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Crítica | Monstro do Pântano #57 – 64: Reunião (1987)

por Luiz Santiago
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SPOILERS!

Ao chegar à última edição escrita por Alan Moore na revista Monstro do Pântano, o leitor respira fundo, sentindo-se órfão. Nesse estágio, tenta repassar — talvez como uma forma de assegurar-se de que não perdeu nada — todos os principais eventos que o autor trabalhou nas 45 edições (44 mensais e 1 anual) que assinou para o Pantanoso. E depois de um breve momento de reflexão, fica a certeza de que testemunhamos com essa fase, parte de uma das sagas mais complexas, ricas e instigantes dos quadrinhos da DC. Alan Moore mudou o Monstro do Pântano para sempre.

O conteúdo das edições #57 a 64 traz uma terceira grande reformulação de conteúdo para o personagem sob a pena de Moore, a meu ver, um último estágio de criatividade onde foi possível explorar possibilidades de ação para o Musguento, o alcance inimaginável do poder e o que realmente quer dizer ser um ‘Elemental da Terra’.

Logo após o final de O Jardim das Delícias Terras (#53) e o início da perambulação espacial de Monstro do Pântano “fora de casa” — inicialmente vista em De Terra a Terra (#55) e na estupenda Meu Paraíso Azul (#56) — notamos que um tom exclusivamente sci-fi passou a permear as histórias do personagem, caminho apontado por Rick Veitch a Moore, que na edição #62 dá a sua primeira contribuição como roteirista da revista, provando que estava pronto para assumir o leme assim que Moore saísse, como uma alternativa ao gênero terror e ao mundo místico/espiritual que eram recorrentes na saga até ali. Quando lemos as primeiras páginas de Mistério no Espaço (#57) e observamos os desdobramentos dessa estadia do Cactoide em Exilados (#58), vemos que ainda havia muito mais coisa para conhecer do nosso querido Holland-Vegetal do que imaginávamos.

Muito longe de casa, no rastro de Adam Strange, o OUTRO (?) Monstro do Pântano.

Muito longe de casa, no rastro de Adam Strange, um outro (?) Monstro do Pântano.

Essa abertura dupla inicia uma nova era para o Elemental, e isso vale tanto para o tom que Moore aplica ao roteiro quanto para a exploração de poderes adicionais e profundidade psicológica do personagem, duas coisas maravilhosamente retratadas pela arte de Rick Veitch, finalização de Alfredo Alcala e cores quentes de Adrienne Roy e Tatjana Wood. Depois de tanto tempo, é impressionante que tenhamos a constatação de que estamos diante de algo novo, de uma abordagem que nos leva para um lugar onde não sabemos, de fato, o que pode acontecer, pois não temos nenhum precedente de ação do protagonista nesse tipo de Universo. E o desafio de enfrentar e ansiar pelo desfecho é uma das partes mais gratificantes desta leitura.

Destaca-se nessas duas edições a utilização muitíssimo bem vinda do Adam Strange da Era de Prata e o excelente cenário em crise no planeta Rann, com fauna destruída por uma “pequena Guerra Atômica” e infertilidade generalizada, para a qual um “macaco” é a salvação, sem que ele mesmo saiba. Crise, xenofobia intergaláctica, racismo, interesses econômicos escusos e traição diplomática são temas trabalhados praticamente na cara do roteiro e todos abrem espaço coerente para a presença do Monstro do Pântano no ambiente. Além disso, os vilões Thanagarianos são antagonistas de peso e garantem bons momentos de tensão durante a leitura, especialmente em Exilados.

Há uma pausa na saga do Pantanoso/Cactoide, na edição #59, Reunião, onde Steve Bissette (a partir de enredo desenvolvido por Totleben, Moore e Veitch), escreve um texto de vingança que ele diz ter sido impulsionado pela “branda punição” dada a Anton Arcane em Descida Entre os Mortos. É impressionante como nós nos engajamos na história, almejando uma punição horrenda para o tio de Abby e vendo que ele realmente “merece” ser candidato a demônio. O infame ex-homem é simplesmente uma encarnação do mal. No texto de Bissette, sua participação no inferno é intercalada por três momentos narrativos, o que faz desse drama um dos mais inteligentes da revista em sua concepção de tempos, pois nos mostra o inferno e Abby no presente, ainda em luto (cuja história é contada a partir do passado com o pai) e, depois, do pai como o Homem Remendado, aquele que conhecemos na Monstro do Pântano Vol.1 #3.

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Uma das edições mais difíceis de se entender e mais artisticamente gloriosas dos quadrinhos dos anos 80.

E então vem Amor Alienígena (#60). E mesmo agora, eu não sei o que pensar sobre esta edição. Primeiro, pela concepção da arte, que mistura desenhos com fotografias de esculturas realizadas por John Totleben em uma interação tão perfeita que toda a edição poderia muito bem ser exposta como uma obra de arte contemporânea, tamanha a complexidade, inventividade, excelência e, acima de tudo, significado simbólico, filosófico, biológico e psicológico para o Monstro e para a Nave. A meu ver, este é o trabalho mais erudito (refiro-me a uma visão acadêmica mesmo) de toda a saga do Pantanoso, de sua criação até este momento, e um dos que mais exigem do leitor na observação dos detalhes, na leitura das imagens e entendimento do texto. O ápice da parceria entre Totleben e Moore. Já o roteiro… ah, o roteiro dessa edição será a minha indicação para qualquer esnobe que venha pregar sobre a “inferioridade” dos quadrinhos como produto narrativo, dada a sua “infantilidade” ou “pouca exigência de entendimento” em relação à literatura…

