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Crítica | A Primeira Missa ou Tristes Tropeços, Enganos e Urucum

por Luiz Santiago
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Realizado por Ana Carolina depois de 12 anos de hiato após o lançamento de Gregório de MattosA Primeira Missa ou Tristes Tropeços, Enganos e Urucum expressa na comédia a dificuldade de se fazer cinema… em qualquer lugar, mas o foco do filme, como não podia deixar de ser, é o Brasil. Escolhendo um estilo fortemente teatral, de bastidores, cheio de afetação, diálogos anacrônicos e elementos incômodos que costuram palco, tela e metalinguagem crítica, a cineasta cria um produto difícil de agradar a todo mundo. E por uma miríade impressionante de motivos.

Um dos mais fortes aqui é certamente o tipo de escolha cômica. O cinismo aliado à crítica política ou social estiveram presentes de alguma forma na curta carreira da diretora, mas aqui ela exagera todos esses ingredientes para narrar a história de um diretor (Dagoberto Feliz) que está filmando a dramatização do quadro Primeira Missa no Brasil (1860), de Victor Meirelles. A iconografia da tela está presente, mas a intenção do roteiro não é mostrar o processo de filmagem. O propósito é justamente documentar o que impede o filme de ser realizado (sim, como em Oito e Meio), mas não para por aí. Esse impedimento serve como uma famosa “terceira opção secreta“, que é na verdade criticar, denunciar e fazer amarga comédia frente às colossais dificuldades da criação cinematográfica no país, uma espécie grito para o mercado e a Ancine.

É nessa costura entre gêneros, proposta e estética que a diretora faz a sua maior aposta, sendo bastante honesta com a intenção da obra: criar uma extrapolação das personas típicas do mercado cinematográfico no país e, como já se prevê, perder uma grande parte dos espectadores no meio do caminho. E por mais que a diretora tenha escolhido retratar essas coisas todas de um modo que não é comum ou que claramente não está para todos os gostos, é praticamente impossível, mesmo para os ferrenhos desafetos da película, não enxergar a mensagem e as intenções por trás da zorra metalinguística que é este filme.

Para mim, se houve alguma dificuldade de conexão com a obra, ela aconteceu nos primeiros minutos, até que viesse a quebra com a linguagem convencional do cinema. Claro que o tom irônico e evidentemente deslocado denunciava a chacota com o estilo de filme histórico-político frequentemente realizado por aqui (alfinetada na diretora nela mesma, que fez Getúlio Vargas em 1974), mas não foi algo que definitivamente me fez comprar o projeto de cara. Quando o primeiro “corta!” veio e o início da saga de impedimentos para a criação da obra foi anunciada, aí sim o projeto ganhou asas e só cresceu a partir de então.

O desprezo de brasileiros pelo cinema brasileiro (e os possíveis motivos para isso), a exaltação máxima do modelo hollywoodiano (com a aproximação da nossa violenta saga colonizadora ao faroeste) e insistência nos piores clichês geradores de público (nudez, sexo, alienação e didatismo) o filme olha não só para a preocupação com toda a máquina estatal e privada que cobram e ao mesmo tempo desencorajam a realização de um cinema nacional (em prol de um cinema dito “Universal” mas que na verdade é cópia da cópia da cópia das grande bilheterias), mas para os criadores e artistas que, em diferentes escalas de competência, sentem essas pressões e precisam se adequar às absurdas regras, nem que seja por muito dinheiro. Ou isso, ou simplesmente não trabalham. Um filme sobre uma realidade assustadoramente longeva de nosso cinema, e que pode piorar, quanto mais fascista e anti-cultural se caracterizar o governo.

A Primeira Missa ou Tristes Tropeços, Enganos e Urucum (Brasil, 2014)
Direção: Ana Carolina
Roteiro: Ana Carolina
Elenco: Fernanda Montenegro, Rui Unas, Marcantonio Del Carlo, Alessandra Maestrini, Arrigo Barnabé, Pedro Barreiro, Beto Coville, Tuna Dwek, Dagoberto Feliz, Rosa Grobman, Rita Lee, Xuxa Lopes, Oscar Magrini, Mariano Mattos Martins, Wagner Molina, Andrea Richa, Ricardo Silva
Duração: 90 min.

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