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Crítica | A Saga de Sir Pato e Sor Patinhas

Uma viagem de 150 anos pela Itália Medieval.

por Luiz Santiago
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O contexto de encomenda para esta saga em 7 partes, conhecida como A Saga de Sir Pato e Sor Patinhas, foi a organização de uma grande Mostra (posteriormente cancelada) sobre o conjunto da obra de Walt Disney, que deveria começar em Florença e passar por diversas outras cidades italianas. Concebida em 1982, a história tinha por objetivo destacar a arte, a arquitetura, os grandes eventos culturais, as intrigas históricas famosas e as grandes personalidades dessas cidades, tudo isso reunido em uma aventura que expunha dois sósias renascentistas do Tio Patinhas e do Pato Donald tentando sobreviver aos maiores perrengues sociopolíticos que aconteceram nessas localidades. Ao longo do caminho, tio e sobrinho seriam acompanhados por um burrinho enfezado e por um “barril com água do rio Arno“; tendo também alguns encontros ilustres, muita trapalhada e fuga de última hora, além de uma bem construída linha narrativa.

A estrutura dessa linha é a da metalinguagem, algo que o roteiro de Guido Martina explora com muito bom humor e com uma interação temporal que funciona a maior parte do tempo. Ela encontra falhas em alguns finais de capítulos (porque dá a sensação de algo corrido ou de uma trama muito boa interrompida no momento errado), mas quando aparece no meio das histórias ou viram uma boa ponte entre os capítulos, esse diálogo entre passado e presente, através da metalinguagem, torna toda a aventura ainda mais interessante. E o ponto de partida para tudo isso é a inspiração repentina que Tio Patinhas tem. Ele viaja com Donald para Florença, a fim de colher informações para um livro que pretende escrever. No entanto, ele não chega a andar muito ou passar muito tempo conhecendo lugares históricos ou mesmo várias cidades. A presença de um garotinho, que faz o papel de guia local, e de um manual dos Escoteiros Mirins, traz a inspiração necessária para o ricaço.

Em termos de princípio de ação, de impulso para a narrativa, é claro que a aventura tem um problema conceitual. Se a fonte primária de conhecimento era o manual dos Escoteiros Mirins que ele mesmo tinha levado dos Estados Unidos, então a viagem dos patos para a Itália não era nem um pouco necessária. Mas tudo bem, digamos que era preciso essa presença para “destravar a inspiração” de Patinhas, que em sete capítulos fala sobre essa dupla de indivíduos que gira em torno de alguns princípios básicos: conseguir ganhar dinheiro, guardar esse dinheiro em um local seguro e ter um lugar para comer e descansar. Obviamente o roteiro vai frustrando esses planos das mais diversas formas, não só fazendo com que os protagonistas realizem um verdadeiro tour pela Itália, como também empurrando-os através do tempo, mostrando pelo menos duas gerações de patos atrás de dinheiro e paz.

Eu gosto de todos os capítulos do volume (e devo dizer que a edição da Panini, aqui no Brasil, é muito boa), pois vejo em cada um a presença de eventos interessantes, de muito conhecimento histórico, mitológico e de representações visuais brilhantes, concebidas pelo grande Giovan Battista Carpi. Em relação aos encontros com personalidades históricas, o mais maduro e melhor articulado de todos foi o primeiro deles, com Dante Alighieri. O contexto, os diálogos e a relação feita com A Divina Comédia é realmente aplaudível. Também gosto das representações de grandes eventos públicos, como a justa e o torneio de cavalos. Vale ainda dizer que a presença de poetas e a maneira como os autores organizaram o capítulo final, levando a dupla para a Espanha e fazendo-a financiadora de Américo Vespúcio dá um sabor todo especial ao enredo, que acaba sendo, ao menos em alguma realidade, o antecessor da jornada que, em gerações futuras, traria o Tio Patinhas.

É verdade que existem eventos que não batem com a real linha do tempo histórica e que o autor fez uso mais recreativo do que dramaticamente histórico de muitos eventos e personagens. Isso, porém, não é um problema em uma obra de ficção, e mesmo assim não tira o valor histórico da saga. Através dela é possível ver muitos locais e pessoas reais, o que pode dar início a algum estudo mais aprofundado, caso o leitor se interesse pelo período. À parte essa relação com o nosso mundo, A Saga de Sir Pato e Sor Patinhas é uma divertida trama de uma família que tenta se estabelecer em um lugar e quase nunca tem sorte. Existem muitas (e boas!) implicações aqui, que o leitor pode ler de maneira apenas simbólica, cômica e sugestiva, ou de maneira mais crítica e problematizadora, desde que não se esqueça do aspecto de diversão e do contexto de “Mostra Cultural” para o qual a saga foi escrita.

A Saga de Sir Pato e Sor Patinhas (La saga di Messer Papero e di Ser Paperone) — Itália, 20 de março a 1º de maio de 1983
Código da História: I TL 1425-A / I TL 1426-A / I TL 1427-A / I TL 1428-A / I TL 1429-A / I TL 1430-A / I TL 1431-A
Publicação original: Topolino (libretto) 1425 a 1431
Títulos das histórias originais: Messer Papero e il Ghibellin Fuggiasco / Messer Papero e il Conte Ugolino / Messer Papero e i fiorini di Mastro Adamo / Messer Papero e i pirati di Montecristo / Messer Papero e la grotta di Eolo / Ser Paperone e Lorenzo il Magnifico / Ser Paperone e… il Nuovo Mondo
Títulos das histórias no Brasil: Sir Pato e O Gibelino Fujão / Sir Pato e O Conde Ugolino / Sir Pato e Os Florins de Mastro Adamo / Sir Pato e Os Piratas de Monte Cristo / Sir Pato e A Gruta de Éolo / Sor Patinhas e Lorenzo, O Magnífico / Sor Patinhas e… O Novo Mundo
Editora originai: Mondadori
No Brasil: Tesouros Disney 1 – A Saga de Sir Pato e Sor Patinhas (2020)
Roteiro: Guido Martina
Arte: Giovan Battista Carpi
Capa original: Marco Rota
226 páginas (todas as 7 histórias + extras da edição publicada no Brasil pela Panini)

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