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Crítica | A Primeira Página

Demolindo o jornalismo irresponsável.

por Ritter Fan
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A Primeira Página, antepenúltimo filme de sua carreira, foi o primeiro sucesso financeiro de Billy Wilder desde Uma Loura por um Milhão, coincidentemente seu primeiro trabalho com a dupla Jack Lemmon e Walter Matthau e também seu último sucesso da carreira, já que os dois filmes finais, antes de sua aposentadoria, sequer registrariam sinal relevante de vida. Mais ainda, Wilder, em retrospecto, arrependeu-se do longa por ele ser uma terceira refilmagem da famosa peça The Front Page, que Ben Hecht e Charles MacArthur escreveram em 1928 e que foi adaptada para o cinema em 1931, como Última Hora e, mais famosamente, em 1940, como Jejum de Amor. Ele simplesmente achava que o filme não era necessário e que não foi exatamente capaz de acrescentar muita coisa.

Bem, justiça seja feita, A Primeira Página não é exatamente uma refilmagem, mas sim uma nova adaptação da peça e o roteiro que o cineasta escreveu com seu parceiro de longa data I.A.L. Diamond, apesar de não ser irretocável, inegavelmente tem sua estrutura própria e, mais ainda, seu vigor próprio, mesmo que muita gente – não é meu caso – prefira a versão de Howard Hawks. Além disso, como não gostar de Wilder mais uma vez abordando um dos assuntos mais recorrentes de sua carreira, a crítica ao jornalismo inconsequente e com Lemmon contracenando com Matthau, ainda que menos do que o esperado? E, ainda por cima, com uma série de excelentes coadjuvantes, começando por Susan Sarandon em começo de carreira, Carol Burnett como uma prostituta, Vincent Gardenia como um xerife corrupto e uma série de outros que compõem o grupo de jornalistas de diversas publicações que aguardam a execução por enforcamento de um anarquista que sem querer matara um policial.

Talvez Wilder, já com uma carteira mais do que invejável de grandes filmes e também com 68 anos intensamente vividos, estivesse sendo exigente demais consigo mesmo, pois A Primeira Página é uma frenética, veloz e até furiosa condenação ao jornalismo sensacionalista e aos políticos corruptos, algo que ele já havia abordado algumas vezes antes, talvez com especial destaque para A Montanha dos 7 Abutres, só que, agora, com pegada puramente cômica e satírica mesmo considerando que o assunto principal gira ao redor da morte de um homem condenado por assassinato. O olha clínico do cineasta está presente a todo momento e o mero fato de ele manter a ação quase que completamente na sala de imprensa da instalação prisional – com vista para o cadafalso – onde o enforcamento acontecerá no dia seguinte, com os jornalistas se divertindo com bebida, comida, jogos de cartas, apostas e ligações para suas respectivas publicações, cada um lidando com as notícias com sua própria pegada, da seriedade técnica até o mais absoluto desleixo e exagero já mostra o que o espectador pode esperar do longa.

Lemmon vive Hildebrand ‘Hildy’ Johnson, o melhor jornalista de todos ali que trabalha para Walter Burns (Matthau), editor-chefe do Chicago Examiner, que, claro, o convoca para cobrir a execução. Mas Hildy tem outros planos e entra na redação para comunicar ao seu chefe e amigo que ele vai se casar com Peggy Grant (Sarandon) e que largará imediatamente o jornalismo. Claro que isso deixa Burns desesperado e capaz de qualquer coisa para impedir que sua estrela vá embora, inclusive passar-se por oficial da condicional para informar a Peggy que seu futuro marido é um homem em condicional. Por outro lado, um pouco na linha do que eu poderia caracterizar como um mashup do que acontece com Michael Corleone em O Poderoso Chefão III e com os burgueses em O Anjo Exterminador, tudo conspira para que Hildy não consiga se desvencilhar de sua profissão.

Os eventos vão ocorrendo em ritmo vertiginoso, mas os diálogos só realmente pegam fogo quando finalmente a dupla principal se reúne novamente no terço final do longa na referida sala de imprensa, para lidar com o prisioneiro fugitivo em metralhadoras verbais que só não são melhores porque Lemmon e Matthau não puderam improvisar como gostariam, já que Wilder exigiu que cada palavra dos diálogos fossem completamente audível, sem atropelamentos, uma decisão que cria um ar talvez um pouco exacerbado demais de teatralidade. No entanto, o maior problema do longa é semelhante ao que ocorreu com A Mundana, em 1948, em que Wilder não soube, com sua maestria habitual, equilibrar o tom cômico e satírico com a pegada completamente pastelão que por vezes se manifesta e cria momentos que, mesmo considerando o humor que perpassa todo o longa, acabam destoando.

Sem entrar em spoilers desnecessários, há também alguns momentos dramáticos que são estranhos demais, como o que Molly, a prostituta de Burnett protagoniza para salvar o condenado da detecção dos demais jornalistas ávidos por sangue. Até funciona para ilustrar a completa desumanidade deles, focados que estão em conseguir manchetes para vender mais jornais, só que tudo parece mal resolvido e jogado no roteiro de forma a criar aquele momento chocante que, porém, não recebe a devida continuidade. A própria relação de Hildy com a doce Peggy acaba não funcionando de verdade, já que em momento algum o espectador é convencido de que aquele relacionamento ali é mesmo de verdade e não apenas algo que somos informados que é genuíno para servir de “chaga” entre Burns e seu jornalista favorito.

Mesmo contracenando menos do que deveriam, porém, a dupla principal funciona muito bem, com os coadjuvantes que imediatamente gravitam em seu caótico redor amplificando a sensação de frenesi absoluto naquela sala de imprensa dos infernos que Wilder tão cuidadosamente cria e trabalha, por vezes lembrando-nos do brilhante Doze Homens e uma Sentença. O mestre pode não ter gostado do que fez, mas ele certamente brindou seus espectadores não com uma de suas obras-primas, pois mesmo os grandes desse ofício não têm apenas obras nessa categoria, mas sim uma divertida, por vezes hilária condenação da corrupção política e do jornalismo vampírico, assuntos que, infelizmente, não só não saem de moda, como se tornam cada vez mais relevantes no mundo de hoje.

A Primeira Página (The Front Page – EUA, 1974)
Direção: Billy Wilder
Roteiro: Billy Wilder, I.A.L. Diamond (baseado em peça de Ben Hecht, Charles MacArthur)
Elenco: Jack Lemmon, Walter Matthau, Susan Sarandon, Vincent Gardenia, David Wayne, Allen Garfield, Charles Durning, Herb Edelman, Austin Pendleton, Carol Burnett, Martin Gabel, Harold Gould, John Furlong, Jon Korkes, Cliff Osmond, Lou Frizzell, Paul Benedict, Dick O’Neill, Biff Elliot, Barbara Davis, Allen Jenkins
Duração: 105 min.

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