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Crítica | A Terceira Geração

por Luiz Santiago
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Em um ensaio publicado no jornal Frankfurter Rundschau, em 2 de dezembro de 1978, durante a produção de A Terceira Geração (filmado entre novembro de 1978 e janeiro de 1979 e exibido em 30 de maio, no Festival de Cannes, causando enorme polêmica), Fassbinder classificou as gerações alemãs que teve em mente quando escreveu o roteiro do filme.

  • 1ª Geração: a burguesia que viveu entre 1848 e 1933;
  • 2ª Geração: “nossos avós” e como eles vivenciaram o III Reich e se recordam dele;
  • 3ª Geração: “nossos pais” e como tiveram, depois da guerra, a oportunidade de criar um Estado humano e livre como nenhum outro, e no que resultou essa oportunidade.

Quase um ano depois, em uma entrevista cedida em outubro de 1979, ele classificou as gerações dentro do aspecto do terrorismo moderno (do ponto de vista dele, na Alemanha), o que também representa o pensamento problematizado nas entrelinhas de A Terceira Geração.

  • 1ª Geração: os idealistas de 1968, que queriam mudar o mundo e acreditaram que podiam fazer isso com palavras e demonstrações;
  • 2ª Geração: o grupo Baader-Meinhof, indo da legalidade à luta armada e completa ilegalidade;
  • 3ª Geração: a geração de hoje que age sem pensar e que não tem base política nem uma ideologia, e que, sem perceber, deixa-se manipular pelos outros, como marionetes.

Anunciada como uma comédia de humor ácido dividida em 6 partes, A Terceira Geração é a conclusão do olhar político de Fassbinder ensaiado em Alemanha no Outono, um filme coletivo que essencialmente abordava as ações do Baader-Meinhof durante o Outono Alemão. A diferença entre uma película e outra, no entanto, é a ironia e as altas doses de farsa social e política que o roteiro nos apresenta, citando a máxima de que o capital criou o terrorismo para justificar o aumento da proteção ao próprio capitalismo/Estado.

Descrente de utopias e equiparando os terroristas de esquerda e direita, Fassbinder provoca os pseudo-ativistas e “revolucionários de rádio-e-TV” chamando-os de ‘classe média entediada’, estratificação social na qual se enquadra os seus personagens nesse filme, interpretados por um elenco recorrente e, como sempre, excelente.

Eis a história: o dono de uma empresa de computadores lamenta a queda das vendas de seus produtos nos últimos meses, especialmente as vendas para a polícia/Estado. Sem guerra e sem atividades terroristas para fazê-lo lucrar, o empresário engendra um intricado plano, alimentando uma célula de revolucionários na qual possui dois agentes infiltrados. As ações desses terroristas será a justificativa para atitudes mais enfáticas da política em diversos setores da sociedade e, claro, terminará com a volta da empresa de P. J. Lurz (o ótimo Eddie Constantine) às altas vendas. O ponto final da ação desses indivíduos é, irônica e propositalmente, no desfecho do Carnaval, onde se vestem como foliões e sequestram Lurz, filmado-o com um sorriso cínico, dizendo que era um “prisioneiro do povo”.

Observe que o final do longa fecha o ciclo com uma sequência de mortes patéticas vindas da inocência, incredulidade e completa alienação dos envolvidos direta ou indiretamente com o grupo. Fassbinder os mostra como atores sociais que pretendem libertar presos políticos e lutar por uma Alemanha melhor, que usam como senha uma ideia de O Mundo como Vontade e Representação, de Arthur Schopenhauer, mas não sabem o que isso significa; não sabem contra quem e o por quê estão “fazendo isso tudo”.

Alienados, os terroristas serão facilmente levados como marionetes pela vontade de uma camada social que eles acreditam combater. Como o filme olha para esses indivíduos através de seus aspectos humanos, suscetíveis a falhas, amores, defeitos e vontades, o espectador se aproxima deles, estabelece algum nível de identificação que aos poucos é dissipado pela estupidez e ausência de pensamento racional para suas ações.

Com tais temas em pauta e sendo este um assunto muitíssimo delicado na Alemanha (ou na Europa, como um todo) da época, o seu financiamento foi cortado por patrocinadores estatais e até particulares. A produção do longa ficou a cargo do próprio Fassbinder e seu amigo Harry Baer, que faz o papel de Rudolf no filme. Aliás, o orçamento curto obrigou o diretor a utilizar o trabalho duplo dos atores, que na verdade eram seus amigos de longa data. Fassbinder, além de produzir, dirigir e escrever, também foi o diretor de fotografia do filme. Raúl Gimenez, que fez o papel de Paul, também assinou o desenho de produção. Volker Spengler, que interpreta August, também foi o diretor de arte. Juliane Lorenz fez a montagem do filme, foi assistente de direção e interpretou a assistente social que deveria ajudar Franz, o personagem de Günther Kaufmann.

A junção de esforços entre amigos e a extrema exigência de Fassbinder trouxeram um resultado esteticamente admirável para o longa. Há forte influência teatral e orientações milimétricas do diretor para a movimentação dos atores dentro do quadro. Além disso, a onipresente faixa radiofônica ou televisiva recebe uma perfeita mixagem de som, não cobrindo os diálogos e servindo como indicação complementar para a alienação dos personagens, que só leem alguma coisa quando estão zombando de Bernhard von Stein (personagem do ótimo Vitus Zeplichal), um soldado que lia Bakunin e andava com uma mala cheia de livros.

Diretamente inspirado por filmes como A Chinesa (1967) e A Honra Perdida de Katharina Blum (1975), além de fontes literárias como Joseph Conrad (O Agente Secreto) e Dostoiévski (Os Possessos), Fassbinder cria uma aventura bufona cheia de referências à sua primeira fase cinematográfica — especialmente aos filmes O Amor é Mais Frio que a Morte (1969), Os Deuses da Peste (1970) e O Soldado Americano (1970) — e completa o seu olhar para a Alemanha contemporânea aberto em Alemanha no Outono.

Propositalmente esquecido e tardiamente lançado em home video, o filme permanece atual e muito preciso em suas reflexões, embora seja uma daquelas películas do tipo “ame ou odeie”, o que, convenhamos, não é muito diferente daquilo que temos para a maioria das produções fassbinderianas. Mesmo tantos anos depois, A Terceira Geração é um filme que [ainda] precisa ser descoberto.

A Terceira Geração (Die dritte Generation) — Alemanha Ocidental, 1979
Direção: Rainer Werner Fassbinder
Roteiro: Rainer Werner Fassbinder
Elenco: Harry Baer, Hark Bohm, Margit Carstensen, Eddie Constantine, Jürgen Draeger, Raúl Gimenez, Claus Holm, Günther Kaufmann, Udo Kier, Bulle Ogier, Lilo Pempeit, Hanna Schygulla, Volker Spengler, Y Sa Lo, Vitus Zeplichal
Duração: 111 min.

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