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Crítica | A Origem da Mulher Maravilha (All-Star Comics #8, Sensation Comics #1 e Mulher Maravilha #1)

por Ritter Fan
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Um dos vértices da Santíssima Trindade da DC Comics, a Mulher-Maravilha é, sem dúvida alguma, um dos mais importantes personagens em quadrinhos já criados e a mais importante super-heroína que já singrou pela Nona Arte. Sua história editorial é ininterrupta desde que apareceu pela primeira vez em história secundária de oito páginas na revista All-Star Comics #8, só não tendo publicação própria por um breve período em 1986. Impressionantemente, porém, apesar de ter tido duas versões live-action feitas para a TV (a primeira Mulher Maravilha não foi Lynda Carter, mas sim Cathy Lee Crosby em um piloto em forma de longa-metragem produzido em 1974), a personagem jamais apareceu no cinema antes de receber papel secundário, mas icônico, em Batman vs Superman: A Origem da Justiça, de 2016.

E sua origem editorial é das mais interessantes. William Moulton Marston, um psicólogo, advogado, inventor e escritor americano que inventara o teste sistólico de pressão arterial, essencial para a criação do detector de mentiras (polígrafo) moderno, escreveu um artigo em outubro de 1940 lidando com o potencial não realizado dos quadrinhos, algo que chamou a atenção do lendário Max Gaines, editor tanto da National Periodicals quanto da All-American Publications, editoras que viriam a fundir-se para tornarem-se a DC Comics. Na capacidade de consultor, Marston acabou sendo levado a criar seu próprio super-herói, um cuja arma seria o amor e não a força bruta ou o poder de fogo. Conforme reza a lenda, porém, foi sua esposa, Elizabeth Hollowawy Marston que sugeriu que o novo super-herói fosse uma mulher já que o meio, à época, era dominado quase que exclusivamente por personagens masculinos.

Curiosamente, a inspiração física da personagem – tanto a aparência quanto parte de seus apetrechos, como os braceletes – foi Olive Byrne que, mais curiosamente ainda, era a amante de Charles Moulton (nom-de-plume de Marston), mas uma amante conhecida e aprovada por sua esposa, em um relacionamento “aberto”. A beleza, submissão e amor pela paz seriam as características da personagem, pois “todas as mulheres deveriam ser assim”, conforme raciocínio do autor. Vê-se que, muito diferente de um símbolo do feminismo, a Mulher Maravilha começou quase que como uma antítese disso, criada por um homem em relacionamento com duas mulheres e com elementos de submissão mental e física (os braceletes são lembretes das algemas das Amazonas oprimidas pelos homens). As conotações sexuais são mais do que evidentes não só nas primeiras histórias escritas por Moulton como também em suas declarações ao longo das décadas.

No entanto, a Mulher Maravilha cresceu para muito além da “prisão” à que estava sujeita inicialmente pela visão de seu criador e realmente desvencilhou-se de um simbolismo franzino, tornando-se uma personagem de real importância da busca da igualdade entre os gêneros. Ao longo das décadas de publicação ininterrupta, suas histórias marcaram e ainda marca época, misturando mitologia grega e comentários sociais extremamente importantes que ecoam mesmo fora do meio do quadrinhos.

Vamos então à trinca de histórias conectadas em revistas diferentes que formam a primeira aparição da Mulher Maravilha.

All-Star Comics #8
(dezembro de 1941 – janeiro de 1942)

Publicação bimestral da All-American Publications, a All-Star Comics tinha formato de antologia e continha histórias variadas de personagens como Flash, Gavião Negro e o Sandman original. Logo na terceira edição, a revista passou a ser lar do primeiro super-grupo dos quadrinhos, a Sociedade da Justiça da América. Na oitava edição, depois de uma longa (e chatíssima) história da Sociedade da Justiça de 60 páginas, a Mulher Maravilha é apresentada em história secundária separada de oito páginas dedicada exclusivamente a ela e escrita por Charles Moulton.

