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Crítica | A Primeira Noite de um Homem

por Gabriel Carvalho
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“Sra. Robinson, você está tentando me seduzir. Não está?”

Contém spoilers.

A Primeira Noite de um Homem, antes de qualquer adjetivo mais pomposo, é um forte representante de sua própria geração e precisa ser entendido dentro de seu contexto particular, para uma compreensão da imensidão do impacto que carrega. O lançamento do longa-metragem anunciou, assim como Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas e outras produções da época – Sem Destino, por exemplo -, o começo de uma revolução cinematográfica dentro de Hollywood como antes conhecida – o cinema clássico de outrora. A partir daquele ponto, a Nova Hollywood possuía muitas das qualidades da aclamadíssima Nouvelle Vague francesa. Os roteiros menos burocráticos e o cinema mais autoral eram urgências por si só, mas o movimento carregava consigo muito do reflexo do que a sociedade americana era na época. A contracultura estava no seu auge, e portanto, o pessimismo também. A desilusão em seu estado mais eufórico. A obra de Mike Nichols possui, de sobra, um pessimismo tão óbvio quanto latente – algo que, ironicamente, os pessimistas clamam por ser um realismo, tão realista quanto pungente. Nada, de fato, é verdadeiro sobre os nossos sentimentos, porque a ocasionalidade é um contragosto da esperança, mas não um real impedimento dela. Quando o ônibus, em derradeira sequência, finalmente deixar os seus passageiros onde eles quiserem ser deixados, guiados, até o destino escolhido, por uma grande máquina de metal, qualquer coisa pode acontecer, mas não sejamos ingênuos.

O som do silêncio não permite ingenuidades. Mike Nichols anseia por contrariar as esperanças juvenis. Os primeiros versos da canção “The Sound of Silence”, de Simon & Garfunkel – “Hello darkness, my old friend / I’ve come to talk with you again (Olá escuridão, minha velha amiga / Eu vim conversar novamente com você)” -, embalando o começo do filme, nos dão um gostinho, ainda desencontrado, do que estaremos apreciando no restante da produção, uma obra atípica para um tempo atípico. A escuridão, o desamparo, como um personagem maior do que qualquer ser humano de nossas vidas. A incredibilidade de como nos negligenciamos e nos deixamos cair em expectativas que o próprio longa já faz questão de extrair é o grande truque dessa passagem inicial, passada despercebida por amantes pelo amar, acreditando em uma jornada redentora, mesmo diante de uma na qual o protagonista, um jovem como qualquer outro, pronto para sonhar e se despedaçar em tristeza, é meramente carregado pela esteira, adiantando o contexto dos acontecimentos que o nortearão – outros lhe dizendo o que é o futuro, outros lhe dizendo o que é sexo, outros lhe dizendo o que é o amor. Caso não sejam outros, seus impulsos menos racionais estarão presentes para frustrar pensamentos lógicos, um verdadeiro domínio da vida que levamos. Ninguém mais acreditará em felizes para sempre depois que essa música, por fim, tocar pela última vez. A escuridão será, para sempre, referenciada.

A encantadora Sra. Robinson (Anne Bancroft), casada e cheia de arrependimentos prévios, apresenta-se em um jogo de sedução ao jovem recém-graduado Benjamin Braddock (Dustin Hoffman). O garoto, desorientado devido a pressão familiar pós-faculdade, acaba por se engraçar nos charmes da mulher. Os plásticos não são suficientes para os encantos de uma descoberta sexual, em meio, historicamente, a justamente uma poderosa revolução sexual no continente norte-americano. Braddock é simplesmente carregado pelos objetivos da mulher, como também se carregaria, ironicamente, pelo precipício de seus impulsos. O roteiro de Calder Willingham e Buck Henry, derivado do romance de Charles Webb, adota, para si, a efemeridade das relações; a busca por respostas precipitadas; a tomada de decisões futuramente prejudiciais. A juventude está florescendo, amadurecendo perante o mundo. Dustin Hoffman, intérprete do protagonista, é a certeira escolha, por parte dos responsáveis pela obra, para personificar essa juventude. Mesmo apenas seis anos mais novo que Anne Bancroft, Dustin encarna perfeitamente o papel que lhe foi conferido, imprimindo uma verdadeira e simpática imagem de menino abobalhado. Quando em cena, os dois atores, que formam o – primeiro – casal proibido do longa, exalam uma química monstruosa e subversiva, refletida do sentimento de que algo está errado/e de que algo vai dar errado. A esteira não permite decisões distantes de uma uniforme reta.

