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Crítica | A Origem do Raio Negro (Black Lightning #1 a 4)

por Luiz Santiago
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Jefferson Pierce, o Raio Negro (Black Lightning) da DC Comics, apareceu pela primeira vez já em seu título próprio, em setembro de 1977, em uma história escrita por Tony Isabella (que é o criador solo do personagem, pois já trabalhava nele bem antes de o propor para a DC) e ilustrada por Trevor von Eeden, que foi quem deu o visual final para o herói. Naquele ponto dos anos 1970, a Marvel tinha uma vantagem considerável sobre a DC em termos de relevância verdadeira para super-heróis negros, tendo colocado em suas páginas o Pantera Negra (1966), Falcão (1969), Luke Cage (o primeiro super-herói negro a ter o seu próprio título em uma grande editora, em 1972), Blade (1973) e Tempestade (1975), enquanto a Casa das Sombras tinha John Stewart (que surgiu 1971, mas vestia um manto já muito bem estabelecido na editora por personagens brancos, logo…) e então, Raio Negro em 1977.

A própria história editorial de Black Lightning tem a ver com esse olhar da editora para a outra grande etnia que integra essencialmente a população americana e, após o escanteamento daquela que foi possivelmente a pior, mais estúpida e mais ofensiva ideia que alguém já teve na história dos quadrinhos (falo disso logo abaixo), Tony Isabella apresentou ao Editor-Executivo da DC na época, Joe Orlando, “um personagem negro que não fosse ofensivo” e tendo gostado da ideia, o chefão nomeou Jack C. Harris para editorar a primeira fase de publicações do herói, que já começou com um título solo e, embora não tenha sido nenhum colosso de vendas (durou apenas 12 edições), ao menos tinha alguma coisa a ver com a população e o ambiente urbano que deveria representar.

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Quem tem medo do Raio Negro?

[…] possivelmente a pior, mais estúpida e mais ofensiva ideia que alguém já teve na história dos quadrinhos…

ou…

The Black Bomber

Já falamos aqui sobre John Stewart, certo? E sobre o fato de ele ser um importante personagem negro da DC, mas ter surgido vestindo o manto do Lanterna Verde. A necessidade de um herói negro para a DC, portanto, em idos dos anos 70, persistia. E eis que alguém tem a grande ideia de criar o primeiro super-herói negro de destaque (e inédito) da editora. Black Bomber, era o nome. E o resumo do personagem era o seguinte.

Imaginem um homem americano. Agora imaginem um homem americano que é um supremacista branco. Agora imaginem este mesmo homem sendo convocado pelo Exército para combater os porcos comunistas no Vietnã. Agora o imaginem sendo exposto a um experimento de camuflagem química que mudava completamente a estrutura de seu corpo, tudo isso com o intuito de se disfarçar na selva e poder… bem… matar mais vietnamitas com facilidade. Agora imaginem que este experimento deixa sequelas no indivíduo e a principal é esta: toda vez que ele passa por um momento de grande stress, o experimento de disfarce milagrosamente se ativa e ele se torna o… BLACK BOMBER, um super-herói negro com um uniforme parecido com o do time de basquete Harlem Globetrotters.

Está em choque? Pois bem, ainda não acabou.

Quando o stress diminui, o BLACK BOMBER “volta ao normal”, ou seja, volta a ser um homem branco supremacista e (wait for it…) não tem memória nenhuma do que aconteceu.

Está em choque? Pois bem, ainda não acabou.

O supremacista branco tem a sua própria vida de ódio aos negros, sua namorada e seu cotidiano segregador. Ao se transformar em um super-herói negro, ele também tem sua namorada “etnicamente adequada”.

Durmam com essa.

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Sou só eu, ou este Tobias Whale está mais para Tobias Shark? E por que ele tem uma estranha escultura em madeira do Superman e do Raio Negro?

Em sua edição de estreia, Raio Negro aparece como um novato desesperado pelo que vê na sua querida cidade de Metropolis. A patrulha aos becos que o Superman não visita com a frequência que deveria e o choque de realidade que tem após se tornar professor de educação física da Garfield High School insere Pierce em uma situação de espanto, agindo bastante por impulso mas, rapidamente, tomando as rédeas do jogo com a ajuda de seu amigo e confidente Peter Gambi, que é quem modela o uniforme do Raio Negro e segue como uma espécie de guia para o novo vigilante. Já pela edição #3, o roteiro coloca pensamentos e telefonemas feitos por Gambi que nos deixam muito desconfiados sobre quem ele realmente é e se realmente está do lado de Pierce. Esta linha secundária de “inimigo ao lado” é um dos elementos centrais do roteiro nessas primeiras edições do volume.

Os momentos sem jeito do herói nos lembram muito o começo de carreira do Questão, inclusive pelo estabelecimento da “cidade contaminada”, do cada vez mais violento encontro do personagem com a realidade da periferia e pelo grande número de problemas sociais abordados no enredo. E Isabella ainda vai além em sua base narrativa. As histórias são muito bem conectadas, elencando cliffhangers funcionais e fazendo uma curiosa alternância entre presente e passado, dando informações preciosas para o leitor entender melhor o Universo de Jefferson Pierce.

Muito rapidamente sabemos que o herói está dando aula na mesma escola em que estudou, que foi atleta, que o pai foi assassinado e ele passou maus momentos ao lado da mãe, enquanto crescia. Sua entrada no mundo super-heroico ocorre pela observação da impunidade e da injustiça à sua volta, despertando-lhe uma consciência social que até algum tempo atrás ele costumava rejeitar. Já na primeira edição temos o encontro do herói com a gangue “The 100”, que fará parte da história em todo esse início, apresentando obstáculos levemente diferentes a cada revista. Infelizmente a participação de Jimmy Olsen na edição #4 e a chegada do Superman ao final dela não parece algo muito orgânico, assim como os pequenos furos de continuidade das 2 edições iniciais, principalmente para coisas que exigem uma exposição de passagem do tempo.

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Cuidado com essa abordagem jornalística aí, Clark!

Mesmo com uma arte sem muitos destaques visuais — algumas páginas duplas e grandes retângulos são os melhores momentos dos desenhos que, embora não sejam ruins, não possuem nada de especial — e com uma diagramação geral bastante bagunçada, muitas vezes atrapalhando o andamento do enredo, Black Lightning foi um marco na História da DC, oferecendo uma versão bastante satisfatória de um herói negro para a editora. Suas tiradas cômicas quase sempre ligadas às suas habilidades de atleta, a forma como o autor leva adiante a investigação em torno dos criminosos da máfia “The 100” e a vida pessoal do personagem trabalhada de maneira compassada e inteligente são características que nos deixam atentos para o próximo passo, para a próxima situação que ele precisará enfrentar. Um herói urbano, de classe baixa e negro na DC dos anos 70. Para uma editora que quase publicou BLACK BOMBER… um passo e tanto.

A Origem do Raio Negro (Black Lightning #1) — EUA, 1977
Roteiro: Tony Isabella
Arte: Trevor von Eeden
Arte-final: Frank Springer, Vince Colletta
Cores: Liz Berube
Letras: P.G. Lisa
Capa: Rich Buckler, Frank Springer
Editoria: Jack C. Harris
20 páginas (cada edição)

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