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Crítica | A Produção de Mais Uma Grande Obra-Prima do Cinema, de Tom Hanks

Os mínimos detalhes dos bastidores de um blockbuster.

por Ritter Fan
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Tom Hanks, um dos astros mais queridos da Sétima Arte, não precisa de apresentações. Sua carreira no audiovisual inclui, claro, seus trabalhos como ator em quase uma centena de obras no momento de publicação da presente crítica, de roteirista e de produtor de obras cinematográficas e televisivas. Mas talvez pouca gente saiba que Hanks é também autor literário, ainda que em começo de carreira. Em 2017, ele publicou Tipos Incomuns, uma coletânea de contos inspirados em sua coleção de máquinas de escrever e, agora, em 2023, ele lançou seu primeiro romance completo que, como o longo título deixa bem claro (título esse que tomei a liberdade de traduzir do meu jeito para o português), lida com aquilo que ele provavelmente mais conhece profissionalmente: os bastidores de uma produção cinematográfica. Trata-se de uma verdadeira carta de amor ao complexo, caro e estressante processo de se fazer um filme e, em última análise, a tudo o que o próprio Hanks representa nessa indústria.

No entanto, que fique bem claro para fins de ajustes de expectativas: ainda que provavelmente baseado em suas experiências diretas e indiretas, o romance é, inequivocamente, uma obra de ficção. Uma obra de ficção que começa com um personagem fictício escrevendo um prefácio informando que foi convidado a observar o processo de produção do mais recente longa-metragem do aclamado diretor Bill Johnson e que o relato que segue – em terceira pessoa para tirar a pessoalidade da equação, como ele faz questão de explicar -, ou seja, o livro em questão, é o resultado,  o que leva o leitor, então, a uma D-E-T-A-L-H-A-D-A abordagem que vai da história real (dentro desse universo) que inspirou a criação da história em quadrinhos que, por sua vez, em parte serviu de inspiração para o filme Knightshade: The Lathe of Firefall (nem vou tentar traduzir esse título…) que, também por sua vez, é uma engrenagem de um universo compartilhado de super-heróis que faz a mímica do Universo Cinematográfico Marvel, passando por todas as fases de produção até seu lançamento em um mundo moderno e muito atual alterado tanto pelo advento dos serviços de streaming quanto da COVID-19.

E a forma como eu escrevi “detalhada” no parágrafo anterior não foi sem querer, pois o detalhamento de tudo, absolutamente tudo por parte de Tom Hanks – até a comida oferecida pelos serviços de catering disponíveis ao elenco e equipe é listada e discutida – é, ao mesmo tempo, a força e a fraqueza do romance de Hanks. O lado positivo dessa escolha deliberada do autor é que, se o leitor tiver a paciência necessária (e ela é necessária pelo menos até o ritmo de leitura ser encontrado), a imersão é garantida. Em poucas palavras, apesar de existir uma grande oferta de livros sobre produção cinematográfica por aí, a de Hanks é a que provavelmente permite o mais profundo mergulho em todos os aspectos desse processo criativo, seja a forma como o diretor e roteirista trabalha, a importância de se ter pessoas capazes de resolver mais problemas do que criam, como os mais diferentes atores vivem seu cotidiano durante as filmagens e como cada engrenagem precisa ser perfeitamente azeitada, dos motoristas que fazem o transporte de pessoas e de coisas, passando pelos maquiadores e cabeleireiros e chegando aos extratores de foco, tudo em um conjunto harmônico que encanta quem comprar seu estilo mais do que prolixo de escrever.

O lado negativo desse detalhamento é que tudo tem um limite e Hanks, por várias vezes, não sabe quando parar e seu editor, provavelmente pelo autor ser justamente Tom Hanks, alguém que tem cacife para provavelmente fazer tudo o que quiser no mundo do entretenimento, não teve coragem de “canetar” o texto como deveria ter feito. Querendo abraçar o mundo, o autor aborda diversas situações diferentes ao mesmo tempo para criar um recorte plural de uma produção. Temos o diretor perfeccionista, a atriz de sucesso que é cuidadosa com seu trabalho e respeitosa de tudo e de todos, o ator em começo de carreira que é repleto de maneirismos e um exato oposto profissional da atriz, tragédias em meio à produção que levam a alterações de direção e assim por diante. E cada um desses aspectos – que são apenas alguns exemplos de tantos outros – ganha todo o detalhamento possível em uma espécie de cascata descritiva que pode cansar e que muitas vezes soa desnecessária. Há até mesmo personagens que são apenas introduzidos no terço final da obra que, igualmente, recebem esse mesmo tratamento, de certa forma emperramento a fluidez da leitura.