A evolução do personagem, entretanto, é a ilustração definitiva da gigantesca competência de Hoffman, muito além da sua divertida – e encobertamente depressiva – caracterização inicial, protagonista tímido e perdido em um mundo completamente novo para ele. Para onde essa geração de jovens, sem nada para se guiar, se encaminhará? A relevante transformação acontece por meio de uma importante reviravolta pela metade da trama, após Ben ser obrigado, por seus tradicionais pais, a sair com Elaine (Katharine Ross), filha da Sra. Robinson. O personagem, novamente, é ordenado a algo, sem direito opinativo, movido por uma coerção empregada por outros. O relacionamento de Ben com a Sra. Robinson, evidentemente, colocava uma barreira entre o garoto e a garota – uma barreira que, subitamente, para complicação de todos os envolvidos, acabaria por ser derrubada. O rosto choroso de Katharine Ross, diante das atitudes propositalmente desgostosas do personagem de Hoffman, tentando comprometer o encontro, destrói o comportamento ácido do jovem, quebrando com a esteira que movimentava as suas ações até então. O futuro não é mais os plásticos, como apontou algum amigo da família não associável. O futuro não é mais apresentado por um outro alguém. O beijo sela a origem de um novo amor, ainda mais proibido que o primeiro, mas autoral, próprio, dando margem à fecundação de um belíssimo felizes para sempre, porque, agora, Benjamin tem as cartas em sua mão.

“Elaine! Elaine!”

As coisas mostram-se ainda mais complexas do que esperávamos. O maior símbolo de A Primeira Noite de um Homem, apesar de todos esses fatores, representante ímpar de muita da importância carregada pela obra para a arte cinematográfica, é, no final das contas, o seu famoso final, necessariamente contraditório dos entendimentos iniciais – e superficiais – da jornada que estava sendo trilhada, dessa subversão ainda ingênua por parte do protagonista. O tecimento de comentários sobre a conclusão, da interpretação mais óbvia aos significados mais profundos, mostra-se imprescindível para que entendamos a magnitude dada ao filme e à linguagem cinematográfica, ao menos, como entendida, naquela época, em território norte-americano, pelas grandes produtoras. A garota por quem Ben decide permanecer junto, Elaine, acaba descobrindo a verdade sobre o relacionamento do jovem – agora, muito mais um homem – com sua mãe, desencantando, rapidamente até, do rapaz que, ainda apaixonado pela menina, ruma atrás dela, em direção a Berkeley, onde se encontra estudando. A chama do amor reacende, assim como as complicações, dando origem a um casamento forçado entre Elaine e Carl (Brian Avery), em uma interessante e divertida corrida contra o tempo. Aos gritos pela mulher que acredita verdadeiramente amar, devido a seu caráter mais puro – mesmo nas deturpações -, diferentemente da outra que lhe dera a primeira noite de um homem, o casamento é interrompido.

