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Crítica | A Roda do Tempo – 1X01 a 03: A Partida, Onde a Sombra Espera e Um Lugar Seguro

Um início falho, mas intrigante.

por Kevin Rick
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  • Há spoilers. Leia, aqui, as críticas dos demais episódios.

A nota acima parece indicar que, assim como Fundação, 2021 nos ofereceu mais um começo decepcionante para uma adaptação televisiva de uma célebre série literária. No entanto, eu compartilho da opinião do meu colega Ritter Fan na crítica do primeiro livro de A Roda do Tempo, no que concerne ao estilo formulaico e clichê da obra criada por Robert Jordan. A despeito do absurdo sucesso e prestígio que a série literária ganhou, eu realmente não consegui detectar nada de especial no material que dá origem ao show, apesar de entender como conquistou uma legião de fãs e criou um legado de importância para o gênero de fantasia. É pensando nisso que – e peço desculpas pelo trocadilho – o showrunner Rafe Judkins não tenta reinventar a roda, mas apenas mantê-la girando.

Nós começamos na remota região de Dois Rios, na véspera do festival da colheita. Os residentes isolados ficam chocados com a chegada de Moiraine (Rosamund Pike), parte de um poderoso círculo de mulheres mágicas conhecidas como Aes Sedai. Acompanhada de seu guardião Lan (Daniel Henney), a meio-que-feiticeira está em uma longa busca pela reencarnação do Dragão, uma figura profetizada com a habilidade de curar o mundo ou destruí-lo. No vilarejo, ela suspeita que o Dragão possa ser um de quatro jovens residentes do Dois Rios – Rand al’Thor (Josha Stradowski), Egwene al’Vere (Madeleine Madden), Perrin Aybara (Marcus Rutherford) e Mat Cauthon (Barney Harris).

Os três primeiros episódios apresentam muitos nomes e criaturas estranhas, uma equilibrada quantidade de exposição de mitologia sem ser enfadonha e mantendo grande parte da lore em mistério, vários arquétipos familiares e uma trama até certo ponto previsível. O primeiro ponto negativo de A Roda do Tempo que frustra o espectador está na produção – que aqui no Brasil foi comicamente comparada às novelas da Record, o que tragicamente não é tão infundado. Para uma série desse porte, a obra conta com um CGI extremamente fraco, comparável a séries da CW em determinados momentos. Também fiquei bastante desapontado com os figurinos artificiais, a construção ordinária de vários cenários e a direção que não tem um cuidado com o escopo desse universo, tendo dificuldades até mesmo para filmar perseguições a cavalos.

Isso machuca a imersão, algo de extrema importância na fantasia audiovisual. A Roda do Tempo acaba sendo visualmente mais próxima de uma YA bobinha, do que nos mergulhar em um épico de high-fantasy. Para não dizer que a estética é completamente frustrante, a série consegue se resolver com paisagens naturais belíssimas, incluindo um toque de contemplação que ajuda a oferecer um pouquinho de grandiosidade visual. Também fiquei impressionado com o uso de gore, algo que me surpreendeu por sequer ser parte da linguagem da série, mas principalmente por seu uso inteligente. A violência tem o intuito de dramatizar e dar uma carga mais sombria à narrativa. A chacina proporcionada pelos Trolllocs que ocorre em Dois Rios é extremamente efetiva nesse sentido, chocando e dando um nível de periculosidade a este mundo.

Outras cenas violentas apresentam ótimos elementos dramáticos e atmosféricos. Temos a execução de uma Aes Sedai que adiciona um toque de perseguição religiosa macabra à história, incluindo um estranho estilo de horror à fantasia. E também temos a surpreendente cena em que Perrin acidentalmente mata Laila (Helena Westerman), dando início ao mais fascinante drama pessoal da temporada até agora. Em contrapartida, a série tem alguns blocos que querem ser aparentemente sombrios e amedrontadores, como a fuga das sombras de um castelo e a perseguição de lobos na floresta, que não dispõem de uma boa direção para criar um envolvimento do espectador com a sequência. Aliás, os diretores da série têm muita dificuldade em imprimir algum tipo de tom narrativo ou criar set-pieces que nos deixem vidrados, seja aventura, ação ou suspense.