Eu li Amor Alienígenas três vezes seguidas para ter certeza de que captei a mensagem do roteiro puramente literário (e de composição clássica!) de Alan Moore, e ainda assim não tenho tanta certeza se compreendi. O que posso dizer é que a ideia extraordinária de se aprofundar no conceito de máquina-orgânica (inspirados em dois arcos de Doctor Who: The Claws of Axos e Terror of the Zygons — nota: Moore já havia escrito alguns roteiros para quadrinhos de Doctor Who entre 1980 e 1981) e ligar o Monstro do Pântano a isso; com direito a uma sequência que lembra vivissecção misturada com estupro de um vegetal por um aparato bio-tecnológico senciente, é algo que o leitor jamais se esquecerá. Aliado a isso, o mistério da biomáquina-nave-planeta encerra muitas indicações de origem do universo que indiretamente coloca em pauta o mistério da origem do Universo e a nossa própria concepção da origem da vida. Em uma palavra, Amor Alienígena é uma edição revolucionária.

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Toda Carne é Erva: como aumentar o poder de um personagem de forma inteligente.

Partindo de uma ideia inicial de Steve Bissette, Alan Moore escreveu outro grande clássico desta sua fase final no Monstro do Pântano, a soberba Toda Carne é Erva (#61). O cenário é o Planeta J586 e o Monstro se torna O Horror, manifestando-se em um lugar de matéria vegetal inteligente e praticamente enlouquecendo pela cacofonia de vozes que então integram o seu corpo. Este é o penúltimo momento de aprendizado galáctico do personagem e, após ser detido e explicar-se para Medphyll, o Lanterna Verde Vegetal deste planeta, o Pantanoso entende como vibrar suas ondas para adequar o corpo a dimensões diferentes, o que se prova bastante útil logo na edição seguinte, Comprimento de Onda, com participação de Metron, Darkseid e a Caixa Materna.

A forma como essa edição #62, escrita por Rick Veitch, explora a visão do Universo a partir de algo parecido com a Fonte condiz perfeitamente com o caminho que Moore vinha traçando neste momento de exploração espacial do Monstro. A perspectiva da História da humanidade e de todos os seres vivos e suas ações dentro de um único momento — e não só a perspectiva, mas a sensação de experiência vivida por Metron e, em um ramo mais pessoal, do amor, vivida pelo Monstro e tendo Abby como foi da meada — coloca também o leitor em um rápido encontro com sua própria história, seja como humano e produto de uma civilização em constante mudança e auto-destruição; seja como alguém que se dispõe a olhar para sua própria história, sonhos e loucuras. Mais uma vez, a junção dos sonhos com a realidade se mesclam e geram um resultado ímpar.

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Lar, doce lar…

Nas edições finais, Pontas Soltas – Reprise (#63) e A Vota do Bom Gumbo (#64), temos o retorno do Monstro do Pântano à Terra e sua inicial e “polêmica” vingança florida. Algumas pessoas normalmente reclamam da represália do personagem contra aqueles que arquitetaram sua morte em Gotham. Isso, porém, não vai contra princípios do personagem, porque ele não necessariamente tem os mesmos padrões límpidos e um pouco hipócritas dos heróis de moral inabalável — especialmente nesta fase de Alan Moore — e estava agindo como um Elemental da Terra que foi deslocado de sua área de proteção por interesses de vingança de um grupo criminoso. A meu ver, o que ele faz com aqueles homens era o caminho mais coerente a se tomar e que fica ainda melhor quando, no final da edição, ele se reencontra com Abby, em um dos momentos mais lindos da saga.

Sendo A Vota do Bom Gumbo uma edição de despedida, era natural que ela reunisse pelo menos parte da equipe que fez parte dessa fase. Isso é perceptível na bela composição artística da edição — com destaque para o final — e para a opção de Alan Moore em dar um pouco de paz para o Monstro e Abby, que se afastam por um tempo para viver em uma “casa na árvore” criada pelo próprio Elemental. Trata-se de um final doce e muito bonito para uma linha de tormentos e desencontros que vimos se desenrolar nas páginas da revista desde Pontas Soltas (#20), três anos antes. Reformulado e com um final digno — com todas as janelas fechadas e entrega total para novas possibilidades de abordagem para o próximo escritor — Alan Moore se despede do Pantanoso com alusões à Cabala, com ficção científica de primeira qualidade, com drama amoroso incomum e uma pontada de terror e lenda urbana. Uma lição de como cravar para sempre um nome em um personagem na história dos quadrinhos.

A Saga do Monstro do Pântano – Livro 6 (Monstro do Pântano #57 a 64) — Swamp Thing #57 – 64 — EUA
Roteiro: Alan Moore (#57, 58, 60, 61 a 64) Steve Bissette (#59, 61), Rick Veitch (#62)
Arte: Rick Veitch (#57 a 59, 61 a 64), John Totleben (#60), Steve Bissette e Tom Yeates (#64)
Arte-final: Alfredo Alcala (#57 a 59, 61 a 64), John Totleben (#60)
Cores: Adrienne Roy (#57), Tatjana Wood (#58 a 64),
Letras: John Costanza (#57 a 59, 61), Richard Bruning (#60)
Capas: Steve Bissette, John Totleben, Bill Sienkiewicz, Brian Bolland
Editoria: Karen Berger
Data original de publicação: fevereiro a setembro de 1987
Publicação deste volume (no Brasil): A Saga do Monstro do Pântano – Livro 6 (outubro, 2015)
212 páginas (encadernado)

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