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Crítica | A Paz, de Aristófanes

Seria o fim da Guerra do Peloponeso?

por Luiz Santiago
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As obras que Aristófanes concebeu antes de A Paz (421 a.C.) estiveram marcadas por um cenário de guerra, e mesmo que nem todas falem diretamente sobre uma temática bélica, como no caso de Os Acarnianos ou a excelente Os Cavaleiros (esta, com um foco político mais forte que o da guerra), existem algumas linhas que citam os estragos de um conflito armado, o sofrimento do povo, a falta de alimentos, a morte de pessoas inocentes, a destruição das cidades. No ano em que estreou A Paz, a Guerra do Peloponeso estava passando por uma mudança. Com a morte de Cléon (grande inimigo de Aristófanes), justamente em 421 a.C., o general e político ateniense Nícias foi responsável por fazer a paz com os espartanos, aplicando a sua ideia de resolver o conflito através da diplomacia. Embora a chamada “Paz de Nícias” só tenha durado 7 dos 50 anos previstos no tratado, ela foi antecedida por uma atmosfera de esperança e otimismo pelo futuro, que também se estendeu pelos sete anos que durou.

A introdução do problema inicial desta peça traz o elemento cômico e absurdo juntos, colocando um escaravelho do tipo que se alimenta de estrume (sim, existem vários tipos de escaravelhos: os que se alimentam de frutas, pólen e plantas. O de estrume eu conheço pelo nome de “besouro rola-bosta“) que servirá de meio de transporte para Trigeu chegar até o céu e conversar com os deuses. Ele quer explicações para tanto sofrimento na Terra. O escaravelho da peça é um guloso mimado, que aparentemente está há algum tempo sendo alimentado com vários tipos de fezes (não só de animais, mas também humanas!) e cresce a um tamanho impossível, por isso é capaz de voar da maneira mais desajeitada possível — a cena do primeiro voo é hilária, porque mistura a incapacidade desses insetos voarem elegantemente com o fato de estar levando um homem nas costas — até a morada dos deuses.

Logo de partida, temos o protagonista partindo para a ação. Ele se utiliza de um meio nada usual, fedido e desprezível para buscar algo nobre, mas ao chegar na morada dos Deuses, tem uma grande decepção. Todos fugiram para um local mais alto, e só Hermes permaneceu na antiga morada. A interação de Trigeu e do povo de Atenas com esse deus passa por muitas fases, mas a primeira delas é a melhor e a mais engraçada de todas. Aliás, a peça, como um todo, é muitíssimo engraçada em suas primeiras partes, mas perde muito do elemento cômico nas últimas partes, embora nunca deixe de ter um sentimento de alegria e otimismo dominando as ações dos personagens — não nos esqueçamos que a trama termina com o grande banquete de casamento entre Trigeu e a Abundância (Colheita).

A deusa Paz que o povo liberta da caverna, onde foi confinada pela Guerra e pela Desordem, não tem falas. Ela apenas cochicha no ouvido de Hermes, que fala para o público os sentimentos da deusa, o que já diz bastante para nós sobre essa personagem. Ela é libertada principalmente com a ajuda dos camponeses, que são as pessoas de trabalho braçal que Aristófanes louva sem medidas na peça. O poeta até zomba de outros trabalhadores responsáveis por ofícios “mais leves“, que não possuem força o bastante para puxar as pedras e libertar a prisioneira (que na verdade é a deusa Irene, também guardiã da ordem natural, da vegetação e das estações do ano). O discurso antibélico do autor está agarrado a uma possibilidade de curtir a vida após um momento social e pessoal terríveis. É um dos finais mais esperançosos e festivos das peças do autor até aqui, digno da festa que se deve fazer quando se liberta a personificação Paz de uma prisão, deixando tristes os produtores de armas e os senhores da guerra. Igualzinho aos nossos dias.

A Paz (Eirḗnē / Εἰρήνη) — Grécia, 421 a.C.
Autor: Aristófanes
Edição lida para esta crítica: LL Library; 1ª edição (24 de julho de 2013)
Tradução: Não informado.
68 páginas

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