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Crítica | A Quarta Vítima (1971)

Quem é a próxima?

por Luiz Santiago
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Raro exemplar do giallo ítalo-espanhol, A Quarta Vítima não está entre os mais famosos do gênero; mão não é por falta de mérito. Apesar dos tropeços narrativos e do desenvolvimento irregular, o filme de Eugenio Martín se sustenta de maneira interessante, misturando suspense policial e investigação criminal numa teia de clichês bem manipulados pelo diretor em sua segunda metade. A trama acompanha, com certa indiferença, os acontecimentos macabros em torno de Arthur Anderson (Michael Craig), um viúvo suspeito cujos três casamentos terminaram na morte das esposas… e em generosos seguros de vida em seu nome. Entre convenções previsíveis e momentos de boa abordagem narrativa, o longa mantém o interesse do público mesmo nos momentos mais arrastados, intensificando, gradualmente, as suspeitas para deixar a história mais intrigante e mais divertida de acompanhar.

A abertura é propositalmente lenta e expõe não só a banalidade de uma morte, mas uma estranha coreografia entre poder e submissão: o protagonista e sua empregada alteram a cena e deixam o público em dúvida sobre os interesses envolvidos: seria um amor não correspondido por parte do Sr. Anderson ou o mais simples assassinato por interesse financeiro? No roteiro, as sucessivas tragédias conjugais passam por um infame processo de transformação do luto em lucro, e é aí que as nossas suspeitas crescem. Ao entregar, desde o início, a ambiguidade moral do protagonista, o filme navega num mar de desconfiança sistêmica, já que a lista de suspeitos indiretos é grande e o espectador só se dá conta disso muito tempo depois. Enquanto a investigação avança de maneira previsível, o lado psicológico que envolve esses personagens vai sendo fortalecido e, da metade para o final, a obra muda de tom, tornando-se progressivamente mais interessante e com menos erros estruturais.

Ainda na primeira parte, a sequência do julgamento se arrasta de modo que paralisa a narrativa: diálogos repetitivos, momentos investigativos engessados e uma sensação de que a câmera está mais interessada em fazer planos gerais genéricos do que em mostrar aquilo que é essencial para a história. Apesar de algumas tentativas do diretor para criar suspense — um close num relógio, o olhar suspeito da empregada, a reação nada natural do réu –, a chateação domina toda a sequência, como se o próprio roteiro estivesse preso em formalidades, situação que também ultrapassa as cenas do tribunal e nos deixa em dúvidas sobre qual é o verdadeiro foco do cineasta. O problema, nesta fase, não é a falta de conteúdo, mas o excesso de detalhes dispensáveis.

O elenco também não se destaca muito aqui (normalmente tentam defender Carroll Baker, mas simplesmente não dá: aqui, ela não passa do básico, do automático). Mas talvez haja uma exceção: o Inspetor Dunphy, interpretado por José Luis López Vázquez, cuja presença irônica e humor abobalhado rompem a seriedade do ambiente e acrescentam uma bem-vinda nota de absurdo à fita. Nas locações e na fotografia, o filme oscila entre o cuidado do diretor e as diversas limitações da época. Cenários como o tribunal ou as duas mansões trazem uma atmosfera séria e densa, mas as frequentes inconsistências técnicas — luzes que mudam de tom entre cenas, enquadramentos ora precisos, ora desleixados — revela um projeto com uma equipe que sabia o que fazer, mas que talvez tenha esbarrado em limitações de orçamento — basta vermos a qualidade de algumas tomadas externas (as locações do filme são maravilhosas, por sinal!) para entender isso.

O que salva A Quarta Vítima de se perder totalmente é a coragem de abraçar essas inconstâncias como parte de sua identidade. Quando chega ao clímax, o filme revela sua verdadeira natureza: um bom giallo vestido de drama procedural e alfinetadas sociais. A ironia do desfecho traz um comentário ácido sobre a ilusão de justiça. A cena do lago, tão patética quanto simbólica, traz essa dualidade: a água parada (tal qual a piscina, no início) reflete personagens incapazes de se libertar de seus vícios e fraquezas. Com isso, as perguntas que o diretor deixa sem resposta são parte do charme da obra, afinal, é bem mais interessante não saber o que de verdade aconteceu com as esposas anteriores de Anderson e abraçar esse novo momento em sua vida. Essa resolução fica na memória não pelo que resolve, mas pelo que insinua: chegou o momento de o esposo duvidar de cada sorriso, cada gesto, cada suspiro da mulher. Aparentemente, os papéis se igualam. Mas, na verdade, eles se inverteram. Chegou a vez da caça!

A Quarta Vítima (La última señora Anderson / The Fourth Victim) — Espanha, Itália, 1971
Direção: Eugenio Martín
Roteiro: C.B. Gilford, Vicente Coello, Santiago Moncada, Sabatino Ciuffini, Eugenio Martín
Elenco: Carroll Baker, Michael Craig, Miranda Campa, José Luis López Vázquez, Enzo Garinei, Phillip Ross, Alberto Fernández, Manuel Gallardo, Alberto Gonzales Espinosa, Marina Malfatti, Lone Fleming, Maria Gustafsson, Victor Harrington, George Hilsdon, Guy Standeven, John Tatham
Duração: 88 min.

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