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Crítica | A Síndrome de Berlim

por Davi Lima
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A diretora Cate Shortland demonstra como é meticulosa ao dirigir o longa A Síndrome de Berlim, ao mesmo tempo que parece querer desfilar a imagem como narrativa para dizer algo mais que suas escolhas com a direção de fotografia de Germain McMicking. Com o tema sensível sobre opressão feminina no ambiente urbano e a percepção de uma fotógrafa que vê além, como a protagonista interpretada por Teresa Palmer demonstra ser, essa passarela inicialmente casa bastante com os óculos introduzidos por meio da personagem. Porém, mesmo com essa relação sintomática com a história da protagonista, seja em sua personalidade de admirar o ordinário, ou por ela ser sequestrada e queira enxergar algo além de sua prisão emocional e física, parece também que há tomada de conclusões precipitadas por parte da diretora.

Aparenta-se uma proposta objetiva de “um novamente” quanto ao conteúdo do filme sobre mulheres abusadas sexualmente, sem prenúncios didáticos para uma recorrência na forma cinematográfica. Não se constrói, assim, uma desconfiança sensorial de medo empático pela personagem, como um suspense clássico. Na verdade, cria-se uma desconfiança pela nossa interpretação como espectador, do que realmente ela, a diretora, consegue imprimir no suspense/drama elaborado no slow motion e se pode captar por quem assiste. Desenvolve-se bastante o campo visual para estarmos atentos, mas nos falta um norte dramático afunilante.

Junto com a promoção de um campo sensível estabelecido em cada plano gravado , assim como a diretora fez muito bem em Lore, sem dúvida há de se elogiar a encenação de Teresa Palmer como a personagem Clare Havel, além de toda a sonoridade captada pela edição de som que vai rodeando os movimentos da atriz. Não é um filme necessariamente sobre evolução dramática, ou de superação diante de um sequestro abominável que o personagem Andi Werner (Max Riemelt) faz com Clare, até porque o tal trauma no filme vai só se reafirmando em suas minúcias. Então é de se admirar como a atriz parece conseguir se manter num mesmo ritmo que a obra se porta. É uma compreensão muito boa da noção da diretora preservar nela uma visão diferente das coisas, mesmo quando o ambiente e o contexto seja continuamente doloroso no mesmo tom.

O que torna difícil é quando essa visão da personagem é transposta para a linguagem geral do filme. A violência é sonora ou sugestiva, criando suspense, ao mesmo tempo que se suspende cenas na câmera lenta com um efeito dramático, mas também de suspense, e as vezes isso parece poético. Talvez seja o grande trunfo e a grande ironia que tal forma para abordar o conteúdo de aprisionamento mental, estrutural e físico seja uma mistura muito estranha de contextos de sequestro,  levando a diretora a não apenas empenhar a entender o psicopata para entender melhor a personagem Clare, como tomar decisões mais claras na finalização, numa tomada cíclica para ambos os personagens.  De fato, é uma compreensão de como a diretora tem muito mais cuidado e tomada do filme do que se imagina, como se mapeasse completamente quaisquer movimentos e sentimentos envolvidos no campo sensorial reforçado em A Síndrome de Berlim.

Entretanto, existe tanto preparo detalhista para exemplificar a perturbação do vilão do filme que fica antagônico num processo criativo de sensibilizar a visão da protagonista para a unidade do longa. Ao mesmo tempo, incita-se momentos repetidos, como é possível numa síndrome de Estocolmo que o filme busca abordar, tenta-se “psicologizar” com a imagem, desenhar uma explicação verbal, uma imagética e uma ação fora do realidade comportável da obra para finalizações de todas as pontas semi-fechadas da narrativa em seu exercício psicológico e subjetivo. Ou seja, por mais que a diretora firme-se bastante no controle da forma que conta sua história, essa mesma forma cria uma possível insegurança em deslocar a imagem para Clare ou Andi e mediar com o espectador os sentimentos que se quer efetivar na experiência de se assistir.

Desde o som da cadeira que parece sexualizado, da câmera fotográfica aos objetos metálicos, a diretora fomenta o suspense e o terror contextual que define bem a tal Síndrome de Berlim que indica o título. Nisso a experiência com o longa é bem claro e desenvolve bem seu campo e terreno de sentidos com o espectador. No entanto, existe um processo aliviante para a tal insegurança citada que tenta trazer uma estranheza bem interpretada para que a diretora não percorra por ambiguidades com seu tema complicado, limitando a própria formalização cinematográfica que tanto tateia bem o corpo feminino e a opressão que o sequestro quer expressar para dinâmicas mais amplas quanto a liberdade feminina.

Infelizmente isso tudo não alcança o próprio universo criado com a fotografia. Parece à parte, ecoando como uma resistência inócua na trama. Complica-se ter uma ideia única em um projeto que almeja tanto um visual subjetivo, porém se mostra tentar ser mais objetivo sem saber como. Essa é a complicação quando se quer um drama da inocente encaixada no suspense sagaz, quando a raiz é bem mais profunda que a película pode perder, por mais insistente que a câmera possa ser em captar.

A Síndrome de Berlim (Berlin Syndrome) – Australia, 2017
Direção: Cate Shortland
Roteiro: Shaun Grant, Cate Shortland (baseado no livro homônimo de Melanie Joosten)
Elenco: Teresa Palmer, Max Riemelt, Matthias Habich, Emma Bading, Lucie Aron, Malin Steffen, Thuso Lekwape, Morgane Ferru
Duração: 116 minutos

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