Nela, somos apresentados à Diana, princesa da Ilha Paraíso que acha o Capitão Steve Trevor, que caíra no local e estava inconsciente. Logo vemos a surpresa dela e de todas as mulheres da ilha com a presença de um homem ali e a admiração de Diana por ele desencadeia a revelação, por Hipólita, sua mãe rainha das Amazonas, da origem de seu povo e a razão de não haver homens. É importante lembrar que estamos no nascedouro dos quadrinhos, em pleno começo da Era de Ouro e as técnicas narrativas ainda não haviam alcançado a fluidez que vemos hoje em dia. Assim, essa história de origem é curiosamente contada em prosa fora de balões de diálogo, em textos longos e prolixos detalhando a batalha de Hipólita contra Hércules, a traição de Hércules que rouba o cinto mágico dado por Afrodite a Hipólita que lhe dá poderes e a submissão de seu povo ao jugo do homem até que a deusa a liberta e a leva para a Ilha Paraíso.

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Quando a narrativa se encerra, somos então levados a conhecer as razões pelas quais Trevor surgira na ilha, o que acontece de forma indireta por meio da Esfera Mágica de Hipólita que lhe conta o acontecido e a leva a consultar as deusas Afrodite e Atena, que determinam que Trevor precisa retornar ao mundo dos homens por ser muito importante ao esforço de guerra, juntamente com a mais poderosa guerreira Amazona. Mesmo proibida de participar dos jogos para determinar quem vai, Diana participa mascarada e, claro, vence seus pares, recebendo a vestimenta clássica de Mulher Maravilha de Hipólita.

A grande verdade é que, por mais interessante que sejam as menções à mitologia grega e o próprio inicio da mitologia da personagem, a história de Moulton tem cadência extremamente falha e uma enorme quantidade de texto expositivo que torna difícil a leitura e quebra o ritmo diversas vezes. A arte, que ficou ao encargo de Harry G. Peter é, por outro lado, surpreendentemente detalhada, com belas expressões faciais e bons movimentos corporais, ainda que o texto de Moulton não permita espaço para ele trabalhar seu desenho com verdadeira propriedade.

O valor histórico de All-Star Comics #8 é inegável, mas sua execução deixa muito a desejar e sua personagem principal não lembra muito a icônica Amazona que um dia seria.

Curiosidades:

  • Primeira aparição de Diana (sem sobrenome);
  • Primeira aparição de Steve Trevor (inconsciente todo o tempo);
  • Primeira aparição de Hipólita, Rainha das Amazonas e mãe de Diana;
  • Primeira aparição dos braceletes (que são usados para desviar tiros de armas em competição das Amazonas);
  • Primeira aparição do uniforme da Mulher Maravilha, mas com saia no lugar do “maiô” mais famoso;
  • Primeira aparição da Ilha Paraíso;
  • Primeira menção à origem das Amazonas (não de Diana).

Autor: Charles Moulton (William Moulton Marston)
Arte: Harry G. Peter
Editora: All-American Publications
Páginas: 8

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Sensation Comics #1
(janeiro de 1942)

A história timidamente iniciada em All-Star Comics #8 tem continuação direta em Sensation Comics #1, publicação feita já sob a marca DC Comics e que tem a Mulher Maravilha na capa. Nela, vemos Diana levando o ainda inconsciente Steve Trevor de volta para os EUA em seu avião invisível e, uma vez lá, ela exibe suas habilidades ao frustrar um assalto e é arregimentada por um empresário ladrão para aparecer em um show de variedades de sucesso. Da mesma forma, para ficar perto de Trevor, ela assume a identidade de Diana Prince, enfermeira militar do hospital onde ele se encontra.

Em termos narrativos, muito pouco acontece na história além da revelação para o mundo da existência da Mulher Maravilha (ela ganha esse nome pelos jornais, ainda que sua própria mãe chame as Amazonas de “Mulheres Maravilha”). Sim, ela ajuda Trevor a lidar com a avião nazista que o fizera chegar à Ilha Paraíso, eliminado essa ameaça e a dinâmica de identidade secreta passa a funcionar, com Diana concluindo que ela é sua própria maior concorrente, já que Trevor parece enfatuado pela Mulher Maravilha, mas pouco liga para sua versão “normal” em frente a ele.

