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Crítica | A Poderosa Capitã Marvel (2017)

por Ritter Fan
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Carol Danvers tornou-se a Capitã Marvel bem tardiamente se considerarmos que a personagem, com super-poderes, existe desde 1977, e, ainda por cima, teve o azar de surgir em uma época turbulenta na Marvel Comics, em que era raro um título ganhar uma continuidade maior do que um ou dois anos, já que a editora tinha um pensamento focado em “fases” e em relançamentos constantes para ampliar a quantidade de edições #1, normalmente campeãs de venda. Com isso, para tentar organizar tudo, é importante deixar bem clara a linha temporal editorial.

E, então, chegamos à fase sob análise na presente crítica, em que a Capitã Marvel ganhou novamente um título zerado, batizado de A Poderosa Capitã Marvel (The Mighty Captain Marvel), com Margaret Stohl como roteirista. Há necessidade de uma brevíssima explicação. Esse título propriamente dito teve, apenas, 10 edições, de #0 a 9, todas publicadas em 2017. Com a entrada da fase Legado da Marvel Comics, o título foi tecnicamente cancelado e imediatamente rebatizado de Capitã Marvel, mas começando com a numeração legado #125, que é a soma de todas as edições solos de Carol Danvers, desde Miss Marvel – Vol. 1, indo até a #129, com o arco ganhando o nome Origens Sombrias (Dark Origins), ainda não publicado no Brasil e que, em encadernados americanos, é considerado com o terceiro arco da publicação A Poderosa Capitã Marvel.

No entanto, para evitar confusão, decidi analisar, aqui, somente os dois arcos mais um one-shot que foram originalmente publicados debaixo do título A Poderosa Capitã Marvel, todos já publicados no Brasil (vide ficha técnica abaixo). Aí vão as críticas:

Nação Alien
(A Poderosa Capitã Marvel #0 a 4)

Existem diversos assuntos socialmente relevantes na atualidade e um deles é, sem dúvida alguma, o êxodo de refugiados da África e da Ásia em direção à Europa e é perfeitamente razoável que essa questão seja abordada nos quadrinhos, especialmente na Marvel Comics, normalmente mais fincada em assuntos, digamos, “terrenos”. E é isso que Margaret Stohl, pela primeira vez à frente da Capitã Marvel, tenta fazer neste primeiro arco. O problema é que, no lugar de construir uma história que estabeleça as bases para serem desenvolvidas em seus roteiros, ela simplesmente inventa um êxodo de alienígenas em direção à Terra – já consolidado, aliás, com abrigos espalhados pelo mundo para recebê-los – e joga-o na história para servir de pontapé inicial. É bem verdade que a causa da onda de refugiados relaciona-se com os preparativos para a saga Império Secreto, mas o ponto é que Stohl parece não ter o cuidado necessário para lidar com o assunto.

Uma coisa é querer falar sobre um assunto importante, outra, bem diferente, é saber como. Para começar, não existe sutileza na narrativa. Troque alienígenas de diversos planetas do universo por sírios e costa-marfinenses e a situação é rigorosamente a mesma, até mesmo a caracterização dos refúgios montados pelas Nações Unidas. E, depois, no lugar de se preocupar em desenvolver essa questão, Stohl foca em uma história de cunho pessoal para Danvers, com uma garota Kree de um desses acampamentos sendo sequestrada por um misterioso metamorfo e a Capitã Marvel tendo que desvendar o misterioso, somente para reparar que, toda vez que ela chega perto da jovem, seus poderes ficam descontrolados, tornando-a volátil e extremamente perigosa, algo que, aliás, de outra maneira, foi objeto do arco inaugural de Michele Fazekas e Tara Butters logo quando a Capitã passou a ser líder da Tropa Alfa.

