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Crítica | A Primeira Capitã Marvel (Monica Rambeau)

por Ritter Fan
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Carol Danvers, hoje amplamente conhecida como Capitã Marvel, não foi a primeira personagem a adotar esse nome. Essa honra foi de Monica Rambeau, personagem criada por Roger Stern e pelos Romitas, com sua primeira aparição – e origem – ocorrendo na edição #16 do Anual de The Amazing Spider-Man. Diferente de Miss Marvel, a primeira persona super-heroística de Danvers, a Capitã Marvel de Rambeau não tem conexão editorial alguma com o Capitão Marvel, herói Kree que abandonou suas raízes para defender a Terra, ou seja, não é uma derivação de Mar-Vell. Ou, pelo menos, não é diretamente…

Mas, para explicar as reticências, é necessário começarmos com uma lição a jato de Direito Marcário. Em geral, o registro de uma marca torna-se vulnerável a cancelamento quando, depois de um determinado prazo, ela não é mais utilizada por seu titular (o nome técnico disso é caducidade). É assim no Brasil e é assim nos EUA, ainda que por procedimentos diferentes. Como a Marvel Comics obtivera os direitos sobre a marca Capitão Marvel (não há gênero para substantivos em inglês, pelo que estamos falando aqui de Captain Marvel, seja homem ou mulher) em razão da briga de décadas entre a DC Comics e a Fawcett Comics, com a primeira alegando que o então Capitão Marvel (hoje Shazam) da segunda era violação dos direitos autorais sobre o Superman, o que levou ao desuso da marca pelas duas rivais como expliquei em mais detalhes aqui, a editora de Stan Lee não poderia bobear mais com o nome. Como o Capitão Marvel original morrera na inesquecível graphic novel A Morte do Capitão Marvel, publicada em abril de 1982, a Marvel Comics não deixou nem o corpo do herói esfriar e arrumou um jeito de, no mesmo ano, batizar outro personagem com o famoso nome. Nasce, então, Monica Rambeau, personagem galgada originalmente em Pam Grier, então famosa por seus vários papeis em filmes setentistas da era do blaxploitation.

E foi uma escolha estranha, já que seria mais do que natural que esse título fosse justamente para Carol Danvers em razão de sua conexão com o herói Kree original. No entanto, Danvers já estava, a essa altura do campeonato, ocupada com sua segunda persona super-heroística, Binária, graças ao magnífico trabalho de Chris Claremont na Saga da Ninhada. Apesar de notoriamente sub-aproveitada ao longo dos anos 80, Danvers foi deixada de lado, já que Tom DeFalco e Jim Shooter decidiram pela criação de uma nova personagem que também reunisse outras qualidades inclusivas em termos de gênero e etnia. Como veículo para o surgimento de Monica Rambeau, eles optaram pela publicação anual do mais famoso herói da editora, o Homem-Aranha, que teve a edição integralmente focada nela com a participação, claro, do Aranha, além de vários outros super-heróis.

Mas o Amigão da Vizinhança é um mero coadjuvante em sua própria publicação, um fio condutor usado por Roger Stern para guiar o leitor pela história de Monica Rambeau, que já é apresentada logo na primeira página, de costas, com o sentido aranha de Peter Parker buzinando na cabeça dele quando a moça passa no terminal de ônibus em que ele espera seus amigos Harry Osborn e Liz Allen. Seguindo seu sentido e temendo pela segurança da mulher que ele nem conhece, já que ela anda pela região sem se preocupar com os meliantes ao redor, Parker logo deixa sua roupa civil de lado e aparece como o Homem-Aranha, somente para perceber que Monica, que é atacada por dois bandidos (claro!), não precisa de ajuda alguma. Mas, para seu azar, ela também o nocauteia logo antes de vestir seu uniforme prateado e preto, marcando a primeira vez que vemos a super-heroína completa.

(1) Capa da edição; (2) Monica Rambeau, de costas (de verde), já na primeira página; e (3) a criação do uniforme prateado e preto.

