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Crítica | À Prova de Morte

por Ritter Fan
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estrelas 3,5

À Prova de Morte foi o filme menos bem sucedido de Quentin Tarantino, o que acabou fazendo com que demorasse três anos para que ele fosse lançado nos cinemas no Brasil e um pouco mais ainda para lançarem em vídeo doméstico. E, realmente, esse relativo fracasso é de certa forma compreensível, por ele possivelmente ser o filme mais fraco do cineasta, ainda que, como tudo que ele faz, haja muita coisa interessante para se aproveitar.

Tive a oportunidade de assistir À Prova de Morte pela primeira vez ainda em seu lançamento original, no cinema, nos Estados Unidos, juntamente com Planeta Terror, de Robert Rodriguez. Os dois loucos diretores resolveram fazer uma dobradinha homenageando as sessões apelidadas de Grindhouse nos EUA, extremamente famosas por aquelas bandas lá pela década de 70: dois filmes B juntos, passando um depois do outro em uma sessão só. Enquanto Rodriguez, em seu melhor estilo, mandou uma trasheira total, com uma fita de zumbi em que uma mulher (Rose McGowan) perde a perna e a substitui por uma metralhadora, Tarantino foi, digamos, mais comedido e fez um road movie com um psicopata chamado Stuntman Mike (o excelente canastrão Kurt “Snake Plissken” Russell).

Foi uma experiência muito interessante, especialmente por que também fui brindado com trailers falsos de filmes imaginários, dirigidos por vários diretores diferentes. Tamanha foi a loucura que Machete e O Mendigo com uma Escopeta, títulos de dois desses filmes imaginários, acabaram efetivamente transformados em longas para o cinema, como a história mostrou.

À Prova de Morte é uma verborragia total. No entanto, diferente do que costumamos ouvir em filmes de Tarantino, os diálogos são, aqui, fins em si mesmos, não exatamente memoráveis e, muitas vezes, longos demais. Somos apresentados a dois grupos de beldades, sendo que o primeiro deles, formado por Arlene (Vanessa Ferlito), Shanna (Jordan Ladd) e Jungle Julia (Sydney Tamiia Poitier – sim, filha de Sidney Poitier), fica horas em um bar em Austin, Texas, conversando sobre os mais diversos e desinteressantes assuntos. Stuntman Mike, em divertida caracterização de Russell, aparece como um ser anacrônico, saído literalmente de sua máquina do tempo (como Eli Roth, fazendo uma ponta, deixa claro), com um casaco prateado cheio de logotipos e comendo uma pizza como um troglodita, e oferece uma carona para Pam (Rose McGowan) em seu carro à prova de morte que dispensa explicações. O que segue daí é uma virada estilo Psicose ou Um Drink no Inferno para ficarmos mais próximos da realidade tarantinesca, em que as atrizes principais são eliminadas da maneira mais absurda e doente possível e o filme recomeça, dessa vez no Tennessee, com o segundo grupo chegando: Abernathy (Rosario Dawson), Kim (Tracy Toms), Lee (Mary Elizabeth Winstead) e Zöe Bell (uma dublê neozelandesa, conhecida pelas cenas perigosas de Uma Thurman em Kill Bill, fazendo ela mesma). Zöe está visitando suas amigas, todas de alguma maneira ligadas a uma produção cinematográfica local e elas partem para fazer um test drive em um Dodge Challenger R/T 1970 quando são atacadas pelo Stuntman Mike.

Existe um desequilíbrio muito claro no filme, algo pouco característico do diretor. Enquanto a primeira parte é cheia de conversa vazia e pouca ação, a segunda é cheia de ação e pouca conversa. Normalmente, Tarantino sabe equilibrar com maestria a palavra e as peripécias corporais, mas a cadência de À Prova de Morte parece estranha, cansativa mesmo, talvez até pouco inspirada. Mesmo assim, como mencionado, há muito coisa para apreciar. Para começar, o estilo trash está em todo canto, ainda que de maneira menos pronunciada do que em Planeta Terror. Vemos o grão proposital no filme, há cortes e pulos o tempo todo como se a película fosse desgastada, daquelas que passaram já infindáveis vezes em cinemas pequenos que não têm dinheiro para trocar o rolo. Dá para ver que Tarantino se divertiu degradando seu próprio filme.

Há cenas antológicas até. Em uma delas, em determinado momento, Stuntman Mike ganha o direito de receber um lapdance da estonteante Arlene. Há toda uma lenta preparação para a cena e, quando ela está prestes a começar, o rolo acaba e é trocado por outro que é imediatamente posterior ao final da dança. É frustrante, sim, mas muito bem sacado em termos narrativos, o equivalente cinematográfico do coito interrompido. No entanto, isso só ocorreu na versão cinematográfica Grindhouse pois, nos cinemas brasileiros e em DVD, o filme foi lançado “completo”, com a dança. Ainda que não seja nada mal ver o que acontece, nada iguala a engraçada experiência da frustração que tive originalmente no cinema.

Em outra cena, bem longa, há uma excelente perseguição de automóveis que o espectador percebe que foi filmada de verdade, sem truques de computação gráfica. Aliás, a rivalidade do CGI com efeitos práticos já fica evidente em diálogo para lá de expositivo entre Stuntman Mike e Pam, na primeira parte do filme. Mas, voltando à cena de perseguição, é como ver Bullit ou Corrida Contra o Destino (Vanishing Point, citado diversas vezes ao longo da película, cujo carro principal, não por coincidência, é um Dodge Challenger R/T branco), só que em versão trash. Sem dúvida alguma, o trabalho de fotografia sem filtros e com uma câmera quase milagrosa, localizada estrategicamente diversos pontos da produção, especialmente à frente do carro branco, é de se tirar o chapéu. Nenhuma computação gráfica, só fotografia e montagem old school, o que, por si só, é um refresco para os olhos e a razão de este crítico ter dado aquela meia estrela a mais na avaliação final.

Fica evidente, porém, que a ideia do diretor e roteirista era suficiente, apenas, para um curta-metragem homenageando os saudosos filmes de muscle cars dos anos 70 e, claro, nostalgicamente nos fazer voltar a um tempo em que a arte de fazer cinema era a arte de imaginar efeitos que, hoje, são criados por programadores em frente a computadores. É uma volta no tempo que, porém, fica presa demais ao seu próprio tema para ser algo realmente significativo ou duradouro como as demais obras de Tarantino.

  • Crítica originalmente publicada em 03 de janeiro de 2016, revisada para republicação hoje, 09/08/19.

À Prova de Morte (Death Proof, EUA – 2007)
Direção: Quentin Tarantino
Roteiro: Quentin Tarantino
Elenco: Kurt Russell,  Zoë Bell, Rosario Dawson,  Vanessa Ferlito, Sydney Tamiia Poitier, Tracie Thoms,  Rose McGowan, Jordan Ladd, Mary Elizabeth Winstead, Quentin Tarantino, Marcy Harriell, Eli Roth
Duração: 113 min.

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