E, como se isso tudo não bastasse, os efeitos de Guerra Civil II, que basicamente colocou Danvers com a grande vilã de tudo, resultando especialmente no coma de Tony Stark (hoje já revertido, claro) só ganham algum relevância na edição #0 e, depois, são varridos para debaixo do tapete como se nunca tivesse acontecido. Teria sido mais honesto que as amizades que sofreram com o posicionamento idiota de Carol na saga nem tivessem sido mencionadas…

Mas, voltando à história em si, o arco é formado de clichês atrás de clichês até não poder mais e não clichês bem utilizados, mas sim literalmente arremessados na história sem cuidado, como a identidade secreta do metamorfo, o vilão por trás de tudo e, pior ainda, as motivações dele. Nesse aspecto, vale um parênteses aqui: Stohl continua uma tendência preocupante em Capitã Marvel que vem desde o primeiro run de DeConnick, que é a ausência de novos vilões realmente bem desenvolvidos. Temos que lembrar que o volume 1 de Miss Marvel introduziu vilões importantes ao cânone Marvel como Rapina, Mística e Vampira (essa última, claro, transformando-se em heroína mais tarde) e que o volume 2 também, ainda que de forma mais esparsa. Parece que todas as equipes criativas dos títulos da Capitã querem martelar o conceito de que ela é uma das mais poderosas heroínas da editora sem que ela realmente tenha que provar isso com mais do que o espancamento ocasional de asteroides.

Com isso, Nação Alien não é nem bem-sucedido em abordar a questão social que é o pano de fundo do arco, nem em contar uma história realmente relevante para a heroína, que seja mais do que apenas lugar-comum narrativo. Pelo menos a arte de Ramon Rosanas é muito boa, com um redesenho sutil, mas eficiente do uniforme e do penteado da Capitã, além de um trabalho detalhado e dinâmico, com ótimo uso de transição de quadros. Não gosto muito da forma como ele desenha o Sasquatch, mas, com o personagem (e toda a Tropa Alfa) continua não sendo muito mais do que um coadjuvante de luxo, isso não afeta o conjunto harmônico que ele cria.

Irmandade entre Mulheres
(tie-in de Império Secreto
A Poderosa Capitã Marvel #5 a 8)

Como de praxe, a Capitã Marvel sofre com um tie-in de mais uma saga, dessa vez Império Secreto. No entanto, para minha total surpresa, dessa vez o resultado foi bom, certamente o melhor tie-in até agora nas publicações solo da heroína. Não tiro o mérito de Margaret Stohl aqui, mas creio que muito da qualidade do arco é resultante da estrutura da saga de Nick Spencer, que lida com a inacreditável virada de casaca de Steve Rogers, o Capitão América, que se torna literalmente o Capitão Hidra e cujo plano de dominação mundial inclui mandar para o espaço (mesmo) os heróis mais poderosos e, portanto, problemáticos da Terra.

Para isso, em seu plano de longo prazo que vinha sendo cozinhando na publicação solo do Bandeiroso, ele atrai os Chitauri para a Terra ao secretamente esconder ovos de uma rainha Chitauri. Essa é a desculpa necessária para que um escudo de defesa planetária seja construído com o aval de Carol e que a Estação Espacial Tropa Alfa, que ela comanda, recebe a visita dos Guardiões da Galáxia (menos Drax) o dos Ultimates versão Terra-616, ou seja, Espectro (ex-Capitã Marvel), Hipérion, Quasar (Avril Kincaid), Miss América e Marvel Azul. Esses heróis, em tese, seriam os tais “indesejáveis” de Rogers, ainda que somente Hipérion e Quasar realmente possam ser considerados grandes ameaças (porque vamos combinar que a Capitã Marvel em si não se provou ainda tão poderosa quanto a Marvel Comics tenta dizer que ela é, com a exceção de sua época, há muitos e muitos anos, como Binária). Estabelecida essa situação, o escudo é ativado e a estação espacial fica desconectada da Terra completamente, tendo que ao mesmo tempo enfrentar os Chitauri e arrumar alguma maneira de destruir o escudo, algo que logo é revelado como quase impossível.

Sem dúvida alguma que o roteiro faz uso de algumas conveniências. A mais benigna dela é começar o arco com novos recrutas para a Tropa Alfa, Glory, uma jovem sem pernas que construiu suas próprias pernas mecânicas (e que lembram as de Gazelle, em Kingsman: Serviço Secreto), A’Di, uma wakandana sobrinha de T’Challa que anda com um robozinho voador (que poderia facilmente ser parente de V.I.N.CENT, de O Buraco Negro) e Dante, um garoto que… bem… é meramente genérico. Os três geniosinhos, claro, mostram-se extremamente importantes para o desenrolar do drama e acrescentam bem mais do que atrapalham. No entanto, outras conveniências cansam, como a super-poderosa Quasar, logo no primeiro ataque Chitauri, sendo abatida e mantida em coma até quase que a última página da última edição para um deus ex machina de revirar os olhos e a sensível redução dos poderes de todos por ali, mais novamente Hipérion e Marvel Azul que, aliás, quase não aparecem.

