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Crítica | A Outra Volta do Parafuso, de Henry James

por Luiz Santiago
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A Outra Volta do Parafuso tem um segundo título aqui no Brasil, de uma tradução mais antiga: A Volta do Parafuso. Para os leitores desavisados, deixo claro que se trata do mesmíssimo livro. Tais diferenças no título são devido à escolha das traduções e dos editores em dois momentos distintos em que o volume foi editado no país. Dado esse recado inicial, vamos à obra.

Produção muitíssimo popular de Henry James, A Outra Volta do Parafuso se destaca por nos dar uma grande quantidade de possibilidades interpretativas, e é isso que torna a obra instigante. O autor não nos entrega nada em definitivo, inclusive termina a obra de forma seca, abrupta, sem um fechamento mais preciso sobre os fatos narrados, o que também abre espaço para questionamentos sobre a veracidade daquilo que estamos lendo. E isso em mais de uma esfera.

A história começa em uma dimensão externa, ou seja, numa roda de pessoas contando histórias de fantasmas em plena véspera de Natal. O narrador do livro, Douglas, diz que a sua história irá superar a de todos. O pensamento dele é o seguinte: se um conto desses, protagonizado por uma criança, já é “um ponto de virada” em narrativas do gênero (a expressão “the turn of the screw“, que é o título original do livro, significa algo próximo de “ponto de virada” ou “limite para a mudança“. Hoje usa-se uma outra expressão em inglês com o mesmo sentido: “the turning point“), então que todos imaginassem um conto de fantasmas com duas crianças! E é criando essa grande expectativa que Douglas anuncia a sua narrativa para dali a alguns dias, quando tiver em mãos os registros originais do que aconteceu.

O autor nos faz desconfiar dos narradores em duas grandes camadas. Primeiro de Douglas, que tem a posse desse documento/diário escrito pela governanta que viveu o caso; e depois da própria governanta, que acaba sendo o grande enigma da história, porque não sabemos se de fato esses fantasmas existiam, se ela estava influenciando e também estressando as crianças e a caseira da mansão com suas visões ou se tudo foi apenas o símbolo de algo que Henry James queria explorar através da obra: repressão sexual, fanatismo religioso acompanhado de alucinações ou mesmo disfunções mentais. Os caminhos interpretativos são muitos.

Por conta da introdução “externa”, a história demora um pouco para engatar, embora esse momento da narração não seja ruim. Ele instiga o leitor de modo bastante ativo, pois começamos a desconfiar um pouco de Douglas: se os documentos que ele vai ler são verdadeiros ou se ele realmente está lendo algo. À medida que começamos a jornada da preceptora de Flora e Miles na mansão Bly, o texto começa a ficar um pouco maçante e então segue por uma espécie de montanha russa em termos de força narrativa e boas aplicações do horror psicológico, que é a linha de costura do livro.

Os pontos de aparição dos fantasmas e toda a história de convencimento e reclamações que tem a nova governanta (filha de um pároco!) são pontos muito interessantes, com destaque para o momento em que ela se dá conta de que existem dois desses fantasmas rondando a casa, e que eles querem “corromper” Flora e Miles. O texto também deixa muita coisa em aberto quando falamos desses dois irmãos. Não sabemos o que de fato provocou a expulsão de Miles do internato e também não sabemos se Flora realmente via o fantasma da antiga governanta. A sequência no lago é uma das psicologicamente mais fortes da trama, assim como o momento final entre a governanta e Miles, que também nos abre espaço para mais de uma interpretação sobre o que verdadeiramente aconteceu ali.

Explorando de forma muito inteligente a atmosfera de medo em mais de uma fonte, Henry James ergue uma jornada de desconfiança e temor, falando de fantasmas a partir de olhares distintos e tendo, através disso, interpretações que podem variar da forma como o leitor encara esse contexto, a própria dupla narrativa e, por fim, os eventos exibidos. Uma aventura clássica com muitos lados possíveis.

A Outra volta do Parafuso / A Volta do Parafuso (The Turn of the Screw) — EUA, 1898
Autor: Henry James
Publicação original: Collier’s Weekly Magazine (27 de janeiro a 16 de abril de 1898)
Edição lida para esta crítica: Penguin Companhia (2011)
Tradução: Paulo Henriques Britto
200 páginas

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