Home LiteraturaConto Crítica | A Sala de Música, de Tarasankar Bandyopadhyay

Crítica | A Sala de Música, de Tarasankar Bandyopadhyay

Os últimos momentos de uma vida.

por Luiz Santiago
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A Sala de Música é uma “narrativa de fim“. Conto do escritor Tarasankar Bandyopadhyay publicado em 1938, em uma das famosas coletâneas deste autor que, só de contos, escreveu 53 livros, Jalsaghar nos faz conhecer o velho Vishwambhar Ray, um zamindar que está na fase final de sua vida e que passa os dias na mais profunda solidão, vivendo num palácio decadente e gastando os últimos centavos de uma fortuna familiar que há muito tempo deixou de ser algo com o qual ele podia contar.

No contexto da sociedade hindu, os zamindars eram importantes proprietários de terra que exerciam um governo autônomo (ou semiautônomo, dependendo do caso) de um Estado que aceitava prestar contas ao imperador. Em certos momentos da História da Índia, esses latifundiários-governantes estiveram ligados ao Exército, aumentando o seu poder local e sua influência ante o imperador. O amargurado Vishwambhar Ray é o último zamindar de sua família/dinastia, e o que Bandyopadhyay faz nessa história é mostrar esse homem se despedindo das coisas que lhe dá prazer.

Toda sociedade que muda acaba deixando para trás um bom número de pessoas, muitas vezes alguns dos que estiveram no poder em outra Era. O que o leitor encontra em A Sala de Música é um mundo modificado, os novos valores que acabam se chocando com os antigos símbolos e códigos de comportamento que só continuam existindo no coração e na mente dos mais velhos. E esse choque é fartamente explorado nas páginas desse drama, com o protagonista o tempo inteiro querendo mostrar que pode mais do que o vizinho novo-rico; que tem mais cultura, que verdadeiramente sabe apreciar música.

Para o novo-rico, porém, o que importa são as novas tecnologias, o dinheiro, a dominação das vilas locais e os encontros com personalidades do Império Britânico. Aí também vemos uma grande diferença de postura e pensamento em relação aos dois homens: um claramente entregue às vontades do colonizador e o outro procurando afastar-se ao máximo desses encontros, voltando os olhos para as suas raízes culturais, para o espírito de sua terra. Não é estranho, portanto, que a maior vazão de nobreza e sentimentos que Vishwambhar encontra está em sua paixão pela música. Durante todo o conto temos uma preparação para a grande noite de cânticos e danças, o momento onde o protagonista pode aproveitar pela última vez a sala de seu palácio que outrora tanto prazer lhe trouxe. No presente, o show abre as portas para o seu delírio, um sentimento que o faz explodir de desejo, que o faz matar a saudade e sublimar todos esses sentimentos em uma cavalgada catártica rumo ao nada.

Há uma notável semelhança na atmosfera final desse conto com a adaptação que Satyajit Ray fez dele para o cinema. O protagonista é assombrado pela glória dos ancestrais e já não tem domínio do que faz. Até o resto da pompa ao seu redor é motivo de pavor, como se o lado moribundo do personagem simplesmente rejeitasse a mera sugestão de uma vida de luxos e quisesse logo se desligar das dívidas, das humilhações, da decadência. Vejo A Sala de Música como uma história que prenuncia o fim de uma vida, dando oportunidade para um homem que muito amou a música ter acesso a um último concerto, e então perder-se em si mesmo e dar adeus a esta realidade.

A Sala de Música (জলসাঘর / Jalsaghar) — Índia, 1938
Publicação original:
Jalsaghar
Autor: Tarasankar Bandyopadhyay
Tradução (para o inglês): Bhaskar Chattopadhyay
Editora: Harper Perennial (2014)
59 páginas

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