Mas, se ultrapassarmos esses problemas, a história que fica de união de um grupo desesperado que é colocado entre a cruz e a caldeirinha, com todos os conflitos clássicos que emergem daí, é bem construída, especialmente considerando que os eventos em si da saga são abordados apenas perfunctoriamente, já que a ativação do escudo impede qualquer comunicação com a Terra (e que torna muito estranho todos ali saberem que Rogers se bandeou para a Hidra, mas tudo bem…). Em outras palavras, é uma narrativa que poderia ter funcionado com ou sem a saga e esse é o segredo de seu sucesso.

A arte de Michele Bandini, que assume o lápis de Ramon Rosanas continua na direção certa, com um belo comando das sequências tumultuadas de ataques, que são repletas de personagens super-poderosos ou não. Seu comando fluido da narrativa ajuda muito para glosarmos os defeitos do roteiro de Stohl e permite uma leitura estanque, sem que pensemos muito no que está acontecendo lá embaixo na Terra, o que só beneficia o arco como um todo. No final das contas, Irmandade entre Mulheres (Band of Sisters, no original, um título que não faz lá muito sentido, devo confessar, já que há tantos homens quanto mulheres nesse mix de personagens) acaba sendo o arco que mais bem desenvolve as habilidades de liderança de Carol Danvers, funcionando sem grandes percalços apesar de ser um tie-in.

Girl’s Night
(A Poderosa Capitã Marvel #9)

Girl’s Night é um epílogo para esse breve run de Margaret Stohl, que já prepara a heroína para o arco seguinte. Seu foco é mais existencial, com Carol lidando com a culpa que sente pelas perdas ao longo de sua vida, mais recentemente a menina Kree que ela batizara de Bean (o apelido que seu pai lhe dera quando pequena), Avril Kincaid, Rhodey, Tony Stark e, claro, a Viúva Negra (chega a ser irritante pensar que três dessas mortes já foram revertidas, mas fazer o que?). Como o título indica, trata-se de uma conversa interna de Carol que tem como pano de fundo uma noite com suas amigas Jessica – Jones e Drew – que lhe fazem indagar sobre seu papel nesse cenário todo.

Não há realmente muito o que dizer dessa edição, quase um one-shot, já que ela funciona como um interlúdio apenas, sem grandes pretensões em termos de ação ou de resolução do drama interno de Carol. É o literal descanso para o leitor entre dois arcos. No entanto, chama muito atenção a arte caricata de Ro Stein e Ted Brandt que pasteuriza os rostos e os corpos, de maneira que, não fosse pelas cores dos cabelos, todas as principais personagens seriam iguais. Há um bom trabalho de diagramação, porém, com um eficiente uso de quadros e páginas para lidar com as “projeções mentais” de Carol, valendo especial destaque para quando ela tenta acertar quem é o par que suas amigas arrumaram para ela.

Girl’s Night é simpático, mas razoavelmente vazio. Uma historieta que carece de relevância, mas que pelo menos não depõe contra a personagem ou sua roteirista da vez.

A Poderosa Capitã Marvel (The Mighty Captain Marvel, EUA – 2017)
Contendo: A Poderosa Capitã Marvel #0 a 9
Roteiro: Margaret Stohl
Arte: Ramon Rosanas, Brent Schoonover, Ro Stein, Ted Brandt, Michele Bandini
Cores: Michael Garland, Marcio Menyz, Erick Arciniega
Letras: Joe Caramagna
Editoria: Sana Amanat
Editora original: Marvel Comics
Data original de publicação: fevereiro a novembro de 2017
Editora no Brasil: Panini Comics
Data de publicação no Brasil: março a setembro de 2018 (Avante, Vingadores! Vol. 3 #16 a 22)
Páginas: 22 (por edição)

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