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Crítica | A Viagem de Niklashauser

por Luiz Santiago
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Em A Viagem de Niklashauser, seu primeiro filme a quebrar com o estilo do antiteatro, Fassbinder trabalhou ao lado de Michael Fengler, com quem dividiu os créditos de roteiro e direção. Fengler já havia sido parceiro de Fassbinder em Por que Deu a Louca no Sr. R.? e voltou a repetir a dose neste telefilme sobre o pastor Hans Böhm, que em 1476 foi condenado à morte na fogueira pela igreja. O motivo? O pastor dizia ter visto a Virgem Maria. Após o fato, dedicou-se à pregação do evangelho e foi tido pelos camponeses de seu feudo como um novo Messias. Como sabemos, a igreja não gostava nada disso, especialmente nesse momento da Idade Média, portanto, a condenação de Böhm não é nenhuma novidade dentro de seu contexto histórico.

O filme de Fassbinder traz à tona a questão religiosa medieval, mas a mixa com um grande número de tendências políticas que preenchiam a pauta da juventude europeia nos anos 1970. O roteiro cria um tempo fictício e mistura os espaços históricos, assim, vemos elementos medievais dos mais diversos períodos – o anacronismo é proposital e funcionou bem na proposta do longa – ao lado de citações sobre socialismo, fascismo, reforma agrária, lei da oferta e procura, Panteras Negras, Lênin, etc.

Nesse caldeirão de coisas, é evidente que não há tempo ou mesmo intenção de criar um filme com narrativa clássica e fácil sobre os problemas políticos do século vinte e a influência milenar da igreja sobre as pessoas e as sociedades. Fassbinder mais uma vez mostra-se simpático às vanguardas da época (ele mesmo era um dos nomes centrais do Cinema Novo Alemão) e embaralha o máximo as cartas narrativas, arcando com o prejuízo de fazer um filme que envelheceria rápido e bem mal, especialmente se comparado à exemplar fase de sua carreira que se ergueria após O Comerciante das Quatro Estações.

A Viagem de Niklashauser é também uma homenagem indireta de Fassbinder e Fengler a O Estranho Caminho de São Tiago de Buñuel e a Pocilga de Pasolini, ambos os filmes centrados em mesclagem de tempos históricos, política e religião, cada um deles expondo isso com diferentes intensidades.

O longa não consegue formar real unidade mas sua mensagem é plenamente inteligível e bastante crítica. Em compensação, vemos na tela uma série de primorosos e longos planos – a câmera está sempre em movimento horizontal e há um extenso uso de zoom no decorrer da obra – tendo claramente uma divisão em espaços sacros e profanos, dualidade que entenderemos como espaços de conservação da velha ordem e espaços de revolução.

O final do filme nos lembra um pouco o ambiente refigurado de Zero de Comportamento e Se…, com os jovens armados partindo para a luta e fazendo valer suas ideias políticas. Nesse momento do filme se destaca a desconexão com o ponto religioso. As duas vertentes tomaram rumos distintos em dado ponto do texto, cada uma, porém, encontrando a sua tragédia particular. Parece-nos que na visão de Fassbinder a repressão, o sangue e o extremo amor por algo (leia-se fanatismo) não são exclusivos de uma classe social, gênero, crença ou descrença em Deus ou deuses.

Ao final de A Viagem de Niklashauser entendemos que a destruição e a sede de transformação estão na gênese do homem e é para ela que ele acaba voltando ou sozinho ou com uma sociedade inteira atrás dele.

A Viagem de Niklashauser (Die Niklashauser Fart) – Alemanha Ocidental, 1970
Direção: Rainer Werner Fassbinder, Michael Fengler
Roteiro: Rainer Werner Fassbinder, Michael Fengler
Elenco: Michael König, Hanna Schygulla, Margit Carstensen, Michael Gordon, Günther Kaufmann, Kurt Raab, Franz Maron, Walter Sedlmayr, Karl Scheydt, Guenther Rupp, Ingrid Caven
Duração: 90 min.

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