Existia um ponto de equilíbrio e tenho para mim que Hanks, em sua empolgação genuína – pois é mesmo genuína, já que é sensível a vontade dele de lidar com tudo ao mesmo tempo -, acaba excedendo a razoabilidade. E olha que, pessoalmente, gosto de autores que dedicam tempo em explicações detalhadas de pensamentos e de ambientes. O problema, aqui, é que Tom Hanks, a cada novo momento de sua obra, já que os capítulos são divididos de acordo com as fases de produção, parece recomeçar o texto, inserindo as situações, personagens e outras novidades específicos para o contexto. O efeito imersivo que mencionei continua presente, vale dizer, mas, por diversas vezes, a prolixidade dele pode cansar e, outras vezes, pode parecer redundante. Além disso – e sei que isso é um detalhe -, ele insere notas de rodapé que, na maioria das vezes, são completamente inúteis, mas que levam àquela quebra na leitura (e, pior, em uma escolha ruim de tipografia, o asterisco que indica em que momento devemos ler a nota por vezes é indistinguível…).

Interessantemente, porém, seu romance não tem o que podemos classificar de protagonista clássico, ou seja, aquele personagem que muito claramente concentra as atenções da narração. O filme sendo produzido ganha esse foco e, a cada fase, pessoas diferentes ganham destaque. Claro que o diretor e roteirista Bill Johnson é um personagem constante, mas mesmo ele desaparece em diversas partes para abrir espaço, por exemplo, para a estrela Wren Lane e assim por diante. Mas, se eu tivesse que apontar a personagem que é a engrenagem narrativa, funcionando como a real força motriz desse passeio pelos bastidores de uma produção, diria que esta é Al Mac-Teer que vemos primeiro como uma mais do que eficiente recepcionista de um hotel onde Bill Johnson se hospeda para trabalhar em um filme anterior e que vai evoluindo dentro das engrenagens de Hollywood para assistente de produção e, depois, a produtora executiva que é braço direito absolutamente indispensável do diretor. Ela é a grande “resolvedora” de toda sorte de problemas que vai desde o tipo de café que alguém do elenco prefere beber até negociações sobre orçamento com a empresa produtora. Essa escolha de Hanks em destacar alguém que não seja o diretor ou a atriz principal de uma produção cinematográfica permite mais maleabilidade ao seu texto, já que Mac-Teer tem uma participação mais completa em todos os aspectos do processo, além de ser alguém que o autor pode efetivamente trabalhar desde suas origens humildes até a posição de poder que ela alcança nessa fábrica de sonhos cobiçada por todos chamada Hollywood.

O primeiro romance de Tom Hanks é, portanto, um generoso olhar para a arte de fazer Cinema. Generoso tanto para aqueles que efetivamente fazem Cinema, ainda que com uma dose interessante de cinismo e sarcasmo – como também para todos os leitores que se interessarem em Cinema, já que o livro, apesar de ficcional, é, como afirmei, uma impressionantemente completa – talvez até demais! – abordagem dos detalhes e das pessoas por trás de uma grande produção cinematográfica. Trata-se de um belo começo de uma possivelmente prolífica carreira literária para um ator e produtor consolidado que, inclusive, se duvidar, pode um dia adaptar essa sua própria obra para o cinema.

Obs: Para o leitor entender o nível de detalhamento a que Tom Hanks vai, o livro ainda contém três breves histórias em quadrinhos relacionadas com a história que é contada (escritas por Hanks e desenhadas por Robert Sikoryak) e um código QR para o roteiro completo do filme fictício que é objeto do romance e que também foi escrito por Hanks (a leitura não é essencial, mas recomendada!).

A Produção de Mais Uma Grande Obra-Prima do Cinema (The Making of Another Major Motion Picture Masterpiece – EUA, 2023)
Autor: Tom Hanks
Editora original: Alfred A. Knopf
Data original de publicação: 09 de maio de 2023
Páginas: 448

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