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Crítica | A Vingança de Ulzana

Um paralelo estranho com a Guerra do Vietnã.

por Luiz Santiago
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A Vingança de Ulzana (1972) é um filme do começo da última década na filmografia de Robert Aldrich, e ao menos considerando o que alguns críticos e espectadores apontaram ao longo dos anos, faz alusões à participação americana na Guerra do Vietnã. Em entrevista ao Los Angeles Times em maio de 1972, o roteirista Alan Sharp disse que, além de uma homenagem a John Ford (mais especificamente a Rastros de Ódio), ele retratou aqui a ideia de medos históricos que todo mundo tem. No seu caso, três grandes momentos históricos de maldade, violência e mortandade sempre o atormentaram: o Terceiro Reich, a Turquia durante a Primeira Guerra Mundial e o sudoeste americano durante os anos 1860-1886. Em resumo, trata-se de um filme sobre atitudes mortíferas de grupos de pessoas em luta, considerando diferentes comportamentos e culturas, o que faz com que as atitudes de um dos lados seja vista como pior que as outras.

Nos anos 1970, os westerns constantemente representavam personagens de moral dúbia, complexa, e tramas finalizadas de maneira desesperançada, sem o louvor belicista ou de conquistador vitorioso das décadas anteriores. Também vemos nesse momento um tratamento majoritariamente diferente para os indígenas, que não eram mais vistos essencial e completamente como inimigos selvagens dos homens brancos, impedindo o avanço da civilização trazida pelos colonos — ou seja, a exposição ideológica da mentalidade podre dos europeus ou de seus descendentes na América, que invadiram terras indígenas, exterminaram violentamente milhões de nativos, levaram diversas espécies de animais e de árvores à beira da extinção e ainda se designam como os detentores do progresso, da razão, dos bons modos.

O roteiro de Alan Sharp mira, em tese, no cerne dessa questão. Mas tanto a sua escrita quanto a direção de Robert Aldrich não indicam esse olhar crítico, a exposição de uma situação de conquista diante dos verdadeiros donos da terra. O filme começa com a fuga de Ulzana de uma reserva indígena. Juntamente com outros companheiros, ele consegue pegar alguns cavalos e sair pelo deserto e pradarias matando gente das piores maneiras possíveis. O filme é bastante violento (tanto que temos duas versões oficiais dele: a americana, editada sob supervisão do diretor; e a europeia, editada sob supervisão de Burt Lancaster) e mostra cenas que não se encontrava frequentemente em filmes dos anos 1970, com destaque para a cena do suicídio de um Tenente ao perceber que seria capturado pelos Apaches e a tortura de um homem diante de uma fogueira, que os indígenas ainda fizeram questão de lhe enfiar o rabo de um cachorro na boca.

Dramaticamente, são cenas que engajam o espectador e que emotivamente vai criando uma percepção geral a respeito dos Apaches Chiricahua, tirando de cena a ideia de um conflito moral e estabelecendo Ulzana e seus companheiros como os definitivos e impiedosos vilões. De um lado, temos alguém que aparentemente entende o pensamento dos indígenas e que inclusive é casado com uma: o batedor McIntosh (Lancaster, em uma ótima atuação). Do outro, o jovem Tenente Garnett DeBuin (Bruce Davison), que se divide entre o acolhimento cristão e momentos de puro racismo, normalmente descontado no batedor Apache que era um soldado do Forte, o silencioso Ke-Ni-Tay (Jorge Luke). A homenagem a Rastros do Ódios é imediatamente percebida diante da grande perseguição que toma conta da narrativa. E essa perseguição em tese demonstra o pensamento insistente e até inconsequente dos americanos diante de uma determinada situação de crise. Até aí, vemos apenas um princípio narrativo comum, que será desenvolvido para explicar a absurda violência indígena e reforçar a fixação dos soldados. Só que isso não acontece no filme.

Em dado momento da projeção, numa conversa com o Tenente DeBuin, o soldado Apache Ke-Ni-Tay “justifica” o comportamento violento de seus irmãos com a seguinte frase: “porque eles são assim“. Mesmo se a gente considerar a explicação mítica que vem logo a seguir, a representação dos nativos nesse filme é apenas do horror e da selvageria por eles mesmos, já que não existe um único frame de contexto para a ação de Ulzana — e se ficarmos apenas com a explicação simbólica para a “busca por poder ao matar outras pessoas” o significado pretendido pela obra fica ainda pior. É por isso que eu sempre achei estranha a comparação feita por alguns críticos, acadêmicos e até mesmo por membros da equipe do filme (o próprio Bruce Davison já falou disso em entrevistas) com a Guerra do Vietnã, porque simbolicamente não dá para considerar a obra uma “crítica aos americanos”, mas um reforço ao fato de que os errados da história são os nativos violentos e os seus perseguidores são apenas pessoas teimosas e precisam responder à violência com a qual são recebidos, embora seus princípios cristãos nem sempre permitam isso: em uma cena, o personagem de Burt Lancaster diz ao de Bruce Davison que o que incomodava o jovem Tenente era a possibilidade de um homem branco “pensar e agir como um Apache“. Pois é.

A Vingança de Ulzana é um filme intenso, com uma caçada que não se torna enjoativa em momento algum, mesmo nas cenas de estranha representação da movimentação Apache. O roteiro soube explorar bem os novos espaços trilhados pela divisão militar e o fotógrafo Joseph F. Biroc (que só naquele início de década já tinha dois trabalhos lançados com Aldrich: Assim Nascem os Heróis e Resgate de uma Vida) colocou muito bem na grande tela todas as paisagens grandiosas do Arizona, onde aconteceu a maior parte das filmagens. Em última instância, é um filme sobre uma grande campanha liderada por um grande guerreiro nativo (mais uma vez ressalto que não há motivação real para as ações de Ulzana aqui) e sobre a tentativa dos americanos em encontrá-lo e impedir que siga em sua trilha de morte. Um western que tem a superfície de um filme dos anos 1970, inclusive na demonstração de violência; mas que, em significado, mesmo que supostamente não seja a sua intenção, traz uma mentalidade de três décadas antes.

A Vingança de Ulzana (Ulzana’s Raid) — EUA, 1972
Direção: Robert Aldrich
Roteiro: Alan Sharp
Elenco: Burt Lancaster, Bruce Davison, Jorge Luke, Richard Jaeckel, Joaquín Martínez, Lloyd Bochner, Karl Swenson, Douglass Watson, Dran Hamilton, John Pearce, Gladys Holland, Margaret Fairchild, Aimee Eccles, Richard Bull, Otto Reichow
Duração: 103 min.

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