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Crítica | A Última Carta de Amor

Quando uma comparação de mulheres de épocas diferentes se torna uma contradição no tratamento do tempo.

por Davi Lima
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Crítica | A Última Carta de Amor

A Última Carta de Amor representa bem o sentimentalismo da experiência individual, na atualidade, em conflito com a objetividade de se querer contar o passado, mesmo quando isso se torna excessivo numa trama. A chuva que une metaforicamente tudo na história, na tristeza e no amor, é o artifício mais cafona e o mais romântico (independente da época), mas a diretora do filme parece não desapegar do passado, nesta adaptação do livro de Jojo Moyes, mesmo quando entende o argumento da obra como fundador de uma narrativa da memória. Crítica | A Última Carta de Amor

Quando se reflete sobre o artifício visual da chuva nos filmes, mesmo quando alguns acham irreal demais, o efeito romântico e emocional é comprovado. Da mesma maneira, as histórias entrecruzadas e os suspenses envolvidos nessas narrativas surgem facilmente da ânsia dos tempos passado e presente em se complementarem, seja por  fatos, seja por  comparações entre personagens. A partir dessas duas verdades, a diretora parece querer apressar toda essa implementação de experiência sem abrir mão das possibilidades visuais que prendem a atenção em  filmes de época, possibilitando o espectador se deslumbrar numa olhada rápida, mesmo não prestando tanta atenção.

Essa escolha de valorizar os momentos do passado para manter o público iludido é compreensível. É tentador trabalhar com Shailene Woodley e sua personagem Jennifer Stirling, e um elenco de apoio no retrato de época, tornando o drama bem mais impactante. Isso sem contar o  prazer da direção em ajudar na reconfiguração dos  traços temporais da londrina e espanhola década de 60 . As músicas em Londres, as locações na Itália: sem dúvida dirigir isso é o mais divertido para a diretora iniciante Augustine Frizzell.  Narrativamente, o roteiro parece provocar suspenses que se resolvem em curto espaço de tempo, criando um movimento semelhante a um carro que engata marcha até a terceira e freia a quase um ponto de ré, especialmente quando as cenas transitam para o presente.

Nesse bloco , o contexto da história apresenta a jornalista Ellie Haworth (Felicity Jones), que escreve colunas de revista sobre amor. Ela se sente insegura com compromisso com homens após uma experiência traumática e, por isso, vai atrás de uma história de amor feita na base de cartas: um achado de pesquisa histórica para formular uma nova coluna,  uma nova epifania historiográfica para  se pensar sobre o amor. O problema é que o objetivo do filme parece estar num roteiro que se importa pouco com as reverberações narrativas do passado, e mais  com as comparações implícitas entre as duas mulheres e seus contextos. Jennifer, que recebe cartas do amante, vive numa época bem machista, posta numa situação de se provocar ousadias no amor sem pensar em estruturas, enquanto a jornalista já não tem estrutura para se apegar ao amor.

De maneira geral, a diretora até parece saber tornar os pontos dramáticos da trama do passado como síntese para essas comparações entre as mulheres, mas ao mesmo tempo engole suspenses criados envolta de Jennifer, ao passo que gasta bastante tempo em desenvolver um romance que se omite e se descobre numa montagem alternada concorrente consigo mesma. Mesmo que haja um propósito de A Última Carta de Amor falar sobre  como o passado se resolve sozinho e sobre como o presente cria a narrativa que se quer para o passado, tal epifania gasta muito tempo para se aclamar pelo que é e não pelo que poderia ser.

O tempo presente se torna interessante quando o passado teoricamente se resolve num  seu clímax contemporâneo, algo diferencial e intrigante de experimentar. São duas narrativas que não se conectam diretamente, ficando nas entrelinhas  como o presente se alimenta do passado. Emocionalmente, a jornalista fica mais carregada como personagem pelo acúmulo do passado que reinterpreta todas as imagens dela no filme, da primeira cena à  repetição dela com o crush bibliotecário. No entanto, se a modernidade clama por representá-la como intensa e efêmera, ainda que romântica – e por isso o uso da chuva para amenizar a aceleração do tempo no seu contexto -, o clímax sobre a reflexão historiográfica das cartas sobre Ellie se torna curto.

Tem lógica o momento de ápice dramático do filme ser curto em relação às cenas do passado? Em A Última Carta de Amor, sim . Porém, ter lógica não impede o questionamento em relação à contradição da diretora em tornar a história de Jennifer um repertório narrativo de transição, que elimina seus suspenses automaticamente por ser um grande e extenso ponto de transição. Se a base de uso do  tempo é o passado que  alimenta o presente, e esse tempo é sintetizado em rapidez para representar a pressa do presente, dos tempos de Ellie; ao final, a comparação entre as mulheres justifica a temática temporal, mas em linguagem cinematográfica, a diretora não se importa com o consumo de tempo que dramatiza o paralelo entre Jennifer e Ellie. Crítica | A Última Carta de Amor

O encerramento do longa pode até ser bem básico em comunicar seu romance e o efeito do presente no passado, mas para que isso seja transformador, em um filme, não basta acelerar a trama do passado e contá-la como um deleite intrincado de suspense autodestrutivo. Infelizmente, Augustine Frizzell parece literalizar a epifania de Ellie para sua própria direção e definição com a montagem, fazendo com que as  cartas românticas tão pesquisadas (símbolo do roteiro para a personagem transitar entre os tempos e aprender sobre o amor), não sejam tão relevantes assim, afinal. Crítica | A Última Carta de Amor

A Última Carta de Amor (The Last Letter from Your Lover) – 2021, Reino Unido, França
Direção: Augustine Frizzell
Roteiro: Nick Payne, Esta Spalding, baseado no livro homônimo de Jojo Moyes
Elenco: Shailene Woodley, Joe Alwyn, Callum Turner, Wendy Nottingham, Felicity Jones, Jacob Fortune-Lloyd, Ncuti Gatwa, Emma Appleton, Jessica D’Arcy, Ann Ogbomo, Nabhaan Rizwan, Alice Orr-Ewing, Zoe Boyle, Christian Brassington
Duração: 110 min.

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