Artificialmente, Stern para completamente a narrativa e trabalha um extenso flashback de origem da Capitã Marvel que revela que ela é uma guarda costeira em Nova Orleans que recebe a visita do professor André LeClare, amigo de seu avô, que lhe pede ajuda para impedir que um ditadorzinho mequetrefe de republiqueta sul-americana use sua tecnologia para atacar os EUA. É a ajuda de Monica e a tal tecnologia de LeClare, que permite que energia de outras dimensões sejam manipuladas, que, daquela maneira usual – com raios e explosões – a transforma em um ser que consegue manipular o campo eletromagnético, transformando-se em luz, rádio etc. Como tudo acontece muito rapidamente e o plano de Monica incluía encantar os bandidos com seu corpo escultural, quando seus poderes se manifestam pela primeira vez ela está apenas de biquíni e saída de praia, o que a faz entrar em um conveniente armazém de fantasias de Mardi Gras e, com roupas que acha na primeira arara, monte seu visual esotérico, inclusive com máscara (e isso antes de ela sequer saber que tem poderes para precisar esconder sua identidade secreta).

O tsunami de clichês de origem, porém, é gostoso de ler, já que Stern imprime simplicidade e uma cadência narrativa gostosa, que consegue até mesmo explicar o porquê da escolha do nome Capitã Marvel (LeClare chama Monica desde o começo de “Mon Capitaine” e Picaro, o bandido-chefe, repete, delirante, em espanhol que “a capitã é uma maravilha”, o que gera uma manchete no jornal que a batiza de Capitã Marvel). Temos que aceitar diversas conveniências narrativas, mas elas fazem parte desse tipo de origem arquetípica de super-heróis, especialmente os da Marvel, que quase sempre segue a “cartilha Stan Lee” nesse aspecto.

Voltando ao presente, descobrimos que sua transformação em Capitã Marvel teve um efeito colateral: Monica está prestes a explodir. E é por isso que ela aparece em Nova York no começo da história – inexplicavelmente viajando de ônibus (?!?) -, pois é lá que mora o Quarteto Fantástico. Ignorando o Aranha, que continua perseguindo-a por achar que ela é perigosa, ela visita o prédio Baxter, só encontrando o Coisa por lá que, porém, a redireciona (literalmente) para a Mansão dos Vingadores onde, ao chegar, ela causa um curto-circuito no Homem de Ferro. Mas, diferente do padrão dos encontros de super-heróis, não há pancadaria entre eles, nem mesmo quando o Aranha chega esbaforido para “ajudar” o Ferroso e a Vespa contra o que ele percebe ser uma nova super-vilã. Afinal de contas, a Capitã Marvel é poderosa demais até mesmo para o Aracnídeo e o foco da história fica todo na energia excessiva que emana de seu corpo e que Stark tem que canalizar para o espaço.

A arte, que ficou ao encargo de Romitinha e de Romitão, funcionam muito bem e o uniforme da Capitã é muito inspirado, ainda que coincidentemente carregue a versão preta da mesma estrela que o Capitão Marvel original e a Miss Marvel tinham no peito, o que estabelece uma conexão distante e completamente inapropriada, já que, como mencionei no começo, a então nova super-heroína nunca teve qualquer ligação com os Marvel anteriores. Assim como o bom texto de Stern, a arte é fluida e leve, sem sobrecarregar as páginas e trabalhando bem as sequências de ação que são relativamente poucas se consideramos que é uma edição especial de 38 páginas.

Como a personagem foi criada especificamente para permitir o uso continuado da marca Capitão Marvel, a editora não tinha planos para dedicar uma publicação solo à Monica Rambeau. Quase que imediatamente, porém, ela passou a fazer parte dos Vingadores, chegando a tornar-se líder do grupo e, nos anos que se seguiram, ela assumiu outros nomes, primeiro Fóton (1996), depois Pulsar (2005) e, hoje em dia (por enquanto), Espectro (desde 2013), notabilizando-se na maxissérie Nextwave, de Warren Ellis. Mas isso fica para uma outra história…

Quem é Aquela Dama? (Who’s That Lady?, EUA – 1982)
História contida em: The Amazing Spider-Man Annual #16
Roteiro: Roger Stern
Arte: John Romita Jr., John Romita
Cores: Stan Goldberg
Letras: Jim Novak
Editoria: Tom DeFalco
Editora original: Marvel Comics
Data original de publicação: novembro de 1982
Páginas: 38

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