esse enfoque, mas não consegue trazer um naturalismo tão perturbador quanto aquele de A Obra do Século, segundo longa-metragem do diretor cubano Carlos Machado Quintela, um filme verdadeiramente arrebatador.

O cenário é a província de Cienfuegos, Cuba. Em 1980 a União Soviética dera início, no local, a uma construção faraônica de uma usina nuclear, empregando, portanto, milhares de trabalhadores que passariam a viver em uma cidade construída ali especificamente para eles. Os anos se passaram, contudo, e a Guerra Fria acabou, o muro caiu e a obra foi abandonada, deixando para trás um gigantesco elefante branco inacabado e uma cidade fantasma. Ali vivem Otto (Mario Balmaseda), Rafael (Mario Guerra) e Leo (Leonardo Gascón) – avô, pai e filho, órfãos do que poderia ter sido e da prosperidade prometida a eles tantos anos atrás.

O que mais nos chama a atenção em A Obra do Século é tom distópico de todo aquele local, trata-se de uma grande desolação, uma verdadeira cidade fantasma onde as ruas são preenchidas somente pelo vazio. A decupagem de Quintela procura deixar esse aspecto claro, empregando planos abertos nas tomadas externas – todas em tempo nublado, é claro -, em geral enquadrando a cúpula da usina abandonada. Uma imagem separada do filme mostrada para alguém que não o assistiu o faria jurar que se trata de um cenário pós-apocalíptico. E, de certa forma, essa é a realidade apresentada no longa-metragem – o pós-apocalipse da URSS.

Em contraposição com os planos gerais externos, dentro do apartamento da família na qual a obra é centrada, temos enquadramentos fechados, que tornam clara a claustrofobia de toda aquela situação – pessoas presas não só nessas moradias, como ao passado do qual fizeram parte. A desolação que vemos no ambiente à volta se alastra, portanto, para suas próprias essências, conforme demonstram a efemeridade e falta de propósito de suas próprias vidas naquele momento. Pequenas brigas familiares escalam para demonstrações claras de angústia, conforme buscam preencher o vazio presente em suas almas.

Os três personagens centrais são, evidentemente, beneficiados em sua construções por sinceras atuações que, em ponto algum, nos fazem duvidas que estamos diante, de fato, de pessoas reais. Percebemos em seus olhos uma triste nostalgia, esta, amplificada ao máximo pela fotografia em preto e branco, que mantém toda a narrativa presa nos anos 1980. Curiosamente, as imagens de arquivo da época na qual a construção ainda estava ativa, que nos são mostradas vez ou outra ao longo do filme, estas à cores, soam mais como o futuro que, de fato, o passado. São os tempos dourados daquela cidade e o contraste entre as duas épocas criam um tom claro de estagnação, coroado por um sensacional desenho de produção, que sabe aproveitar as paredes mal cuidadas, a televisão antiga para exercer seu valor narrativo.

A Obra do Século é um verdadeiro testamento do impacto do fim da União Soviética sobre as pessoas. O término do conflito Leste x Oeste deixou muitas marcas, mas algumas são tão íntimas que só podem ser sentidas por aqueles que as vivem. O filme de Carlos Machado Quintela quebra essa barreira, trazendo a tona toda a dor deixada por promessas quebradas em uma história que soa mais distópica que muitas narrativas young adult que vemos por aí.

A Obra do Século (La Obra del Siglo – Cuba/ Argentina/ Suíça/ Alemanha, 2015)
Direção:
Carlos Quintela
Roteiro: Abel Arcos, Carlos Quintela
Elenco: Mario Balmaseda, Mario Guerra, Leonardo Gascón, Damarys Gutiérrez, Jorge Molina, Manuel Porto
Duração: 100 min.

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