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A arte é novamente de Harry G. Peter e, desta vez, ele tem espaço para trabalhar seus ótimos desenhos em sequências de ação com primeiros planos bem detalhados e muito dinâmicos. Ele foge de close-ups e, com isso, os personagens ganham rostos mais genéricos, mas a Mulher Maravilha, foco de suas atenções, é perfeitamente reconhecível a todo o momento, com sua “versão enfermeira” claramente inspirada por Clark Kent, alter-ego de Superman em Action Comics. Bem no estilo da época, há uma profusão de pequenos quadros, jamais splash pages, que tornam didática a ação, mas que Peter sabe navegar sem maiores problemas, mantendo fluida a narrativa de Moulton.

Com mais espaço para trabalhar a heroína, Sensation Comics #1 é o que sua primeira aparição poderia ter sido.

Curiosidades:

  • Primeira aparição do avião invisível (chamado primeiramente de avião “transparente”);
  • Primeira vez que Diana adota a identidade secreta de Diana Prince, enfermeira militar;
  • Primeira demonstração de super-força e super-velocidade;
  • Diana é batizada como Mulher Maravilha pelos jornais.

Autor: Charles Moulton (William Moulton Marston)
Arte: Harry G. Peter
Editora: DC Comics
Páginas: 16

Mulher Maravilha #1
(maio de 1942)

Apesar de ser a principal atração da Sensation Comics, a Mulher Maravilha fez sucesso suficiente para, ainda em maio de 1942, ganhar título próprio, com seu nome na capa e dedicado somente à ela. E o que Charles Moulton faz? Ele reescreve a origem de sua heroína, emprestando muito mais detalhes não só à origem das Amazonas, como à criação em barro da própria Diana por sua mãe Hipólita, cuja vida é dada pela deusa Afrodite. E é muito interessante notar como essa origem permaneceu razoavelmente imutável até Brian Azzarello alterá-la nos Novos 52, em 2011. Isso é só um atestado da força da criação de Moulton.

Essa primeira história condensa e levemente altera os acontecimentos das duas publicações anteriores, consolidando o passado da Mulher Maravilha e permitindo que novos leitores simplesmente passassem a ler desse número, sem precisar recorrer aos anteriores, prática, aliás, muito comum hoje em dia pelas grandes editoras. Mas a revista, de 57 páginas, contem, ainda, três outras histórias da Amazona, todas bem no estilo dos anos 40.

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Fugindo de abordar a 2ª Guerra Mundial, política padrão da DC Comics, Diana tem que lidar com mortes misteriosas de elefantes em um circo. A ameaça é extremamente terrena, com vilões que acostam e chantageiam domadores burmeses que adoram os elefantes como deuses. A história serve muito mais como premissa para a introdução da gorducha Etta Candy, personagem que se tornaria amiga de Diana e uma aparição constante em suas histórias. É interessante notar como o tema “sadomasoquismo” se faz presente com constância nas histórias de Moulton, com a Mulher Maravilha sendo sua própria “dama em perigo” que ela mesmo salva, sempre aparecendo amarrada, acorrentada e, no caso dessa história, até mesmo usando uma coleira.

Na terceira história, a Mulher Maravilha enfrenta espiões nazistas na costa americana lidando com sua primeira vilã recorrente, a Baronesa Paula Von Gunther. A ameça é em solo americano, novamente evitando que a heroína vá à guerra propriamente dita, ainda que ela recebe o título honorário de coronel ao final. Finalmente, na quarta e última história, Etta Candy pede que a Mulher Maravilha ajude seu irmão Mint, um cabo no exército americano, que foi atacado por espiões no Texas. A história é basicamente uma repetição da anterior, mas com sabores sulistas americanos e o inevitável uso de mexicanos-clichê.

Curiosidades:

  • Primeira vez que a criação de Diana por Hipólita é revelada;
  • Primeira vez (junto com o #5 de Sensation Comics) que a saia da Mulher Maravilha é trocada por um short.

Autor: Charles Moulton (William Moulton Marston)
Arte: Harry G. Peter
Editora: DC Comics
Páginas: 57

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