O homem de verdade, não o entendido pela descoberta sexual, subversiva, mas meramente vaga, está formado quando o protagonista pode, finalmente, ditar suas próprias regras, seguindo seus sonhos, não os anseios de outros. Ben e Elaine fogem, em contrapartida dos desejos de todos os outros ao seu redor, em uma das cenas mais vigorosas da história do cinema, repleta de vitalidade. A quebra das barreiras, das imposições de uma sociedade necessitando de normas, da normalidade. Uma carta de amor aos que se amam independente de obstáculos. No entanto, o maior ledo engano de uma década para o cinema norte-americano. São tolos aqueles que acreditam que os felizes para sempre, necessariamente, estará presente para os pombinhos, depois que aquele ônibus, uma possibilidade tanto para o paraíso quanto para um inferno, encontrar o seu destino. The Sound of Silence, então, retorna, como prenunciara, para embalar a transição de sorrisos apaixonados para semblantes vazios; olhares vagos e apreensivos, de duas pessoas que por um – suposto – amor abandonaram tudo. O que existe de tão apaixonante em uma relação movida, teoricamente, apenas por impulsos? A paixão do nosso “herói” é autêntica ou completamente ilusória? Os dois estão abandonando suas vidas passadas, mas Benjamin não possui um emprego, nem Elaine deterá do auxílio de sua família. A mesma narrativa contada pela Sra. Robinson, sobre seu passado, agora encontrada em uma depressiva condição mental.

O destino é muito mais nublado do que esperávamos. O que acontece, subvertendo completamente a mentalidade cinematográfica da época, é a mudança do discurso transmitido por uma obra, ainda mais sendo o filme uma produção de enorme sucesso nas bilheterias, ditando regras e não mais sendo uma mera quebra delas. A ideia não é mais seguir padrões de início, meio e fim, bastante “formulaicos”, tradicionais. A comédia romântica não necessitaria mais de suplantar aquela clássica mensagem ingênua, senão em nulidade de mensagem qualquer, como também acontecia – e acontece. Porém, o que leva A Primeira Noite de um Homem a ocupar, com louvor, o célebre posto de  um dos fomentadores da Nova Holywood – movimento que, obviamente, não duraria para sempre – encontra-se mais além do texto consideravelmente revolucionário, mais além da recriação da atitude exata a qual um casal, futuramente fracassado, amargamente arrependeria-se de ter tomado – os mesmos Robinsons que, como o longa-metragem mostra, são peças destruídas pelo tempo. Uma conclusão aberta a associações com nossos próprios pais. As inseguranças em nossos pulos de fé. A Sra. Robinson não quer a sua filha tomando as mesmas decisões erradas que, um dia, tomou. Summer – de 500 Dias com Ela, comédia romântica que fortemente referencia este clássico do cinema – não quer se mover por impulsos, precisa ter uma verdadeira certeza de seu relacionamento para movê-lo adiante.

O cineasta Mike Nichols, por último, com planos memoráveis, evidencia uma identidade em cena. As cenas subaquáticas são muito bem pensadas – um “peixe fora d’ água”, mesmo dentro d’ água. A edição, vistosa. A sugestão, porém, é o seu maior feito, permitindo que todo o discurso sobre a juventude impulsiva dos anos 60, sobre um ciclo de repetição dos mesmos erros dos nossos pais  – questão pontuada em excelente monólogo de Anne Bancroft -, seja transmitido apenas por olhares perdidos. O som do silêncio nunca significou tanto. A tragicômica história de Benjamin Braddock é um prato cheio para os amantes de comédias românticas. Mike Nichols desconstrói as expectativas do público com uma das melhores conclusões de todos os tempos, senão a melhor, marcando, eternamente, o cenário do cinema americano. Simon & Garfunkel também garantem, magistralmente, a permanência do filme na memória de seus espectadores, devido a inesquecível trilha sonora. “Mrs. Robinson” surge como uma composição inédita, fortalecendo o mito criado acerca da própria Sra. Robinson, tornando-se, na pele da excepcional Anne Bancroft, um ícone do cinema e da cultura popular. A Primeira Noite de um Homem é um sedutor precursor dos novos tempos que vieram à Hollywood, uma aventura pela mente impulsiva da juventude, um discurso inteligente, que, mais de 50 anos depois de seu lançamento, não encontra-se datado, muito pelo contrário; um duro indicador da nossa inocência vendada.

A Primeira Noite de um Homem (The Graduate) — EUA, 1967
Direção:
Mike Nichols
Roteiro:
Calder Willingham e Buck Henry
Elenco:
Dustin Hoffman, Anne Bancroft, Katherine Ross, William Daniels, Murray Hamilton, Elizabeth Wilson, Buck Henry
Duração: 106 min.

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