Agora falando do enredo propriamente dito, Judkins segue uma estrutura similar ao livro: uma jornada global de Moiraine e companhia, com o grupo de personagens se separando no percurso. Diferente do material de origem, porém, o showrunner preza por uma narrativa mais acelerada e movimentada, enquanto Jordan procurou em larga parte um estudo de personagem (especialmente de Rand) com contornos poéticos antes do desbravamento aventureiro. Entendo ambos os autores, mas, de certa forma, dado o conteúdo e os personagens clichês, eu prefiro a rota de Judkins – fãs do livro se acalmem, por favor. Na série, cada bloco apresenta diferentes partes do universo enquanto lida com os dramas dos personagens, procurando menos o caminho do ponto de vista do Rand como acontece no livro – aliás, o personagem é bem menos um protagonista na adaptação, e bem mais parte de um todo. Isso funciona para expandir mitologia enquanto desenvolve arcos dramáticos, ainda dispondo de uma montagem eficiente em manter a trama fragmentada bem cadenciada.

A série até o momento tem oferecido um drama episódico de “vilão da semana” para cada grupo, algo que pode se tornar repetitivo se for mantido (não acredita que será), mas que trabalha bem a construção de mundo de A Roda do Tempo até aqui, nos dando uma gama de culturas, indivíduos e locações intrigantes, ainda que conte com o aspecto estético negativo que citei. O roteiro se resolve no caráter introdutório com competência, deixando a audiência interessada nesse mundo fantasioso, no que significa certas profecias, comunidades, etc, mas o texto também tem sua fatia de falhas.

Primeiro que os diálogos são um tantinho mal-escritos, falhando em capturar a parte mais poética e ancestral do trabalho original de Jordan, novamente parecendo um show de caráter juvenil e não tanto desse conceitual épico de forças do bem e do mal em um enredo sombrio e maduro. Segundo que sinto uma grande disparidade entre a qualidade dos diversos dramas e arcos. Por exemplo, o bloco de Moiraine e Lan (e da intrigante Nynaeve) é substancialmente mais cativante como peça central da história do que o melodramático núcleo juvenil – a falta de carisma do elenco mais jovem só piora a situação. Assim como o drama de Perrin é mais pungente do que o romance aguado de Rand e Egwene.

Esteticamente, A Roda do Tempo sofre para imergir o espectador, apesar do ótimo uso de violência visual. Mas o enredo é eficiente dentro da jornada do grupo principal, contando com uma mitologia que consegue encantar e nos deixar enigmáticos dentro de suas limitações convencionais. Em suma, entre resoluções mágicas, monstros, a batida conflagração entre um escolhido que deve se levantar para combater “O Tenebroso”, entre outros típicos clichês de fantasia envoltos por uma intrigante introdução a este mundo, Rafe Judkins oferece uma experiência decente para fãs do gênero em um projeto universalmente acessível, ainda que cheio de falhas.

A Roda do Tempo (The Wheel of Time) – 1X01 a 03: A Partida, Onde a Sombra Espera e Um Lugar Seguro (EUA, 19 de novembro de 2021)
Showrunner: Rafe Judkins
Direção: Uta Briesewitz, Wayne Yip
Roteiro: Rafe Judkins, Amanda Shuman, The Clarkson Twins (baseado na obra homônima de Robert Jordan)
Elenco: Rosamund Pike, Josha Stradowski, Marcus Rutherford, Zoë Robins, Barney Harris, Madeleine Madden, Daniel Henney, Helena Westerman, Michael McElhatton, Alexandre Willaume
Duração: 175 min.

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