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Crítica | A Volta ao Mundo em 80 Dias, de Jules Verne

por Kevin Rick
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Ambientado em 1872, A Volta ao Mundo em 80 Dias, uma das famosíssimas Viagens Extraordinárias escritas por Jules Verne, acompanha a jornada de Phileas Fogg, um excêntrico cavalheiro inglês que decide firmar uma aposta de vinte mil libras com seus colegas burgueses do Reform Club de que consegue dar a volta ao mundo em 80 dias. Baseando a premissa da obra em um período de desenvolvimento tecnológico e ferroviário, iniciando um fascínio popular com a facilitação da exploração global, o autor francês nos presenteou mais um clássico de aventura, não em cima do fantástico como sua obra mais célebre Viagem ao Centro da Terra, mas sim sobre o encanto do turismo.

Dessa forma, logicamente, a prosa de Verne é construída como um diário de viagem. À medida que acompanhamos Fogg, junto de seu recém-criado (e super carismático) Passepartout, desbravando suas aventuras globais, o autor descreve de forma detalhista paisagens e aspectos culturais de cada bloco mundial, indo de Londres, Mumbai (anteriormente conhecida como Bombaim), Calcutá, Hong Kong, São Francisco, até retornar para o Reino Unido. Curiosamente, Verne não procura aventuras gigantescas, e adentra o leitor em uma leitura, digamos, de itinerário. Grande parte das descrições focam em aspectos de evolução tecnológica de viagens, como a criação da Primeira Ferrovia Transcontinental da América (1869) e a abertura do Canal de Suez (1869), até elementos “menores” como a campainha elétrica. É de uma habilidade extraordinária como o autor consegue romantizar e fascinar o leitor com páginas e páginas sobre estações de trem, diferenças de fuso horário, carruagens e outros meios de transporte + componentes mais tediosos e técnicos de organização para viajantes.

Para dar um pouquinho de sabor aventureiro a esses elementos de ordenamento de percurso – que, aliás, eu já acho fascinante, mas consigo ver como uma quebra de imersão -, Verne situa sua narrativa em torno da corrida contra o tempo da aposta. O escritor aborda cada parte da viagem com diferentes artifícios de incidentes que criam maravilhosas sequências, desde o salvamento da indiana Aouda, que estava sendo obrigada a participar do antigo costume hindu Sati, em que a viúva deve se sacrificar em uma fogueira junto do seu falecido marido; o divertido inspetor Fix que persegue Phileas pelo globo; até o coadjuvante Passepartout passar um tempo trabalhando como palhaço equilibrista em um circo japonês. E tudo isso (e muito mais) em 80 dias!

Mapa do trajeto percorrido por Phileas Fogg.

A jornada de incidentes é também utilizada para Verne discorrer sobre várias culturas e religiões, como no exemplo hindu que citei acima do horroroso costume Sati, atualmente banido pela Índia. Cabe aqui um espaço sobre alguns contornos preconceituosos, ou pelo menos polêmicos, do livro, como em alguns blocos sobre mórmons e nativo-americanos que Verne aborda com pouco cuidado, que é perfeitamente contextualizável com o período de lançamento da obra e o pensamento europeu do autor. Mas, dito isso, é importante notar como Verne denuncia diferentes problemas da colonização, fanatismo religioso e até mesmo o tráfico do ópio.

Contudo, como eu disse anteriormente, a obra focaliza bem mais em ser um diário de turismo, especificando locações e a evolução do transporte, do que em aspectos socioculturais. Passado desse ponto de contextualização, A Volta ao Mundo em 80 Dias é muito mais uma leitura pueril que ditou vários parâmetros do gênero de aventura, como, aliás, toda a bibliografia do autor implementou. Infelizmente, é nesse ponto de infantilidade que a experiência do livro vai caindo no meu conceito ao longo da leitura, pois Verne assume uma estrutura repetitiva em que os personagens chegam em uma cidade, algo acontece, Phileas se mantém estoico enquanto todo mundo desespera, e então ele prossegue perfeitamente em seu trajeto.

À medida que a narrativa se aproxima do seu desfecho, a criatividade de Verne em esticar os incidentes se torna mais ordinária, e a própria cadência, especialmente para um leitor maduro, se torna uma monótona recapitulação do mesmo molde. Felizmente, mesmo com os pormenores estruturais, A Volta ao Mundo em 80 Dias continua sendo um delicioso itinerário de um excêntrico protagonista orgulhoso. O fato do personagem nunca desistir do seu percurso, respaldado pela inventividade de um artista lendário, criam uma experiência de torcida do leitor contra o tempo. Nos pegamos estimulando e encorajando esse grupo diverso a destrinchar cada meio de transporte e cidade deslumbrante para atingir seu objetivo absurdo de dar a volta ao mundo em 80 dias.

A Volta ao Mundo em 80 Dias (Le tour du monde en quatre-vingts jours – França, 1873)
Autor: Jules Verne
Série: Viagens Extraordinárias #11
Editora original: Pierre-Jules Hetzel
Data original de publicação: 30 de janeiro de 1873
Editora no Brasil: Editora Zahar
Data de publicação no Brasil: 09 de fevereiro de 2017
Páginas: 240

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